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O que pode ser chamado de violência na escola?

2. Violência: a busca por um conceito

2.2 O que pode ser chamado de violência na escola?

Da mesma forma que estruturar um conceito para violência é uma tarefa intrincada, também complexa é estendê-lo ao contexto escolar. Como compreender que a escola, percebida sempre como um lugar de socialização, preservada e protegida, possa ser palco de conflitos?

Tal compreensão só será possível, apenas quando a sociedade entender e aceitar, acredita Ortega

[...] que esse é um problema grave, embora não necessariamente drástico, e admitir sua presença nas escolas como uma instituição social, o pesquisador psicoeducacional poderá finalmente, reivindicar legitimidade para o seu objeto de estudo. (ORTEGA, 2002, p. 198). Charlot (2005b), Abramovay e Castro (2006), Debarbieux, (2007) e Spósito (2002) são estudiosos e pesquisadores que buscaram compreender esse tema.

Segundo Charlot (2005b) tal fenômeno não é historicamente novo. No entanto, as formas que ele assume é que são originais. Destaca quatro pontos para ratificar sua afirmação:

a) Atualmente há ocorrências de violência na escola, como homicídios, estupros e agressões com armas, considerados muito mais graves se comparados com episódios de outrora. Apesar de não serem tão comuns, colaboram para a produção do que Charlot (2005b) chamou de angústia social, pois dão a impressão de que tudo pode acontecer na escola, que não há mais limites a serem transpostos. O que faz crescer essa angústia social são os fatos, bem mais corriqueiros, de ataques e insultos a professores, demonstrando, assim, que, realmente, os limites já foram ultrapassados.

b) Aumentam os relatos de envolvimentos de estudantes, cada vez mais jovens, em episódios violentos, reconhecendo-se aqui outra fonte de angústia social.

c) Professores e funcionários de escolas, principalmente daquelas localizadas em bairros problemáticos, trabalham em permanente estado de sobressalto e ameaça. Tal fato se deve à acumulação de pequenos e constantes eventos violentos que as escolas sofrem. d) Nos últimos anos, aumentou, segundo Charlot (2005b), o número

de invasões nas escolas. Na maior parte das vezes, são bandos de jovens que buscam o acerto de contas de contendas ocorridas fora do contexto escolar. Mas, há também freqüentes casos de familiares de alunos que adentram a escola para tomar satisfações de forma agressiva, em relação ao que eles consideram como injustiça a seus filhos, feita por professores e membros da escola. Charlot alerta que, para discorrer sobre violência escolar, é preciso fazer distinções conceituais necessárias e complexas. Concebe, primeiramente, “[...] violência na escola, a violência à escola e a violência da escola”. CHARLOT, 2005b, p. 127, grifo do autor).

A violência na escola é aquela que ocorre dentro do âmbito escolar, mas que poderia, eventualmente, ter acontecido em qualquer outro lugar. Toma-se como exemplo bandos que invadem a escola para acerto de contas de fatos ocorridos fora da escola.

A violência da escola é a

[...] institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam através da maneira como a instituição e seus agentes os tratam (modos de distribuição das classes, de atribuição de notas, de orientação; palavras desdenhosas dos adultos; atos considerados pelos alunos como injustos ou racistas. (CHARLOT, 2005b, p. 127).

A violência à escola, segundo o autor, deve ser analisada junto com a violência da escola. Ela remete a fenômenos ligados à peculiaridade da instituição. Quando os alunos depredam o ambiente, batem ou insultam os professores, estão visando a instituição em si e aqueles que a representam.

É imprescindível essa diferenciação, pois “[...] se a escola é largamente (mas não totalmente) impotente em face da violência na escola, ela dispõe (ainda) de margens de ação em face da violência à escola e da escola.” (CHARLOT, 2005b, p. 127).

Abramovay e Castro (2006) apresentam concepções semelhantes à de Charlot. Para elas, é necessário identificar violência nas escolas e violência das

escolas. A primeira diz respeito a tipos de violência que podem ocorrer em qualquer outro contexto e que podem penetrar na escola, como o tráfico de drogas, por exemplo. A segunda refere-se à escola como autora de processos violentos, ou seja, aqueles cometidos pelos diferentes sujeitos que vivem e convivem na escola.

Para as autoras, uma ampla visão da violência escolar deve abranger:

A violência física, ou violência dura: é a intervenção física de um indivíduo contra a integridade de outro. [...] A violência simbólica ou institucional: mostra-se nas relações de poder entre professores e alunos, por exemplo. [...]. As microviolências: caracterizam-se por atos de incivilidades, humilhações, falta de respeito. [...]. (ABRAMOVAY; CASTRO, 2006, p. 34).

