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3 O PENSAMENTO MATEMÁTICO AVANÇADO

3.1 O que é o Pensamento Matemático Avançado

A compreensão do Pensamento Matemático Avançado (PMA) requer que se olhe para a atividade matemática e suas implicações para o desenvolvimento cognitivo do aprendiz. Com suporte em estudos como os de Jean Piaget sobre como se dá o desenvolvimento da inteligência e como se chega a novos conhecimentos, muitas teorias surgiram para tentar explicar os processos envolvidos na compreensão da Matemática avançada.

Tall (1995; 2002), Dreyfus (2002), Dubinsky (2002) são exemplos de autores que recorrentemente concedem destaque aos estudos sobre o tema, cujas principais ideias se encontram no livro Advanced Mathematical Thinking, que traz uma coletânea de artigos explicativos das principais características e importância de seu desenvolvimento no ensino de Matemática superior. Em Domingos (2003), encontramos breve definição para a dicção Pensamento Matemático Avançado, descrito com base nas concepções desta obra, que utilizaremos para introduzir seu significado:

Pensamento Matemático Avançado: foca-se essencialmente nas abstrações de definições e deduções. Tem por base os processos de representação e abstração, processos este que, no nível de ensino estudado, têm um maior grau de complexidade. (DOMINGOS, 2003, p. 79)

Para Tall (2002) são as atividades de deduções e as definições formais que possibilitam a construção de entidades abstratas do PMA, e para se chegar a essa construção, é necessário passar por um ciclo completo iniciado com a ação sobre um problema matemático que exige investigação, passa pela formulação criativa de conjecturas e, por fim, chega ao estádio final de refinamento e prova. Desse modo, o autor considera que a principal distinção entre a Matemática elementar e a avançada é a existência na segunda, da dedução a partir de definições, enquanto, na primeira, os objetos são descritos com base na experiência do objeto. Nas palavras do autor,

É essencial distinguir entre matemática elementar, (incluindo a geometria) onde os objetos são descritos e matemática avançada onde os objetos são definidos. Em ambos os casos a linguagem é usada para formular as propriedades dos objetos, mas em matemática elementar a descrição é construída da experiência do objeto, em matemática avançada, as propriedades do objeto são construídas a partir da definição – uma inversão que causa grandes dificuldades de acomodação para novatos em pensamento matemático avançado. (TALL, 1995, p. 7; tradução nossa)6.

As grandes dificuldades que os alunos enfrentam ao lidar com a Matemática avançada tem estreita relação com o fato de os métodos de ensino atuais falharem ao apresentarem a Matemática avançada aos alunos, uma vez que uma apresentação lógica pode não ser apropriada para o desenvolvimento cognitivo da aprendizagem. Para que ocorra o desenvolvimento do PMA, é preciso que haja uma mudança no estádio cognitivo do aprendiz, propiciada por um ensino que trabalhe de modo equilibrado os aspectos de percepção visual dos conteúdos (Geometria) e os aspectos ligados à manipulação proceptual, levando a dedução e definição formal dos objetos. (TALL, 1995, p. 12).

Tall (1995) analisou os fatores cognitivos que implicam o crescimento cognitivo do PMA, partindo da hipótese de que esse crescimento ocorre desde “percepções de” e “ações sobre” objetos matemáticos. Considera que a atividade humana é composta por componentes de entrada (percepção), atividade interna (pensamento) e saída (ação), concebendo, assim, a atividade matemática como percepção de objetos, reflexão e ação sobre eles. Consoante o autor, a evolução cognitiva se dá com o apoio em dois desenvolvimentos em paralelo – um visuoespacial, que se torna verbal e remete à prova sistemática (em Geometria), enquanto o outro usa símbolos de modo flexível como processos e conceitos (em Aritmética e Álgebra). O uso de tudo isso leva a inspirar o pensamento matemático criativo, baseado na definição formal de objetos e na prova sistemática. A Figura 2 ilustra a visão do autor sobre o desenvolvimento do PMA desde uma perspectiva cognitivista.

