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O que é a Pesquisa-ação?

No documento O papel da cultura de liderança (páginas 130-134)

PARTE I: A CONSTRUÇÃO DA PROBLEMÁTICA: TRAJECTO TEÓRICO E METODOLÓGICO

Capítulo 3 Metodologia e desenho da pesquisa-ação

3.1. O que é a Pesquisa-ação?

Esta investigação enquadra-se no âmbito das metodologias de pesquisa ação. A pesquisa-ação é uma metodologia que tem em vista o desenvolvimento organizacional e a mudança. O desenvolvimento organizacional (DO) é um processo de mudança planeada na cultura de uma organização através da utilização de teoria da ciência comportamental aplicada e da teoria de sistemas. O objetivo é o de criar organizações mais eficazes e um ambiente de trabalho mais centrado nas necessidades humanas e no desenvolvimento e aprendizagem. O DO assenta em 3 pressupostos: (1) que o comportamento humano deverá ser compreendido à luz da interpretação subjetiva que os indivíduos fazem da realidade; (2) que as organizações são sistemas abertos; (3) que a inteligência coletiva deve ser utilizada, e por isso a participação dos interlocutores-chave nos processos de mudança é crítica para o sucesso do processo (Burke e Noumair, 2015). Trata-se de um processo em que um facilitador, normalmente externo, ajuda a organização a mudar, numa sequência de fases que envolvem os protagonistas da mudança, num processo ativo e orgânico de cocriação. A crescente complexidade dos contextos de mudança justifica cada vez mais o recurso a intervenções apoiadas na teoria e pesquisa organizacional, como é o caso da metodologia de pesquisa-ação, no sentido de que a teoria informa a ação, o resultado da intervenção é objeto de reflexão, seguida de mais pesquisa e de novas intervenções de mudança.

Três razões justificam a opção pela pesquisa-ação: (1) a natureza simbiótica da carreira profissional da investigadora que lhe deu a possibilidade de, simultaneamente, poder ter uma participação ativa enquanto agente e facilitadora da mudança e na condução da investigação; (2) a convicção profunda que a investigação académica e a realidade das organizações beneficiam de uma maior proximidade, o que acontece e é possível na pesquisa-ação, sobretudo quando se está a falar de uma investigação que toca nessa imensa complexidade que é a ação humana; (3) o respeito pela tradição de Kurt Lewin, que só

compreendemos um sistema quando o começamos a mudar e que um modelo de relação colaborativa entre o(a) investigador(a) e os atores sociais num processo de reflexão, facilitação e inquirição permanentes possibilitam o desenvolvimento de uma maior consciência individual e coletiva, o que mostra que os ciclos de pesquisa-ação produzem mudanças e têm um potencial transformador muito elevado, até mesmo nos investigadores.

A pesquisa-ação tem premissas, abordagens e valores diferentes das ciências sociais tradicionais. É uma investigação e processo de reflexão deliberados e sistemáticos, realizados junto de uma organização ou comunidade, de forma colaborativa, para responder a uma necessidade de mudança. Os objetivos da investigação são os de compreender a prática e articular um racional da prática para a melhorar. Na pesquisa-ação as questões, os problemas, as descrições e as teorias são testados no contexto, em experiências que têm o duplo objetivo de testar hipóteses e de efetuar mudanças desejadas pelo cliente (Argyris and Schon, 1996). Este duplo objetivo traduz uma preocupação com a ação (melhoria da prática, mudança social, etc.…) e com a pesquisa (criar conhecimento válido acerca da prática social). A pesquisa-ação por misturar conhecimento teórico e prática local promove um diálogo profícuo entre a teoria e a prática, além de oferecer a possibilidade de estreitar a ligação entre o mundo académico com a realidade do comportamento organizacional. Na pesquisa-ação o foco está no conhecimento que é utilizado para produzir ação, enquanto ao mesmo tempo contribui para a teoria da ação. O cientista social está comprometido com uma sociedade melhor e com alternativas e novas possibilidades que desafiem o status quo.

Neste sentido, a pesquisa-ação está interessada na ciência que gera e testa proposições que se prendem com as variáveis que são parte integrante desse status quo e que o mantêm designadamente (1), com as variáveis envolvidas na mudança do status quo e que o movimentam para novas possibilidades (2), com as variáveis que na ciência da intervenção serão necessárias se as proposições anteriores forem testadas (3) e finalmente, a metodologia de investigação que tornará a mudança possível e que simultaneamente produzirá o conhecimento que permitirá fazer os testes de não-confirmação. A pesquisa- ação, tal como a ciência tradicional recolhe dados, quantitativos e qualitativos, faz inferências, testes e produz conhecimento teórico. A diferença principal está nas perguntas que a ciência faz e no que procura em termos da aplicação do conhecimento científico, na medida em que a teoria deverá identificar variáveis que promovam mudanças e melhorias no problema em causa. Na pesquisa-ação a teoria não se dissocia da prática. O conhecimento serve para servir a ação e a teoria deve ser testada no contexto da ação para que o praticante

possa introduzir correções na ação, no momento. A prática envolve uma dimensão normativa na medida em que está essencialmente preocupada com a prática da intervenção. O cientista é um intervencionista que promove a aprendizagem do sistema e contribui para induzir conhecimento. Isto faz-se criando condições para haver lugar à prática da inquirição e à criação de comunidades de inquirição nas comunidades de prática.