Spósito (2002) também expõe seu entendimento a respeito de algumas modalidades de expressão de violência escolar que vão ao encontro das concepções apresentadas anteriormente. Para ela, a violência que adentra a escola proveniente do aumento da criminalidade e dos conflitos sociais, é a que mais preocupa pais, alunos e professores. Sentem-se inseguros e assustados em decorrência do possível risco que correm por causa do aumento da violência crescente nas cidades. A autora enfatiza que, mesmo podendo se expressar na escola, essa não é violência escolar.

Spósito (2002) reconhece duas modalidades de práticas e fatos que podem ser configuradas como violência escolar:

a) depredação do patrimônio da escola.

b) e a violência como consequência das relações interpessoais caracterizadas por um tipo de padrão de sociabilidade marcada pela agressão física ou verbal (ameaças) e que podem envolver tanto alunos quanto professores.

Observando esses episódios, Spósito faz severa crítica, afirmando que:

[...] parte das ocorrências resulta das práticas cotidianas de discriminação, preconceito, da crise da autoridade adulta ou da fraca capacidade dos professores de criar mecanismos justos e democráticos para a gestão da vida escolar. (SPÓSITO, 2002, p. 73). Outra questão importante citada por Charlot (2005b) é a distinção, útil sob enfoque teórico e prático, que os pesquisadores franceses fazem entre violência, transgressão e incivilidade, distinção esta muito citada por vários autores brasileiros que pesquisam sobre o tema. Violência diz respeito ao que vai de encontro à lei, utilizando-se da força ou de ameaças, como lesões, extorsões, tráfico de drogas. A

transgressão abarcaria comportamentos contrários às regras determinadas pela escola, como faltas, não fazer as tarefas escolares. Já as incivilidades não contrariam nem a lei, nem o regulamento interno da instituição, porém são nocivas à harmonia das relações interpessoais, como: desrespeito, grosserias, xingamentos, entre alunos, professores e funcionários. Essa diferenciação de como tratar o fenômeno, mencionada por Charlot (2005b), é útil para não se misturar tudo em uma só categoria e assim poder indicar quais as medidas mais apropriadas de intervenção e prevenção. Assim, um caso de tráfico de drogas na escola é da alçada da polícia e da justiça. Já um insulto a um professor ou entre alunos compete às instâncias da escola resolver.

Porém, cabe aqui uma ressalva, uma crítica do próprio Charlot (2005b) a essa distinção. Ele a reconhece como frágil e até um tanto ultrapassada para delinear o que acontece na realidade de muitas escolas. Justifica-se, alegando, por um lado, que violências, transgressões e incivilidades estariam, muitas vezes, entranhadas e misturadas nos comportamentos do dia a dia escolar e, por outro,

[...] o acúmulo de incivilidades (pequenas grosserias, piadas de mau gosto, recusa ao trabalho, indiferença ostensiva ao ensino, etc) cria, às vezes, um clima em que professores e alunos sentem-se profundamente atingidos em sua identidade pessoal e profissional – um ataque à dignidade que merece o nome de violência. (CHARLOT, 2005b, p. 129, grifo nosso).

Fatores atrelados ao surgimento e à disseminação da violência nas escolas, para Waiselfisz (2003), podem estar relacionados com os comportamentos dos professores: falhas no relacionamento com os alunos, dificuldades em lidar com estudantes de camadas sociais diferentes, despreocupação ou falta de conhecimento para transmitir a utilidade daquilo que ensinam, além do fato de terem que perpetrar um ensino desestimulante com matérias e conteúdos desinteressantes.

Ratificando o que foi exposto acima, Bock, Furtado e Teixeira (1999) acreditam que, na escola,

[...] a violência manifesta-se de modo mais sutil na relação das crianças e dos jovens com os conteúdos a serem apreendidos, que podem não ter significado para sua vida; na relação com os professores, que se caracteriza por práticas autoritárias e sem espaço para o diálogo, para a crítica; na relação com práticas disciplinares que buscam a sujeição do educando, a submissão, a

docilidade, a obediência, o conformismo. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999, p. 335).

Debarbieux (2007), em seu livro intitulado Violência na escola: um desafio mundial?, realiza ampla e extensa reflexão sobre o tema, sua definição e conseqüências. Para ele, também, a violência não tem uma definição única e surge, sempre, relativizada a certa época, a um meio social e a circunstâncias peculiares.

O autor discorre sobre as experiências vitimárias, ligadas ao que ele chama de microviolências, separando-as em dois blocos: as incivilidades e o bullying. Considera que a noção de incivilidade tornou-se popular na França há mais ou menos uma década, após a publicação dos textos fundadores de Wilson e Kelling, em 1982, dos trabalhos de Roché, em 1993, e de Lagrange, em 1995.

Debarbieux (2007) pondera a respeito de algumas críticas a estes autores citados, principalmente Roché, mas concorda quando este diz que, as incivilidades não necessariamente precisam ser penalizadas, porém, mesmo as mais insignificantes, são intoleráveis, porque quem as sofre se sente profundamente desrespeitado.

Debarbieux arremata que o essencial na noção de incivilidades

[...] é que ela permite compreender o progressivo fechar-se sobre si mesmo por parte das vítimas de repetição [...] não é uma incivilidade que é grave, mas a repetição das mesmas, o abandono medroso que daqui resulta nas vítimas e o sentimento de impunidade que se desenvolve nos agressores. (DEBARBIEUX, 2007, p. 104).

Ao comparar e analisar essa concepção de Debarbieux com a crítica de Charlot feita anteriormente, constata-se que ambos concordam entre si: a repetição ou o acúmulo de incivilidades podem ser considerados violências no meio escolar.

O outro tipo de micro violência é o bullying, relata Debarbieux (2007). Este, apesar de ter obtido maior visibilidade nos últimos anos, é um conceito antigo, pesquisado primeiramente em um projeto sistematizado por Dan Olweus, em escolas norueguesas, em 1970.

Segundo Fante (2006), no Brasil esse ainda é um fenômeno pouco conhecido em razão dos estudos sobre o tema serem relativamente recentes. A autora relata que pesquisas feitas por ela em São Paulo e pela Associação brasileira multiprofissional de proteção à infância e adolescência (ABRAPIA), revelam que

45% em média dos estudantes de escolas públicas e privadas, de alguma maneira estão envolvidos com o bullying.

Entre os comportamentos que distinguem o bullying, Fante (2006) aponta: apelidos pejorativos, difamações, ameaças, ataques físicos, sexuais, materiais e virtuais. A princípio, pode-se até pensar em brincadeiras típicas da idade, porém caracterizam o bullying escolar por serem atos agressivos, intencionais, repetitivos por um tempo prolongado e sem motivação aparente.

As vítimas têm poucas chances de defesa, pois as agressões são geralmente em grupo. Elas são expostas ao medo, à humilhação e ao constrangimento público.

Segundo Fante,

Os agressores se valem de sua força física ou psicológica, além da sua popularidade para dominar, subjugar e colocar sob pressão o ‘bode expiatório’. Entretanto, torna-se evidente entre eles a insegurança, a necessidade de chamar a atenção para si, pertencer a um grupo, dominar, além da inabilidade de expressar seus sentimentos e emoções. Por isso, a escolha das vítimas privilegia aquelas que não dispõem de habilidades de defesa. (FANTE, 2006, p. 1, grifo do autor).

A importância desse fenômeno, segundo alerta Debarbieux (2007), se deve às conseqüências graves que provoca no âmbito escolar como um todo, assim como nas vítimas, variando da desistência dos estudos, faltas excessivas, perda da confiança em si mesmo, podendo até levar ao suicídio.

Recorrendo-se a Debarbieux (2007), acredita-se que a violência impõe muitas armadilhas e que estudá-la é justamente desafiar estas armadilhas. Desafiar o exagero, a negação e a ignorância.

Várias foram as concepções aqui expostas; no entanto, o importante vai além das argumentações dos conceitos. O que importa, para Debarbieux, seria entender os mecanismos que se colocam em ação. Segundo o autor (2007, p. 130), a violência na escola é "[...] sobretudo, acumulação, repetição, desgaste e opressão. É deste modo que ela deve ser compreendida e combatida e, em primeiro lugar, devido às suas conseqüências sobre as vítimas". Assim, será possível dar o passo essencial para o entendimento do que é e do que faz a violência na escola.

Dessa maneira, necessário se faz ampliar o quadro de referências para se compreender a questão da violência escolar e, para isso, conforme apresentado na introdução desse trabalho, é fundamental ouvir os atores escolares. É preciso saber o que designam como violência, qualificar e conhecer o que é importante para quem

se percebe como vítima, saber o que foi sentido e como foi interpretado o acontecimento.

Nesse sentido, levantou–se o problema que respeita a quais seriam as representações sociais de um grupo de professores a respeito da violência escolar, na rede pública estadual de Cuiabá, Mato Grosso.

Para tanto, buscou-se, no referencial traçado anteriormente, delinear categorias de análise que orientassem os exames dos dados.

a) A violência na escola: pode ser de dois tipos: as que podem acontecer na escola, mas que têm origem fora dela e aquelas cuja existência é gerada dentro dos muros escolares, como:

-as violências do cotidiano nocivas à harmonia das relações interpessoais, como desrespeito, grosserias, xingamentos, entre alunos, professores e funcionários e a violência física, que é a intervenção física contra a integridade do outro.

b) A violência à escola: violências diretas à instituição, como depredação do patrimônio.

c) A violência da escola: a escola como autora de processos violentos, incluindo-se aí a violência simbólica e a violência proveniente de infra-estrutura inadequada e deficiente.

2.3 Pesquisas sobre violência nas escolas: revisão de teses, dissertações,