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O registro como “luta por reconhecimento”

PARTE I: Da ginga: O Registro

2. Os conceitos de patrimônio na visão dos mestres

2.5. O registro como “luta por reconhecimento”

As questões surgidas não impedem os mestres de compreender o registro em si como elemento de transformação na trajetória da Capoeira. Em dezembro de 2016, fui convidada para fazer uma fala no evento anual do Grupo Zimba, em Curitiba, com a presença do fundador do grupo Mestre Boca do Rio. Chamamos a palestra de “Capoeira: movimentações e mobilizações”, com objetivo de abordar as supostas ações dos capoeiristas diante do cenário atual.

Organizei a fala de modo abordar a inicialmente temas tratados nesta tese, em elaboração final na ocasião, entre outros tópicos fiz uma leitura das perguntas que tentei responder neste capítulo e comentei sobre a apropriação do registro feita pelas Baianas de Acarajé. Ao final, Mestre Boca do Rio, fez as seguintes considerações, em primeiro lugar destacou que nem todos os mestres são críticos ou desconhecem as questões do patrimônio e que para os mestres mais velhos tal desconhecimento é natural. Em seguida, disse que para o Grupo de Zimba de Salvador, que realiza um trabalho social com crianças da periferia, o registro da Capoeira serviu para minimizar o “preconceito” com a Capoeira entre os pais dos possíveis alunos, comentou que apesar de descriminalizada ainda é vista com maus olhos entre a população. Salientou que quando conversa com os pais usa como argumento de convencimento o fato de a Capoeira ter sido registrada pelo Iphan e inscrita pela Unesco, como patrimônio nacional e da humanidade.

Tais argumentos de Mestre Boca do Rio levam às reflexões finais para esta primeira parte e nos anunciam as questões tratadas na segunda parte: ao salientar que existem diferentes níveis de compreensão sobre o registro, como já afirmado anteriormente; evidenciando que perguntas diferentes surgem sobre tais políticas e que nem todos compactuam das mesmas críticas; lançando o argumento para a segunda parte desta tese sobre os “usos” do registro. Mestre Boca do Rio uso o registro para transformar as percepções sobre a Capoeira.

Como descrito ao longo destes primeiros capítulos, o instrumento de registro da política de patrimônio cultural imaterial, construído a partir das recomendações da Unesco, está inicialmente impactado pela “retórica da perda” supondo uma ameaça globalizante com tendências homogeneizadores, que varreria todas as “culturas tradicionais” em pouco tempo, prendendo tais manifestações ao passado. Há um processo de virada nas perspectivas das políticas para o patrimônio imaterial nos últimos quinze

anos, ao afastar em suas prerrogativas dos temores da desaparição e centrar-se em referências antropológicas. O termos, “registro” utilizado pelo Iphan e “inscrição” pela Unesco, remontam a certa noção da urgência como feito de aprisionar num papel em lista, furtam-se do uso da palavra “reconhecimento” em seu significado imediatista ritualístico que poderiam imprimir ao ato de patrimonializar, e por estes significados sabem-se rudimento de construção jamais inacabada. Tais premissas e os grupos transformam as políticas de patrimônio em políticas reparatórias e regulatórias capazes de promover justiça, igualdade, inserção e transformação social, quando aplicadas em suas especificidades. A diversidade da natureza dos bens registrados exige esforços agigantados de toda esfera pública, iniciados com a obrigatoriedade da participação social e protagonismos dos agentes junto aos órgãos competentes e uma capilarização das políticas as estendendo a estados e municípios.

O registro da Capoeira, pelas qualidades e controvérsias dela revestem-se de subjetividades e pormenores numa das manifestações mais profusas já registradas como patrimônio da humanidade e do Brasil. A primeira delas é apresentar-se para um grupo cuja história é beligerante para com o Estado, em segundo há a conotação de que as ações tomadas deste como positivas na história oficial, libertação e descriminalização, não promoveram as transformações aventadas para os grupos. Então a aceitação do registro é uma reorganização das crenças no Estado, de que os papéis deste podem agir de forma mágica e ainda podem fazer mandinga.