Para Argyris et al (1987), as três questões-chave na pesquisa-ação são em torno (1) da epistemologia da prática da pesquisa-ação, (2) do teste empírico do contexto da ação e (3) da relação das normas e dos valores com o conhecimento da pesquisa-ação:

1. Epistemologia da prática, ou seja, uma teoria acerca do tipo de conhecimento relevante para a ação - na pesquisa-ação a epistemologia da prática assenta na teoria da ação. A distinção que a teoria da ação faz não é entre a teoria e a ação, mas sim entre duas teorias da ação - o que as pessoas dizem que fazem (teorias explicitadas) e o que realmente fazem (teorias praticadas). As teorias praticadas são mapas mentais e cognitivos a partir dos quais os agentes desenham a sua ação.

2. Teste empírico na pesquisa-ação - na pesquisa-ação o conhecimento não decorre unicamente da estatística, mas também dos significados incorporados na lógica da ação donde que o teste ocorre no contexto da ação e sobre a interpretação e os significados construídos pelos atores sociais. Os dados são o comportamento e as respostas e ações dos indivíduos, onde se incluem as respostas emocionais implícitas no domínio do não-verbal e que decorre da perceção e vivência da experiência e o domínio explícito das palavras e a conversação.

3. Relação entre as normas e os valores com o conhecimento da pesquisa-ação – a pesquisa-ação pretende criar alternativas ao status quo e promover a aprendizagem ao nível das normas e valores. A inquirição foca-se na aprendizagem de nível II, ou duplo ciclo e na quebra dos modelos e molduras mentais. A pesquisa-ação advoga e justifica a sua posição normativa através da crítica interna dos princípios do sistema dos atores/clientes, que funcionam como os decisores/juízes da validade da crítica.

Na pesquisa-ação coexiste um processo reflexivo e de aprendizagem organizacional permanentes que visam congelar (refreeze) a ação e introduzir práticas de reflexão para informar a ação e com isso haver aprendizagem individual, das equipas e desenvolvimento organizacional (aprendizagem de nível II ou de ciclo duplo). O desenho é contínuo e as perguntas de investigação são revistas ciclicamente. No processo de transformação cultural

e de desenvolvimento organizacional procuram-se encontrar soluções para a complexidade dos problemas que limitam e por vezes bloqueiam esse processo. O processo de investigação e de produção de conhecimento envolve um equilíbrio permanente entre ações e o resultado da reflexão em torno da observação, compreensão e revisão dessas ações. As intervenções constituem uma espiral de ciclos de ação:

1) Desenvolver um plano de ação para melhorar a situação atual 2) Agir para implementar o plano

3) Observar os efeitos da ação no contexto em que ocorre

4) Refletir sobre esses efeitos como base para o planeamento, ação e reflexão no ciclo seguinte e continuar a aprofundar a investigação teórica

Cada ciclo de ação ou iteração aumenta o conhecimento inicial do(a) investigador(a) acerca da questão e problema de partida e aumenta a probabilidade de ser encontrada uma solução. Os ciclos vão sendo registados e documentados e espelham a direção e a tomada de decisão permanente, bem como as diferentes espirais de reflexão e ação. Um cientista da ação aprende a refletir e facilita processos de reflexão da ação tornando explícitas as teorias praticadas.

Este processo de desenvolvimento da consciência individual e coletiva está na base da intervenção da pesquisa-ação e contribui para diminuir o hiato entre o que se diz e o que se faz e expandir ou repensar as molduras de pensamento promovendo níveis de diálogo e de interação mais profundos (Bohm, 1994, 2004 [1996]; Senge et al, 2005; Scharmer, 2007), e por essa via mais pensamento sistémico (Senge et al, 1994; Senge, 2006 [1990]) e desenvolvimento cognitivo (Kegan, 2009), que constituem práticas fundamentais da liderança adaptativa (Heifetz) e de níveis de agilidade na liderança pós-heroicos (Joiner e Josephs, 2007; Torbert 2005; Cook Greuter 2002). Colocando de forma muito simples, a cultura de liderança numa organização é a forma de ser, de pensar e de agir dos seus líderes, visível nos comportamentos do dia-a-dia e resultantes das suas premissas e crenças mais profundas, nos valores que defendem e na infraestrutura e artefactos que criaram (Schein 2004; Joiner e Josephs, 2007). Pelo exposto, os processos de transformação dessa cultura, como resultado da necessidade da organização se adaptar aos sucessivos contextos de mudança e tornar-se permanentemente sustentável, requer a alteração de práticas, de modelos mentais, de narrativas, dos sistemas e estruturas - um processo longo e complexo

se se pensar na escala e diversidade da ação humana representada numa organização. Tomar consciência das teorias praticadas e depois alterá-las é um processo complexo, na medida que exige que os indivíduos questionem as suas teorias da ação que constituem a base dos seus comportamentos. Esta aprendizagem, apesar de se tratar de um processo cognitivo, dá- se ao nível da prática. A pesquisa-ação ajuda a reduzir a ineficácia das estratégias defensivas dos indivíduos e grupos e apoiá-los a passar do modelo I para o II na resolução de problemas complexos. Esta tese de pesquisa-ação visa levar para a Sociologia das Organizações aquilo que é a definição de desenvolvimento organizacional: um processo de mudança na cultura de uma organização através da utilização da teoria e tecnologia da ciência comportamental a partir de um objetivo de mudança da cultura organizacional formulado pelo CEO da empresa (Burke e Noumair, 2015). O campo é o do desenvolvimento organizacional (DO).

No documento O papel da cultura de liderança (páginas 130-134)