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4 ÁLGEBRA LINEAR E ENSINO

4.1 Problemas no ensino da Álgebra Linear

A Álgebra Linear desempenha importante papel no meio científico em razão das diversas possibilidades de aplicações em distintas áreas do conhecimento, inclusive dentro da própria Matemática. Resumidamente, podemos dizer que se trata de uma ramificação da Álgebra que estuda os espaços vetoriais e suas transformações lineares, lidando com vetores, matrizes e formas quadráticas (LIMA, 2011). Seus conceitos e definições têm caráter abstrato que, dentre outros fatores, contribui para o surgimento das dificuldades no ensino e aprendizagem. Na nossa dissertação de mestrado (FONTENELE, 2013), fizemos um resumo dos principais entraves no ensino da Álgebra Linear, elaborado com base nos estudos de Dorier (2000), ilustrado no quadro 4.

Quadro 4: Resumo das principais dificuldades no ensino/aprendizagem da Álgebra Linear. Dificuldades dos Estudantes Reflexão Epistemológica Possivelmente Colaboram com Situações Didáticas que

o Agravamento do Quadro • Dificuldades ao lidar com

exercícios muito formais; • Impossibilidade de representar

as novas noções;

• Não conseguem relacionar a Álgebra Linear aos

conhecimentos que já possuem de matemática. • Obstáculo do formalismo; • Caráter unificador, simplificador e generalizador. • Outros obstáculos epistemológicos; • Obstáculos didáticos;

• Maior ênfase às atividades algoritmicas em detrimento à parte conceitual;

• Ausência de problemas para introduzir as noções elementares.

• Atividades nas quais o professor não justifica o propósito de sua

realização. Fonte: Fontenele (2013, p. 14).

A dificuldade que os alunos enfrentam para compreender as noções abstratas da Álgebra Linear faz com que, muitas vezes, o professor enfatize as tarefas algorítmicas, para fugir das incompreensões conceituais dos alunos. Essa ênfase dada à “algoritmização”, bem como o excesso de formalismo, caracterizam os principais entraves no ensino dessa disciplina, conforme apontam estudos de Dorier (2000; 2008) e Rogalski (1991, 1994), que se dedicaram a compreender os problemas específicos do ensino e aprendizagem da Álgebra Linear no contexto francês, cujo cenário de dificuldades não difere muito do que acontece em outros países, inclusive no Brasil.

Segundo Dorier (2008, p. 33),

A algoritmização é, então, um meio de negociar a redução do conflito, permitindo diminuir o aspecto de novidade (e evitar, ao mesmo tempo, a dificuldade conceitual). Os professores se ligam, via algoritmo, a um quadro conhecido: a resolução de sistemas de equações lineares, no caso dos espaços vetoriais. (Tradução nossa)15.

Como possível consequência desse ensino focado nas manipulações algorítmicas, tem-se a contradição no ensino da Álgebra Linear, que, segundo o referido autor, é algo que não consegue aceitar:

[...] muitos estudantes revelam poder encontrar a forma reduzida de um operador linear, mas guardam incompreensões profundas sobre as noções, tais como a soma (direta) de subespaços, ou a noção de geradores ou mesmo de independência linear, apesar de serem conceitos chave nos fundamentos teóricos das técnicas de redução de endomorfismos. (Ibidem, p. 33; tradução nossa)16.

Nesse caso, há indícios de que esses alunos conseguem encontrar a solução de modo meramente mecânico, via algoritmo, sem necessariamente compreender seu sentido e significado dentro da teoria de espaço vetorial. Apesar das consequências negativas desses problemas de natureza didática para a aprendizagem discente, ainda é, no entanto, essa a postura habitual de professores de Matemática de nível superior, que geralmente seguem em suas aulas, o padrão: definição, teorema, demonstração, exercício... Convém destacar, entretanto, o fato de que essa reprodução tem seus riscos, conforme apontam Hiebert e Carpenter (1992)

[...] o risco de formar imagens muito restritas de conceitos gerais parece ser particularmente manifesto em domínios como Aritmética, Cálculo, Álgebra Linear,

15L'algorithmisation est alors un moyen de négocier à la baisse le conflit en permettant de diminuer l'aspect de

nouveauté (et d'éviter du même coup la difficulté conceptuelle). Les enseignants se rattachent, via l'algorithme, à un cadre connu: la résolution de systèmes d'équations linéaires dans le cas des espaces vectoriels.