A “luta por reconhecimento” da Capoeira é luta social, no sentido atribuído por Honneth (2009) ao conceito hegeliano, é a luta das populações afro-brasileiras por reconhecimento de suas práticas e contra o racismo institucionalizado encrustado em diferentes escalas da sociedade brasileira. Para Honneth (2009) “a gramática” da “luta por reconhecimento” tem em seu cerne o “desrespeito”, a busca por ajustes éticos coletivos nasce em tal sentimento e impele à organização de “movimentos sociais”. A escravidão e a criminalização foram o grande “desrespeito” do Estado, resultando na organização da Capoeira como movimento de resistência. nos sentidos atribuídos à abolição, na persistência da moral escravagista na sociedade, no racismo e nas desigualdades projetam a resistência e as lutas dos capoeiras hoje. As “memórias do não- vivido” agem porque são presentes. Com bases na psicologia social de G. H. Mead, para Honneth (2009) o “reconhecimento” é alcançando no conjunto de subjetividades: “do amor, do direito e da estima”, sendo que o amor separa-se e vem antes da estima social e

do direito. Nesta concepção o amor é construção mútua entre sujeitos, que promove reconhecimento entre si:

Assim que o amor às pessoas é separado, ao menos em princípios, do reconhecimento jurídico e da estima social delas, surgem três formas de reconhecimento recíproco, no interior das quais estão inscritos, junto com os potenciais evolutivos, os diversos gêneros de luta. Só agora estão embuídas na relação jurídica, com as possibilidades de universalização e materialização, e na comunidade de valores, com as possibilidades de individualização e igualização, estruturas normativas que podem tornar-se acessíveis através da experiência emocionalmente carregada do desrespeito e ser reclamadas nas lutas daí resultantes; o húmus destas formas coletivas de resistências é preparado por semânticas subculturais em que se encontra para os sentimentos de injustiça, uma linguagem comum, remetendo, por mais indiretamente que seja às possibilidades de uma ampliação das relações de reconhecimento (Honneth, 2009, p. 267).

O reconhecimento esperado com o instrumento de registro transborda os sentimentos intrínsecos, não comtemplando a estima social ampliada e sem instrumentos jurídicos solicitados de forma coesa, a patrimonialização recompõem os sentimentos de injustiça e desrespeito e reaviva a “luta por reconhecimento”, empenhada agora com o título de patrimônio nacional e da humanidade como arma.

CADERNO DE FOTOGRAFIAS

Introdução

Fotografia 15: Mestre João Grande, evento “Encontro de Bambas”, São José dos Pinhais/PR, abril de 2016, realizado por Mestre Kunta Kintê.

Fotografia 16: Mestre Ananias, Mestre Moreno e Contramestre Minhoca. Roda de samba duro, Iê: Viva Meu Mestre: Mestre Ananias Pedra 90”, São José dos Pinhais, novembro de 2014, organizado por Mestre Kunta Kintê.

Fotografia 17: O cumprimento dos dois “homens mais velhos da Capoeira no mundo” Mestre Ananias e Mestre João Grande, evento “Encontro de Bambas”, São José dos Pinhais/PR, abril de 2016, realizado por Mestre Kunta Kintê. Capítulo 1:

Fotografia 18: Mestre Messias e Mestre Kunta Kintê, evento “Angola Agosto”, 2015, em Matinhos/PR, organizado por Mestre Bacico.

Fotografia 19: Mestres citados no discurso do Ministro Gilberto Gil em Genebra.

Capítulo 2:

Fotografia 20: Mestre Bigo em entrevista durante o evento “Abril pra Angola”, em abril de 2015, São Paulo/SP, realizado por Mestre Meinha.

Fotografia 21: Mestre Bimba em visita ao presidente Getúlio Vargas, em 1953.

Fotografia 23: Contramestre Angolinha (organizador), Mestre Chuluca, Mestre Zequinha, Érico (aluno Mestre Guanabara) e Professora Lissandra, evento “Sou capoeira 24 horas”, Londrina/PR, novembro de 2015.