6 It is essential to distinguish between elementary mathematics, (including geometry) where objects are described

and advanced mathematics where objects are defined. In both cases language is used to formulate the properties of objects, but in elementar mathematics the description is constructed from experience of the object, in advanced mathematics, the properties of the object are constructed from the definition—a reversal which causes great difficulties of accommodation for novices in advanced mathematical thinking.

Figura 2 - O desenvolvimento do pensamento matemático avançado

Fonte: Adaptado de Tall (1995, p. 12).

Na figura 2, observamos que o pensamento matemático elementar se inicia com a interação com o meio, no qual a pessoa percebe os objetos e age sobre eles. Assim, as percepções desenvolvem a compreensão geométrica, e as ações procedem à apreensão das operações associadas a Aritmética e Álgebra. Conforme a compreensão e a ação sobre estes objetos evoluem, chega-se a níveis mais avançados que envolvem as demonstrações euclidianas, cálculo e álgebra avançada, cuja passagem ao pensamento matemático avançado se dá com a formalização desses conceitos (definição formal e prova), culminando no desenvolvimento do pensamento criativo e de pesquisa.

Para Tall (1995), é importante que o professor trabalhe em sala de aula, na perspectiva de promover encapsulações, que são as transformações de um processo num conceito. Este termo se relaciona à ideia de proceito, onde um objeto é ao mesmo tempo um processo e um conceito, que fará parte do conceito imagem e conceito definição de cada pessoa. O conceito imagem se refere a todas as imagens, propriedades e processos associados a um conceito, enquanto o conceito definição diz respeito às palavras usadas para especificar este

conceito. É importante destacar ser o conceito imagem que é evocado quando o estudante precisa lida com os conceitos, de modo que o conceito definição tende a permanecer inativo ou mesmo esquecido. Segundo Tall (1988)

Quando os alunos encontram um conceito antigo em um novo contexto, é o conceito imagem, com todas as suposições implícitas abstraídas de contextos anteriores, que responde à tarefa. Se a imagem é construída sobre experiências que entram em conflito com a definição formal, isso pode levar a respostas que estão em desacordo com a teoria formal. (TALL, 1988, p.3; tradução nossa7).

Nesse sentido, o ensino assentado na transmissão de definições, com pouca ênfase na discussão sobre os conceitos, corre o risco de constituir imagens conceituais limitadas, que poderão entrar em conflito com a definição formal, caso o conceito imagem não tenha sido formado de modo coerente, ou seja, insuficiente para dar conta da compreensão do conceito definição.

Dreyfus (2002), por sua vez, aborda o PMA sob a perspectiva dos processos que acontecem na mente, e que são essenciais ao desenvolvimento da pessoa, tais como a representação, a síntese, a generalização e a abstração, embora estes não sejam exclusivos da Matemática avançada e aconteçam, também, nos níveis de Matemática elementar. Compreender tais processos como constituintes do PMA pode ajudar no entendimento das interações que ocorrem durante seu desenvolvimento.

Para Dreyfus (2002), o que distingue o pensamento matemático elementar, do avançado, é a complexidade, e como esta é tratada, sendo que o poder dos processos é permitir gerenciar tal complexidade, em especial, na abstração e representação, em que se pode passar de um nível a outro. Assim, o PMA consiste de uma grande variedade de interações dos componentes do processo, que inclui, além da representação, visualização e generalização, outras habilidades – como classificar, conjecturar, induzir, analisar, sintetizar, abstrair ou formalizar – sendo importante que o professor de Matemática esteja consciente destes processos para compreender algumas das dificuldades que os alunos vivenciam.

Mostramos a seguir os principais processos descritos por Dreyfus (2002) que são referenciais neste trabalho. Iniciamos falando do papel das representações na atividade matemática, reforçando a explanação com um pouco dos estudos de Duval (2009) acerca das representações semióticas, que complementam o posicionamento de Dreyfus.

7 When students meet an old concept in a new context, it is the concept image, with all the implicit assumptions

abstracted from earlier contexts, that responds to the task. If the image is built on experiences that conflict with the formal definition, this can lead to responses which are at variance with the formal theory.

3.2 Os processos de PMA