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2.3 OS RITUAIS JUDAICOS

2.3.3 O RITUAL DO MATRIMÔNIO JUDAICO

adicional é pela analogia ao simbolismo de ser feito pelas mulheres o ritual de acender as velas durante o Shabat, como anteriormente explanado.

No ritual do matrimônio judaico, essas transposições podem ser vistas, quando o ato do matrimônio pode ser interpretado como a adoção de um estranho e a sua interiorização ao grupo (VAN GENNEP, 2013). Desta forma, são estruturados elementos que tornem esse agrupamento do indivíduo mais legítimo. Van Gennep menciona uma série de tradições na qual o noivado é iniciado por esses elementos

É possível, entre os ritos de agregação, distinguir os que têm alcance individual e unem à outra as duas pessoas jovens consistindo em:

donativo ou troca de cintos, de pulseiras, de anéis, das roupas usadas;

amarrar uma à outra com um mesmo cordão, tocarem-se reciprocamente de uma maneira ou de outra; utilizar os objetos que pertencem à outra (leite, betel, tabaco, utensílios profissionais etc.);

oferecer à outra alguma coisa para beber ou comer; comerem juntas (comunhão, confarreatio); envolverem-se no mesmo vestuário, véu, etc.; sentarem-se no mesmo assento; beberem o sangue uma da outra; comerem uma mesma iguaria ou em um mesmo prato; beberem um mesmo líquido ou mesmo recipiente, etc; darem massagens, friccionarem-se, untarem-se (sangue, argila), lavarem-se uma à outra, entrarem na nova casa, etc (VAN GENNEP, 2013, p. 118).

De acordo com Van Gennep, tais ritos caracterizam os ritos de união, quando já fora separado da categoria de estranho e está partindo à margem, sendo o sujeito um futuro e promissor congregado ao grupo (no caso, à família que se introduzirá).

Interessante o paralelo dessa característica ritual dos matrimônios apontada por Van Gennep ao rito do tena’im no matrimônio judaico.

Conforme apontam Gondim; Gondim (2012, p. 75) o casamento judeu é marcado pela prática do noivado, que o antecede com alguns meses. No ato do noivado judaico, há a cerimônia do tana’im, que compreende a assinatura de um documento em hebraico, o que o legitima ainda mais, que delega honradez do noivo para com a noiva (e certas obrigações entre os assinantes) e requer a presença de duas testemunhas que devem ser homens adultos e que não tenham grau de parentesco com os noivos. Feita a assinatura do documento, há a troca de lenços entre os noivos que simboliza a união e futura pertença um ao outro. Esse rito é chamado de tomar kinyan e é ele que atesta a legalidade do noivado, sendo por fim quebrados pratos de porcelana pelos presentes que simbolizam o compromisso em honrar o que foi assinado no tana’im, pois assim como a porcelana quebrada não pode ser consertada, o contrato assinado quebrado também não.

A data da escolha da cerimônia também tem algumas especificações e restrições. Não é aconselhado marcar a cerimônia em dias do Pessach e outras festas, como também é proibido acontecer no Shabat.

Quanto a essas recomendações referente às datas dos matrimônios, Van Gennep aponta que elas seguem uma medida social que considera o casamento como um evento que reúne diversas pessoas que se dispõem a romper com suas atividades diárias e laborais para se fazerem presentes. E como, antes de tudo, o casamento é uma relação político-econômica, que se terão gastos e será necessário ausência de atividades para a ocasião e as núpcias, é aconselhado que os eventos sejam realizados em épocas como “na primavera, no inverno ou no outono, isto é, nas estações mortas e não no momento dos trabalhos no tempo” porque “nesse momento os trabalhos agrícolas estão terminados, os celeiros e arcas plenos, e a ocasião é boa para os solteiros arrumarem um interior para o inverno” (VAN GENNEP, 2013, p. 123).

Apesar da aparente contradição agora proposta, quando o próprio judaísmo desaconselha a data do casamento durante o Pêssach, já que anteriormente foi debatido a provável construção do Pêssach durante as reformas do rei Josias e pós- exílio persa para fomentar a peregrinação dos fiéis à Israel e uma consequente rede de oferendas – já que à essa época proposta ao Pêssach culminava com o fim das colheitas de cevada da primavera. No entanto, ao invés de uma ideia contrária, a tese de Van Gennep só atesta que períodos de fim de colheita são os mais célebres nessas sociedades, já que a própria data do Pêssach atesta isso.

O ritual do casamento para os noivos é equivalente a simbologia do Yom Kippur, festa tradicional judaica pós-Rosh hashaná em que há a expiação dos pecados cometidos durante o ano corrido e a Yahweh inscrição do nome, então purificado, do judeu no Livro da Vida. Segundo o judaísmo, Yahweh apaga as transgressões anteriores ao casamento dos noivos para que eles possam começar uma vida nova a partir da solene data.