Fotografia 24: Mestre Moreno “volta ao mundo”, Bateria: Mestre Zumbi, Mestre Kunta, Mestre Macaco Santanta, Mestre Cobrador, Mestre Walter e Mestre Hélio, 8º Encontro de Angoleiros, organizado por Mestre Lito, Colorado/PR, maio de 2015.

Fotografia 25: Mestre Lito, Mestre Meinha, Mestre Rafael Magnata, evento “Encontro Internacional de Capoeira”, outubro de 2015, Cascavel/PR, organizado por Mestre Mestrinho.

Fotografia 26: Evento anual do grupo Zimba, dezembro de 2015, Curitiba/PR. No berimbau vermelho Mestre Boca do Rio, ao seu lado André Boquinha, na roda Ramon e Suel, alunos de Mestre Boca do Rio em seus projetos sociais na Liberdade, em Salvador. Hoje André Boquinha é o treinel133 do grupo em Curitiba.

Capítulo 3:

Fotografia 27: Mestre Silvestre jogando, Mestre Limão e Mestre Limãozinho nos berimbaus, anos 70.

Fotografia 29: Roda de Capoeira Regional, na bateria (com dois pandeiros e um berimbau) os discípulos de Mestre Bimba: Mestre Onça Negra, Mestre Deputado e Mestre Pombo de Ouro “3º Encontro de Capoeira” de Pinhais, Pinhais/PR, abril de 2015, organizado por Professor Neno.

Fotografia 31: Mestre Jogo de Dentro, Mestre João Pequeno e Mestre Acordeon, s/d.

Figura 32: Uniformes do grupo Senzala nos anos 60, calça de listras e cordão vermelho. Fotografia da Revista Manchete, exibida por Mestre Gato na III Roda de Estudos de Capoeira, Universidade Federal do Paraná, 2014.

Capítulo 4:

Fotografia 33: Mestre Sergipe e Mestre Burguês, precursores da Capoeira no Paraná.

Fotografia 35: Mestre Mestrinho e Mestre Meinha, “Festival Internacional de Capoeira de Cascavel”/PR, 2015.

Fotografia 36: Mestre Lito e Mestre Guanabara, batizado do grupo Sucena, Maringá/PR, novembro de 2015, organizado por Mestre Chupim e Professora Lissandra.

Fotografia 37: Maculelê Grupo Sucena, evento “Capoeira e Cultura popular na transmissão dos saberes ancestrais”, Maringá/PR, novembro de 2015, organizado por Mestre Chupim e Professora Lissandra.

Fotografia 38: Roda de Samba no Mercado do Café, na bateria Mestre Kunta, Mestre Walter e Contramestre Xandinho, em Paranaguá/PR, evento “Prazer, Capoeira!”, organizado por Mestre Walter.

Fotografia 39: Oficina de Samba de Roda do Professor Bbzão, “32º Festival de Capoeira e troca de cordas”, Cambé/PR, setembro de 2015, organizado por Mestre Guanabara.

Fotografia 40: Oficina Mestre Geraldo Baiano, com Contramestre Xandão, evento “Encontro de Bambas”, São José dos Pinhais/PR, organizado por Mestre Kunta Kinte.

Fotografia 41: Reunião do Comitê Gestor da Salvaguarda da Capoeira no Paraná, Matinhos, evento Angola Agosto 2015. Mestre Silveira, Mestre Lito, (...) e Mestre Carlinhos.

Fotografia 42: Reunião do Comitê Gestor da Salvaguarda da Capoeira no Paraná, Matinhos, evento Angola Agosto 2015. Mestre Sergipe, Mestre Kunta, Mestre Mestrinho, Mestre Walter, Mestre Bacico.

Fotografia 43: Reunião do Comitê Gestor da Salvaguarda da Capoeira no Paraná, Cambé, setembro de 2015, Paranaguá. Professor Oscar Guanabara, Mestre Guanabara, Contramestre Danilo, Mestre Mestrinho, Mestre Walter, Mestre Lito, Larissa Sucena, Professora Lissandra Sucena e Mestre Kunta.

Fotografia 44: Renovação do Comitê Gestor da Salvaguarda da Capoeira no Paraná, Etapa Curitiba e Região Metropolitana, dezembro de 2015.