16 [...] nombreux étudiants s'avèrent pouvoir trouver la forme réduite d'un opérateur linéaire, mais gardent des

incompréhensions profondes sur des notions telles que la somme (directe) de sous-espaces, voire la notion de générateurs ou même d'indépendance linéaire, qui sont pourtant des concepts clés dans les fondements théoriques des techniques de réduction des endomorphismes.

Estatísticas [...]. Em tais domínios, manipulações de algoritmos, procedimentos, tendem a atrair a atenção dos estudantes para criar um ‘filtro’ do conceito: somente alguns aspectos de um conceito, aquilo que é digerível e pertinente no contexto do “cálculo” parecem ser preservados na mente do estudante. Em casos mais graves uma maior ênfase na instrução de procedimentos pode impedir o estudante de desenvolver a construção do conceito que ele só experimentou por manipulações. (Apud NISS, 1998, p.15)17.

Dreyfus (2002) também salienta que ensinar assim tem a desvantagem da inflexibilidade em termos de adaptabilidade dos estudantes e, como consequência, os alunos aprendem procedimentos padronizados, mas

[...] eles não têm know-how que permite-os usar seu conhecimento de forma flexível para resolver problemas de tipo desconhecido para eles. [...] lhes tem sido ensinado os produtos da atividade de dezenas de matemáticos em sua forma final, mas eles não adquirem insight sobre os processos que levaram os matemáticos a criar estes produtos. (DREYFUS, 2002, p.28; tradução nossa)18.

Nesse aspecto, verificamos semelhanças com o que defende George Pólya, que enfatiza no artigo Dez mandamentos para professores, que o ensino de Matemática nas escolas precisa de professores que tenham know-how, isto é, atitudes mentais, destreza, habilidade em lidar com informações e usá-las para um dado propósito. Para o autor, tais atitudes são mais importantes em Matemática do que a mera posse de informação, sendo, portanto, imprescindível que os professores o adquiram para poder auxiliar a desenvolver tais atitudes em seus alunos. Segundo questionamentos do autor, no entanto,

[...] e o professor, ele próprio? Há em seu currículo alguma oportunidade de trabalho independente em Matemática, de adquirir o know-how que se espera que ele transmita a seus alunos? A resposta é não. Tanto quanto eu saiba, não há Universidade que dê ao professor oportunidade decente de desenvolver seu know-how, sua própria habilidade em Matemática. (POLYA, 1987, p. 9).

Nesse caso, fica evidente a importância de se aperfeiçoar o pensamento matemático dos futuros professores de Matemática da Educação Básica, pois eles é que terão a responsabilidade de estimular o desenvolvimento de tais habilidades em seus alunos, porquanto, mesmo que no nível básico nem todos os processos de PMA sejam trabalhados, é imprescindível que o hábito de pensar matematicamente seja desenvolvido desde os níveis

17[…] The danger of forming too restricted images of general concepts seems to be particularly manifest in

domains – such as arithmetic, calculus, linear algebra, statistics […] In such domains, algorithmic manipulations – procedures – tend to attract the main part of students’ attention so as to create a ‘concept filter’: Only those instances (and aspects) of a general concept that are digestible by and relevant in the context of the ‘calculus’ are preserved in students’ minds. In severe cases an over-emphasis in instruction on procedures may even prevent students from developing further understanding of the concepts they experience through manipulations only.

18 […] they lack the know-how that allows them to use their knowledge in a flexible manner to solve problems of

a type unknown to them. […] they have been taught the products of the activity of scores of mathematicians in their final form, but they have not gained insight into the processes that have led mathematicians to create these products.

básicos de ensino. A ação de “pensar” em sala de aula está implícita nas fases da Sequência Fedathi, de tal modo que é importante averiguar as possíveis relações entre a mediação docente e o desenvolvimento do pensamento matemático discente, sobretudo, de alunos de licenciatura.