Mas assim como no Yom Kippur há o jejum e reflexão durante todo o dia para a purificação almejada, no dia do casamento também são necessárias as mesmas ações. Durante todo o dia os noivos permanecem em jejum e só o rompem quando fazem a primeira refeição juntos, em um recinto privado aos dois que alude às núpcias.

O paralelo entre o yom kippur e o jejum do noivado é tal que durante a cerimônia do casamento, em baixo da chupá, o noivo veste a indumentária branca também usada na data do yom kippur, o kitel, uma sobrepeliz branca com o simbolismo de que

os pecados foram feitos brancos e alvos como a neve, referenciando a passagem do Livro de Isaías (Is. 1:18), que consta gravado em seu interior.

Outro rito que compõe o ritual do matrimônio é o ato do noivo cobrir o rosto da noiva com um véu, aludindo à passagem mítica em que Rebeca cobriu o seu rosto com um véu ao ver Isaac. O Livro de Bereshit (Gn. 24:63-64) aponta que “e saiu Isaac para passear (rezar) no campo, nas horas da tarde; e levantou seus olhos, e viu, e eis que camelos vinham. E alçou Rebeca seus olhos, e viu Isaac e deslizou do camelo, e disse ao servo: Quem é este homem que vem pelo campo ao nosso encontro? E disse o servo: Ele é meu senhor. E tomou o véu e cobriu-se” (TORÁ, 2001, p. 65).

Seguido ao ato, os pais dos noivos, que estão ao lado na ocasião, abençoam à noiva desejando-a que seja merecedora de bênçãos tal qual foram Sara, Rebeca, Raquel e Lea, as grandes matriarcas.

A seguir, o noivo veste o kital e ambos, noivo e noiva, seguem em cortejo em direção à chupá, acompanhados pelos pais – que seguram velas – simbolizando Moisés e Arão que acompanharam o povo de Israel ao casamento com Yahweh no Sinai. Outra alusão simbólica à narrativa mítica é o ato do noivo chegar antes da noiva à chupá, representando que Yahweh já estava no Sinai quando Israel chegou e também simbolizando que o casamento depende da aprovação da noiva, sendo consentido por ela quando essa se dirige à chupá ao noivo.

A chupá é um dossel onde é realizado a cerimônia do casamento. Consiste em um véu de seda hasteado sob quatro pilares e ornado em veludo e cetim. Geralmente a chupá é posta em um local aberto e caso não haja a cerimoniosa tenda, quatro amigos dos noivos podem estender um talit sob suas cabeças e é simbolizado o dossel. A chupá representa ainda o futuro lar dos noivos que será aberto aos amigos e norteado pela Lei, tendo ainda uma referência e memória aos tempos do Sinai com o tabernáculo de tenda, tendo Di Sante (2004, p. 206) apontado o seu caráter de câmara sagrada nupcial, denotando fertilidade.

Depois da chegada dos noivos à chupá, os pais dos noivos dão voltas nos que estão casando. O número varia conforme as fontes consultadas, variando entre três, quatro e sete vezes. Autores como Gondim; Gondim (2012, p. 76) defendem ainda que a tradição ritual das voltas é amparada na narrativa mítica do Livro de Oséias (Os.

2:21-22), que diz “E desposar-te-ei para sempre! Sim, desposar-te-ei em justiça e em retidão, em misericórdia e compaixão! Desposar-te-ei Comigo em fidelidade, e conhecerás o Eterno!” (TANAH, 2018, p. 1567). A alusão às três voltas na referência

mítica é representada quando Yahweh (noivo) afirma desposar Israel (a noiva) por três vezes. Já as sete voltas são de origem cabalística. Ainda, podemos associar à tese defendida por Van Gennep como forma de agregação entre ambas as famílias no laço que está sendo construído entre elas.

O anel que caracteriza a aliança também possui um simbolismo que remete às sociedades antigas que tinham o costume de pagar o dote para possuir a mulher. O anel é um metal precioso que é dado à noiva e que representa a compra da mulher, que o aceita demonstrando o seu consentimento na transação. Atualmente a aliança consagra os votos de honradez e amor um ao outro.

Após ter posto a aliança no dedo da noiva, o responsável pela cerimônia – não necessariamente um rabino – recita a promessa do casamento que é ditado pelo noivo, acompanhando palavra por palavra, dizendo que “eis que tu me és santificada por este anel, de acordo com as leis de Moisés e de Israel” (GONDIM; GONDIM, 2012, p. 77).

