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O QUE SE VÊ QUANDO A REPORTAGEM VIRA SHOW

A NOTÍCIA NO TELEJORNALISMO: ESTRUTURA E CARACTERÍSTICAS

3.5. O QUE SE VÊ QUANDO A REPORTAGEM VIRA SHOW

A origem do modelo de showrnalismo está no jornalismo norte-americano, em especial no audiovisual que, devido ao seu alcance, penetrou nos demais meios, tornando-se tendência hegemônica entre os produtos jornalísticos de informação geral, destinados a públicos amplos. Desta forma, a televisão se tornou terreno por excelência da informação-espetáculo, responsável pela criação de padrões de gosto e consumo, levando o conjunto da mídia informativa a imitá-la, tanto quanto possível, no conteúdo e na forma.

Ao tomar o espetáculo como modelo, o jornalismo aplica à informação a tarefa de entreter, possibilitando, com isso, colorir a “realidade” com as tintas da ficção. Para captar a atenção das audiências, o show informativo recorre a valores sedimentados pela sociedade, mensagens de fácil

reconhecimento, estereótipos e lugares-comuns, valendo-se, também, do sensacionalismo e do escândalo. Com o emprego de recursos desta natureza, torna-se fácil tanto desmerecer temas de indiscutível interesse da sociedade, como elevar à condição de informação relevante, episódios banais do cotidiano.

As feições que o jornalismo-espetáculo apresentam no telejornalismo ficam bem mais claras quando se leva em consideração o conteúdo informativo que se deseja destacar. O sofrimento alheio ganha evidência tanto com a valorização de episódios trágicos ou sangrentos (como desastres, crimes, catástrofes, atentados, epidemias, etc.), quanto no tratamento das mazelas cotidianas, individuais ou coletivas.

O enfoque dado às notícias negativas encontra pelo menos quatro explicações, de acordo com GALTUNG e RUGE (apud Traquina, 1996, p: 69-70): (1) há uma assimetria básica entre o positivo, que é difícil e demorado, e o negativo, mais fácil e rápido; (2) as más notícias são menos ambíguas, sendo mais simples obter consenso sobre seu caráter negativo; (3) a construção jornalística de fatos negativos encontra maior consonância com algumas das pré-imagens contemporâneas; (4) as notícias negativas são mais inesperadas, raras e imprevisíveis do que as positivas. Assim, este tipo de notícia denota ampla repercussão com os atributos da informação jornalística e os critérios de noticiabilidade, já discutidos neste trabalho, construindo o espetáculo informativo.

Além dos “maus acontecimentos”, também têm lugar de destaque, no espetáculo televisivo, os incomuns, bizarros, grotescos ou pueris que, além de chocar e surpreender o público, atrai sua atenção por meio de conteúdos presumivelmente interessantes. No rol de assuntos preferenciais estão tanto histórias de celebridades, encontradas em circunstâncias comuns do dia-a-dia, como flagrantes de gente anônima, envolvida em situações inusitadas que, neste caso, tem seu universo privado lançado à esfera pública, sem pudores.

Os feitos excepcionais e heróicos, assim como episódios nos quais se constata a inversão de estereótipos, também são temas recorrentes no shownarlismo que, tanto podem ganhar expressão por meio de features (modalidade jornalística baseada no interesse humano, que abrange temas

efeitos que podem resultar tanto no dramático, quanto no cômico, explorando a habilidade do jornalista como contador de histórias que, embora reais, deixa as notícias parecendo relatos de ficção.

Destacam-se também outros procedimentos adotados tanto na etapa de seleção, como na fase de tratamento da informação, a exemplo: flagrantes documentados em imagens e/ou sons, apresentados como “atestados insuspeitos do real”; registros obtidos por câmeras escondidas que, sejam fotográficas ou de videoteipe, costumam ter destaque proporcional ao nível da denúncia, emoção e espetaculosidade flagradas. Assim, uma imagem-flagrante obtida, muitas vezes, acidentalmente, pode elevar o mais trivial acontecimento à categoria de informação relevante, ocupando tempo e espaço sobrevalorizado.

Porém, o flagrante jornalístico, além de poder advir de um golpe de sorte, ou do esforço do repórter em presenciar o fato no momento em que ele ocorre, pode ser captado pelo emprego de artimanhas capazes de criar o próprio acontecimento, como: no uso do despistamento (em que o jornalista, ou outra pessoa sob sua orientação, disfarça suas reais intenções); no uso de câmeras e gravadores ocultos (que servem apenas à obtenção de informações que, de outra forma, permaneceriam em sigilo); na produção de circunstâncias induzidas com a finalidade de serem flagradas. Vale frisar que, como diz FERREIRA, “o efeito do espetáculo em alcançar a informação

é eticamente duvidoso” (1996, p: 73).

O jornalismo-espetáculo, ao mesmo tempo em que busca episódios interessantes, embora por vezes de questionável importância, tende a abordar um fato ou acontecimento de forma sempre mais atraente. Isto é claro nos trabalhos investigativos que, invariavelmente, levam à divulgação de escândalos cujas revelações podem beirar a curiosidades periféricas.

Porém, a forma comum de tornar mais interesse acontecimentos considerados importantes, mas de difícil interesse, é associá-los a personagens. Trata-se da “personificação da notícia”, na qual o foco da narrativa é dirigido para testemunhas e situações exemplares capazes de oferecer maior peso dramático à realidade apresentada ao público, aproximando-o de assuntos que, de outra forma, poderiam parecer distantes e/ou complexos.

Criam-se, nestes casos, universos sociais de referências, com base nos quais se atinge o efeito de reconhecimento na maioria das vivências individuais, reproduzindo e acentuando o aspecto do sofrimento humano em algum nível (o contribuinte explorado, o cidadão desassistido, o consumidor enganado, etc). Assim, neste processo de identificação, o receptor da mensagem tende a se projetar na situação reportada, experimentando, afinal, alívio catártico.

A estratégia na televisão de personalizar a informação pode até mesmo ser produzida de forma ficcional, como um tele-teatro, onde a dramatização, como forma de composição jornalística, serve para enriquecer a narração, a fim de ampliar o grau de interesse do telespectador por aquilo que é noticiado, despertando maior curiosidade e emoção. Essa técnica faz com que determinados acontecimentos, exibidos sob a legenda “reconstituição” ou “simulação”, ganhem mais força dramática. As cenas filmadas com atores e figurantes, que interpretam os personagens reais, recompõem os episódios (como seqüestros, assassinatos, salvamentos, etc.), em seus momentos de ação e, portanto, de maior carga emocional.

Todos estes recursos apontados, desde a seleção de conteúdos até o tratamento da informação, revelam como o jornalismo, ao tomar o espetáculo como paradigma, descontextualiza e, ao mesmo tempo, constrói uma nova “realidade”. Neste modelo, a informação não pode se dissociar do entretenimento e a “realidade” assume feições de “ficção”, onde tem espaço a invasão de privacidade, a exploração do sensacionalismo e a vulgarização da violência.

Como fabricante de bens simbólicos dirigidos ao público ávido por consumo, a produção jornalística se investe da missão de atender a demanda cada vez mais voraz por emoção. Para isto, como notaremos nos objetos analisados no próximo capítulo, precisa conciliar o informar com o

comunicar, procurando sempre elementos sedutores para captação e manutenção de audiência,

colocando de lado a reflexão, a formação de opinião, o conteúdo, em prol da emoção espetacular, da efemeridade, dos efeitos.

CAPÍTULO IV

A NOTÍCIA NO JORNAL NACIONAL: