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Na saída, ela contou que os dois passam bem Eles estão abatidos, mas não

A NOTÍCIA NO JORNAL NACIONAL: A (RE)CONSTRUÇÃO DO ACONTECIMENTO

PASSAGEM 07 Na saída, ela contou que os dois passam bem Eles estão abatidos, mas não

precisaram ser medicados. Paulo Maluf, inclusive, conseguiu dormir durante a noite. O ex-prefeito e o filho dele estão restritos a cela que dividem e não tem permissão para circular por outras dependências do prédio da Polícia Federal.

O próprio repórter narrou, disfarçado de agente, em tempo real: a cena do "helicóptero dos

Maluf"; o pedido para "ir ao toalete", só aceito com "escolta"; a "surpresa" das algemas; o filho,

Flávio Maluf, chegando preso com policiais no mesmo dia, pouco após ter sido flagrado por Tralli quando algemado. “Não é o que combinamos, doutor! Não é o que combinamos! E a filmagem aí

atrás?” Era a câmera do repórter, que prosseguia com a narração sobre as imagens, até encerrar:

“Num canto, antes de entrar na cela que dividiria com o pai, telefonou para a mulher. E chorou”.

No "Jornal Nacional" de segunda-feira, 12 de setembro, o apresentador William Bonner disse que "a Polícia Federal cumpre o seu papel ao abrir as duas sindicâncias [sobre os privilégios

aos Maluf na sede da PF e sobre o suposto abuso na prisão de Flávio],(...) e que o repórter César Tralli, que cobre as investigações sobre Paulo Maluf há mais de cinco anos, fez apenas o seu trabalho, com a competência que tem demonstrado em sua carreira”.

Bonner ainda ressalvou que no Brasil "a liberdade de imprensa é uma garantia

constitucional. O furo de reportagem, dentro dos limites éticos da profissão, é a meta de todo bom jornalista e costuma premiar aqueles que não se importam de passar madrugadas em claro, vasculhar documentos durante meses e descobrir testemunhas. Foi esse o caso de Tralli".

Neste episódio, a questão da câmera escondida se mostra polêmica porque os riscos de ferir a ética existiram. Ao vestir roupa de policial federal, o repórter César Tralli acabou cometendo uma grave transgressão. Primeiro, por se fazer passar pelo o que ele não é. Segundo que, caso isto fizesse parte dos interesses da Polícia Federal em mostrar serviço ao país, divulgando imagens por ela captadas, para 40 milhões de pessoas que assistem ao Jornal Nacional, a maneira como isto foi feita é muito discutível.

A esta questão, segundo CASTRO (2005), a Rede Globo disse que investiu tempo e esforço no acompanhamento por cinco anos da história de Paulo Maluf. Como se isso justificasse o procedimento do repórter ser cúmplice disfarçado de um episódio policial. Naquele momento, era bom tanto para a Polícia Federal mostrar serviço, como para Globo adquirir o “furo” da prisão. Por que a PF não chamou a Rede Bandeirantes, a Rede Record e o SBT para, juntos, acompanharem aquela operação policial?

4.2.4. Notícias populares contra a perda de audiência

Assim como na reportagem sobre a prisão de Paulo Maluf, a câmera escondida foi uma das "estrelas" do Nacional entre os dias 30 de janeiro e 03 de fevereiro. Em clima de agente secreto, repórteres (normalmente, jornalistas de bastidores, e não os famosos do vídeo, para não chamar a atenção do “alvo” da matéria), saíram às ruas com lentes camufladas em botões de camisa, maços de cigarros e celulares, entre outros métodos, em busca de um flagrante.

(Como já informamos, segundo FELTRIN (2006), as audiências mensais do JN, desde a estréia da novela da Record até janeiro, foram: 35 (novembro) e 30 (dezembro). A audiência em dezembro de 2005 foi a pior dos últimos três anos. Em 2006, entre 02 e 10 de janeiro, a média foi de 31,1. Cada ponto de ibope equivale a 52,3 mil domicílios na Grande São Paulo). A partir daí, o Nacional começou a reagir à ofensiva de "Prova de Amor", da Record, para se manter no topo de audiência, evitando perda de receita publicitária e de prestígio, no produto de maior fonte de faturamento da emissora, cedendo espaço privilegiado a matérias com câmera escondida, gravações de grampos telefônicos, violência e denúncias.

Como já dissemos, para William Bonner, apresentador e editor-chefe do JN, o telespectador médio do telejornal é como o Homer Simpson (pai folgado e bonachão da família de "Os Simpsons"). Ou seja, tem dificuldade de entender reportagens sobre temas mais complexos, como o jogo de interesses da política em Brasília ou os indicadores econômicos. Com isso, notícias políticas que estampavam as primeiras páginas dos jornais do país naquela semana como, as CPIs, eleições presidenciais e a disputa entre governo e oposição no Congresso, foram colocadas em segundo plano.

O JN abria espaço para as notícias apelativas, sensacionalistas, atraindo o público que pendia para a telenovela do outro canal. É o que manda a receita “vamos dar ao povo o que o povo quer”. Não é a primeira vez que o Nacional é desafiado pela concorrência. Antes, já tinha infestado o telejornal com reportagens sobre bichinhos para evitar a fuga do telespectador para o "mundo cão" dos programas policiais, estilo "Aqui Agora".

Desta forma, o Nacional seguia em tom popular, durante esta citada semana, sem intervalos comerciais por 30 minutos, a fim de segurar o público, ou seja, o seu Homer, até o final da novela concorrente.

O jogo do Ibope se complicou também devido à estréia do novo "Jornal da Record", no mesmo 30 de janeiro, com ex-globais à frente e atrás das câmeras, trazendo uma denúncia sobre suposta compra irregular feita por Paulo Maluf. Pôs no ar fitas com gravações de grampos telefônicos, ferramenta que, como já percebemos, virou "hit" da briga jornalística, só ficando atrás da grande "estrela", a câmera escondida.

Neste dia, o JN ainda não veio com essas armas, apesar de o primeiro superbloco ter trazido matérias de roupas vendidas a quilo, futebol e assaltos. Vejamos as notícias daquele dia:

NOTÍCIAS DO JN, SEGUNDA-FEIRA, 30 DE JANEIRO DE 2006: em negrito, as chamadas das notícias feitas pelos apresentadores, intercalando-se para dar um maior dinamismo; abaixo, a explicação da notícia, se necessário.

Chamada 01 – Bonner: Um bebê abandonado deixa hospital. Ela ainda não tem nome, nem

destino certo. A mãe está presa - e há centenas de casais dispostos a adotar o bebê.

A matéria que abria o JN era sobre uma recém-nascida, resgatada na Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, que deixava o hospital naquele dia. O enfoque dado se explica pelo inesperado, pelo acontecimento raro e imprevisível que causa comoção no grande público – mãe abandonar própria filha em uma lagoa.