Feita a recitação, os noivos e duas testemunhas sem grau de parentesco assinam o contrato nupcial, conhecido como ketubá. A ketubá é um documento em hebraico de respaldo moral e religioso que atesta as obrigações do noivo para com a noiva, reforçando o seu compromisso em assegurar suas necessidades físicas e econômicas, e sendo um documento oficial que pertence à noiva

Após a assinatura da ketubá pelo noivo e pelas testemunhas há um rito comum entre os rituais de matrimônio, como já apontou Van Gennep (2013, p. 118). O kidushin é a bênção feita no copo de vinho em que os noivos irão beber, sendo ela a primeira de sete bênçãos recitadas durante o ritual do matrimônio. A brachá diz:

1) BARUCH ATA ADONAI ELOHÊINU MELEKH HA-OLAM, BORÊ PERI HÁGAFEN.

2) BARUCH ATA ADONAI ELOHÊINU MÉLECH HA-OLAM, SHEKAHOL BARA LICHVODO.

3) BARUCH ATA ADONAI ELOHÊINU MÉLECH HA-OLAM, YOTZER HA-ADAM.

4) BARUCH ATA ADONAI ELOHEINU MÉLECH HA-OLAM, ASHER YATZAR E HA-ADAM B’TZALMO, B’TZELEM D’MUT TAVNITO, VHTKIN LO MIMENU BINYAN ADEI AD. BARUKH ATAH ADONAI, YOTZEIR HA-ADAM.

5) SOS TASIS V’TAGEIL HA-AKARA B’KIBULTZ BANEHA L’TOCHA B’SIMCHA. BARUKH ATAH ADONAI, M’SAMEACH TZION B’VANEHA.

6) SAMEIACH TESAMACH REIIM HA-AHUVIM K’SAMEICHACHA Y’TZZIRCHA B’GAN EDEN MIKEDEM. BARUKH ATA ADONAI, M’SAMEIACH CHATAN V’CHALAH.

7) BARUCH ATA ADONAI ELOHÊINU MÉLECH HA-OLAM, ASHER BARA SASON V’SIMCHA CHATAN V’KALLAH, GILAH RINAH DITZAH V’CHEDVAH, AHAVAH V’ACHAVAH V’SHALOM V’REUT. M’HERA ADONAI ELOHÊINU YISHAMMAH B’AREI YHULDAH UV-CHUTZOT YRUSHALAYIM KIL SASON V’KOL SIMCHA, KOL CHATAN V’KOL KALAH, KOL MITZHALOT CHATANIM MEICHUPATAM U-N’ARIM MIMETIZAM N’GINATAM.

BARUCH ATA ADONAI, M’SAMEIACH CHATAN IM HAKALAH.

1. Sê bendito, Senhor nosso deus, rei do universo, que criaste o fruto da videira

2. Sê bendito, Senhor nosso deus, rei do universo, que tudo criaste para tua glória.

3. Sê bendito, Senhor nosso deus, rei do universo, que criaste o homem.

4. Sê bendito, Senhor nosso deus, rei do universo, que criaste o homem à tua imagem e semelhança, dando-lhe a mulher como companheira perene. Sê bendito, Senhor que criaste o homem. Que Sião, a estéril, exulte e se alegre quando seus filhos se reúnem ao seu redor, cheios de alegria. Sê bendito, Senhor, que alegras Sião com o dom dos filhos.

5. Faze que estes companheiros, que se amam, muito se alegrem, como alegraste antigamente a tua criatura no jardim do éden. Sê bendito, Senhor, que dás alegria ao esposo e à esposa.

6. Sê bendito, Senhor nosso deus, rei do universo, que criaste alegria e felicidade, o esposo e a esposa, contentamento e júbilo, prazer e delícia, amor, fraternidade, paz e amizade.

7. Ressoe rapidamente nas cidades de Judá e nas ruas de Jerusalém a voz da alegria e do júbilo, a voz do esposo e a da esposa, a voz dos esposos do seu baldaquino nupcial e dos jovens das suas festas de cantos. Sê bendito, Senhor, que alegras o esposo com a esposa (DI SANTE, 2004, p. 206).

Após a bênção feita sobre o copo e bebido o vinho pelos noivos, o noivo quebra o copo abençoado. Este ato rememora a tristeza da destruição do templo de Israel, relembrando que mesmo em momentos felizes a felicidade plena só será possível com a reconstrução do templo e a reconstituição do reino de Israel.

O ritual é finalizado com a consumação do casamento, que é expressa simbolicamente quando os noivos, agora marido e mulher, se retiram a um recinto privado e ali permanecem alguns minutos, sendo testemunhada a sua entrada pelos assinantes da ketubá. Geralmente nesse momento os noivos se alimentam de bolos e outras guloseimas que se fazem presentes no ambiente, dado que os noivos estavam em jejum durante todo o dia e reforçam que agora podem ficar juntos sozinhos, algo condenado pelo judaísmo desde que não tenham assinado a ketubá.