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O SESCTV e o trânsito das culturas

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O SESCTV, no âmbito de seus pressupostos institucionais, tem como um de seus objetivos ser um espaço de expressão da diversidade cultural que marca o país em que está situado. No entanto, não se obriga a trabalhar estes aspectos e os educativos de maneira estrita, de modo que a emissora figure como uma congênere dos canais de constituição pública orientados a uma programação de caráter didático, que tenha em sua fundamentação de conteúdo elementos que propiciem uma apropriação de saber por parte dos telespectadores. Esta postura faz emergir um desafio que atravessa algumas importantes dimensões de análise para que o SESCTV firme-se no panorama televisivo como um meio diferenciado sob os aspectos estético, propositivo, institucional e também no que tange à natureza de seu conteúdo.

O presente capítulo discorre sobre um dos mais importantes fundamentos que condicionam a existência e as bases para os futuros passos da emissora: a questão da cultura. Por meio dela, é possível delinear não somente a maneira pela qual este conceito é tratado pelo canal, como também os agentes de entendimento que posicionam historicamente as intenções do SESCTV dentro da estrutura midiática estabelecida.

Debruçar um olhar à luz do prisma cultural proporciona a elucidação de inúmeros fragmentos que se fazem decisivos para um julgamento acerca da validade e das possibilidades de manutenção de um canal televisivo com a sua estrutura e intenções declaradas.

A cultura demanda contemplações diferenciadas e múltiplas, de maneira que, academicamente, sua abordagem seja exatamente como se apresenta a sua essência, ou seja, diversa, ubíqua e complexa, constituída por redes entrecortadas, as quais apresentam relações enoveladas de causa e efeito.

A estrutura argumentativa aqui apresentada demonstra um afunilamento ao tratar de forma mais ampla o posicionamento da televisão no bojo cultural como elemento refletor e propulsor dos aspectos urbanos e, posteriormente, abordar isoladamente a cultura para, então, unificar os dois eixos, culminando em uma discussão focalizada na mídia televisiva como parte de uma estrutura cultural e, ao mesmo tempo, como produtora e reprodutora de um universo mais amplo.

A partir do momento em que o SESCTV insufla-se a ser um agente cultural peculiar, busca-se, aqui, enumerar de forma enraizada nos pilares da televisão – em um levantamento

conceitual que estabelece uma transposição até o presente momento – os caminhos potenciais, em termos de linguagem e postura institucional (perante o mercado e a própria engrenagem cultural dos canais midiáticos), para a consolidação de uma emissora que ocupe um espaço particular e consolidado para transmitir suas mensagens a partir de leituras alternativas acerca da realidade material.

1. Fundamentos urbano-imagéticos da televisão

1.1. Televisão como produto urbano (industrialização e migração)

As mudanças que delineiam as bases para o desenvolvimento dos meios de comunicação em massa começaram no século XIX e tiveram a Revolução Industrial como principal força motriz. Neste processo, os empreendimentos fabris procuravam por regiões atraentes quanto a fatores como infra-estrutura e núcleos comerciais. Como conseqüência, aglomerações urbanas consolidaram-se na condição de centros produtivos e de fluxo de pessoas.

O Ocidente, a partir deste movimento, deu à luz grandes cidades, caracterizadas como espaço de sincretismo e convivência entre grupos heterogêneos de indivíduos. A vida privada fortaleceu-se no âmbito do lar, uma vez que o controle social dava-se de maneira diferente em relação a cidades ou comunidades de menor porte. A organização econômica gerou uma estratificação e sortimento de funções nas linhas de sustentação do sistema capitalista. Profissionais dividiram-se em categorias e famílias inteiras contribuíram para a sobrevivência própria e, sobretudo, do status quo.

O tempo passou a ser tratado de uma forma diferenciada, intimamente ligada à questão de produtividade e, por conseqüência, das trocas financeiras. Sua vinculação ao organismo econômico instalado provocou uma reinterpretação das horas e, por conseguinte, do aproveitamento dessas por parte das pessoas. Uma nova rotina havia sido instaurada.

Quanto ao espaço, os centros urbanos demandavam de forma progressiva uma infra- estrutura muito mais pungente, que pudesse atender à demanda oriunda dos fluxos migratórios em exponencial progressão. O ser passou a ser cada vez menor em comparação ao lugar em que estava.

Sob a perspectiva do indivíduo, instalou-se um movimento de aglomeração muito intenso, que estabeleceu um forte contraponto ao modo de vida típico de cidades menores e

vilarejos. Pessoas de origens e costumes diversos passaram a interagir com freqüência diária na mesma arena. Era cada vez mais difícil encontrar pares em um círculo progressivamente mergulhado na heterogeneidade. Portanto, reduzidos grupos passaram a ser o lugar do indivíduo ocidental.

As vilas operárias instaladas próximas às fábricas foram palco da reorganização da vida privada das famílias. Nelas, os migrantes das zonas rurais adaptavam-se à nova rotina de trabalho – que mudava os núcleos familiares (pois a mulher também era mão-de-obra nas fábricas) – e às novas formas de lazer. A rotina deixava de ser guiada pelas chuvas ou época de colheitas e passava a ter a impessoalidade dos apitos das fábricas, horários de trens, abertura e encerramento do comércio, além da programação de espetáculos, aos quais poucos tinham acesso. O trânsito cultural passou a comportar manifestações muito mais variadas, o que ampliou o espectro de valores, crenças e outras peculiariades viventes em um espaço comum.

Ao observar as mudanças que ocorriam nos principais centros urbanos, Walter Benjamin (1989, tradução nossa) identificou as relações entre as inovações técnicas e o modo de vida. Notou que os jornais, os magazines para moças, as críticas a espetáculos que circulavam acabavam por redundar em discussões e comportamentos coletivos, agregando grupos de pessoas em torno de um mesmo assunto.

Essas não eram as únicas maneiras de veiculação de cultura. Com grande parcela da população ainda analfabeta, o rádio teve um papel indiscutível pelo alcance e projeção entre as diferentes camadas sociais. Outro meio relevante – que teve espaço, principalmente nos Estados Unidos – foi o cinema, que falava diretamente aos migrantes e cuja indústria desenvolveu-se ao lado de outros entretenimentos comerciais nos centros urbanos (STRAUBHAAR; LAROSE, 2004, p.33-4).

Somando-se ao cinema, ao rádio e aos jornais, chega posteriormente às principais cidades industriais a televisão. Alberto Abruzzese (2006, p.61) menciona que a aparelhagem televisiva torna mais denso o coro audiovisual que, intrínseco às metrópoles, modifica formas de circulação de cultura.

O poderoso fluxo de imagens que a televisão veicula nos espaços privados do habitar tem início quando os diversos setores da comunicação já alcançaram a dimensão complexa de um único sistema metaterritorial, regulado nos ritmos e nas essências da experiência de vida metropolitana.

As transformações oriundas da constituição das grandes metrópoles, conforme mencionado, trouxeram alterações em dimensões múltiplas, sempre calcadas nos vértices das organizações de indivíduos e respectivas relações com a diversidade sócio-cultural, bem como no que diz respeito ao tempo e ao espaço.

Sabe-se que a industrialização aconteceu em níveis e momentos diferentes em cada nação e, consequentemente, proporcionou efeitos particulares de acordo com a conjuntura político-econômica sob a qual foi instalada. No Brasil, essa modernização foi tardia, se comparada à premência fabril do século XIX. Apenas entre 1933 e 1939 desencadeou-se um processo industrial brasileiro de caráter mais sólido – em contrapartida a iniciativas esporádicas de períodos anteriores. Entre os referidos anos, o ritmo de crescimento da indústria alcançou 11,28% ao ano, superando por larga margem o progresso da agricultura (DINIZ, 2004, p.4). Em decorrência deste ‘atraso’, a urbanização deu-se também de maneira recente. Prova disso consiste no fato de que, somente no censo demográfico de 1970 – realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - foi demonstrada uma predominância dos habitantes das regiões urbanas (55,9%) em relação ao contingente rural (44,1%) (IBGE, 2006, on-line). Com isso, o processo de urbanização brasileiro conduziu à formação de 12 regiões metropolitanas e 37 aglomerações urbanas não-metropolitanas, que passaram a concentrar 47% da população do País (GROSTEIN, 2001, on-line).

Não diferente do observado décadas antes nas metrópoles européias e norte- americanas, as empresas de comunicação brasileiras também se instalaram nos grandes centros urbanos. Grande parcela dos jornais mais expressivos do século XX estava nas duas maiores metrópoles de projeção nacional, como Folha de S. Paulo (SP), Jornal do Commercio (RJ), O Estado de S. Paulo (SP) e Jornal do Brasil (RJ). As emissoras de rádio fugiam um pouco à regra dos centros urbanos pelo baixo custo do equipamento de transmissão, o que viabilizou as respectivas instalações em cidades rurais ou já mais afastadas dos centros urbanos. No entanto, as indústrias cinematográfica e televisiva (que chegou com poucos televisores na década de 1950) reproduziram fielmente o modelo de desenvolvimento urbano- industrial que permeou o Brasil. O alto custo de manutenção dos recursos humanos e materiais, bem como a estratégia de uso do meio por parte dos oligopólios detentores das empresas de televisão, fez com que estas se instalassem, em sua maioria, em aglomerações urbanas. Tais características foram tão determinantes logo no início que “todas as 286 geradoras (emissoras que podem exibir programação própria) e 8.484 (retransmissoras em

funcionamento até julho de 2000) – de acordo com dados da ABERT17 – estão sediadas em áreas urbanas” (MATTOS, 2002, p.50). O desenvolvimento desta cadeia produtiva refletiu, portanto, os hábitos e os traços das grandes cidades.

Assim, forma-se uma amálgama entre os meios de comunicação de massa e o cenário urbano. Juntos, esses dois elementos são capazes de produzir uma troca complexa de símbolos que, em conformidade com as regras do ambiente, produziram uma realidade a ser compartilhada. Ao mesmo tempo em que tais meios refletem e reconstroem o cotidiano da urbanidade, a audiência aos mesmos constitui a rotina de indivíduos metropolitanos. Trata-se de uma retroalimentação cultural em termos de entretenimento, informação e reflexo do comportamento da urbe.

No entanto, consiste em equívoco vincular os conceitos de sociedade e massa puramente a um fenômeno de cunho tecnológico. Outro desvio caracteriza-se pelo posicionamento histórico desta concepção, que atribui o surgimento dos referidos termos às décadas de 30 e 40 do século XX. Embora o advento da televisão esteja intrinsecamente conectado ao panorama massificado, não foi ele um dos responsáveis por sua consolidação. Esta inovação, claramente, integra o cenário urbano-industrial. A relação causal dá-se em outro nível: a congregação de pessoas em larga escala em torno de um mesmo foco dá-se de maneira dramaticamente anterior. Martin-Barbero (1997, p.43) esclarece que

a idéia de uma ‘sociedade de massas’ é bem mais velha do que costumam contar os manuais para estudiosos da comunicação. Obstinado em fazer da tecnologia a causa necessária e suficiente da nova sociedade – e decerto da nova cultura –, a maioria desses manuais coloca o surgimento da teoria da sociedade de massas entre os anos 30/40, desconhecendo as matrizes históricas, sociais e políticas de um conceito que em 1930 tinha já quase um século de vida e pretendendo compreender a relação massas/ cultura sem a mais mínima perspectiva histórica sobre o surgimento social das massas.

Uma das principais implicações da massificação dentro do contexto metropolitano, dadas as condições apresentadas no início deste capítulo (referentes ao cruzamento de heterogeneidades), diz respeito à posição do indivíduo. O modelo de relações nas grandes cidades, uma vez que – conforme exposto – mudaram as concepções de tempo e espaço, assumiu um formato diferenciado, muito mais objetivo e utilitarista. O capitalismo, dentro de sua lógica de produção e consumo, arou o terreno para uma perspectiva mais racional e

17 ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. Disponível em: http://www. abert.org.br.

materialista do humano, fatores que tornaram as interações entre cidadãos mais diretas, gélidas e impessoais.

Este distanciamento favorece o domínio do rádio e da televisão sobre as outras formas de comunicação e veiculação simbólica, uma vez que – ao mesmo tempo em que transmitem mensagens ao narrarem o urbano – projetam o outro e reedificam de forma diversa uma relação anteriormente concreta. Néstor García Canclini (2002, on-line) pontua que, dentro do contexto de tais meios

assume-se que suas audiências esperem que lhes seja dito o que significa estar juntos. Certamente, estes meios devem cumprir o papel de contato com o que acontece em lugares distantes neste planeta globalizado. Contudo, como as cidades também se globalizam – isto é, tornam-se cenários de gestão do que ocorre nas finanças e na política, nas guerras e nos rituais diplomáticos, nos espetáculos de arte e nas religiões do mundo todo praticamente – não é difícil sincronizar as vocações locais e globais das cidades e dos meios de comunicação.

Pode-se, então, assumir como fio condutor a idéia de que os meios de comunicação estão intimamente ligados às cidades – tanto como canais de mensagens quanto elementos integradores da sociabilidade distanciada da humanidade delineada pelo urbano. Canclini estabelece a conexão entre tais meios e a natureza da cidade, de modo que esta

já não é mais vista como um mero cenário para a habitação e o trabalho, ou seja, como simples organização espacial, lugar de assentamento da indústria e dos serviços. Por outro lado, os meios de comunicação não são concebidos unicamente como redes invisíveis e deslocalizadas, cuja dinâmica poderia ser entendida somente através das estratégias empresariais e dos recursos tecnológicos mobilizados (CANCLINI, 2002, on-line).

Portanto, não se pode avaliar a relação entre televisão (meios de comunicação telemáticos) e indivíduo sem que se considere a inexorável ligação com o contexto de formação metropolitana oriunda dos movimentos industrializadores e urbanizadores. Trata-se de uma rede orgânica de atores e canais comunicacionais de interferência em mão-dupla, em que se refletem hábitos, reproduzem-se valores, espelham-se as contradições conceituais e mostram-se os mais variados discursos. Os meios telemáticos, facilitadores da sociabilidade

distanciada, tornam-se arena das interposições culturais típicas das grandes cidades.

A televisão é um espelho social já que reproduz os modos de vida e as formas de pensar, representar e imaginar que temos como sociedade, como informativo ou comunidade. A sociedade pode ser lida em seus valores,

gostos, interesses por meio da televisão que produz (RINCÓN; ESTRELLA, 2001, p.45, tradução nossa).

A organicidade que fundamenta a pulsão dos meios e atores sociais de maneira conjunta evoluiu de tal modo que os avanços tecnológicos interferiram diretamente no fluxo da cultura e, por isso, na definição histórica do humano, que passou a ser influenciado por uma quantidade progressivamente diversa e numerosa de informações. As redes de comunicação galgaram níveis de conectividade de alcance global, de maneira que redundaram em uma ampla cadeia de trocas – não necessariamente igualitárias – entre variados grupos sociais pelo planeta. O grau de relativização do espaço atingiu novos patamares, dada a desterritorialização proporcionada por vias tecnologicamente convergidas. A concentração de mídias em um número menor de interfaces e a amplitude de acesso por parte do indivíduo a estes portais de informação aumentaram a capacidade de intercâmbio em termos de velocidade conectiva (tempo) e abrangência (espaço). A arena das transculturalidades criou uma noção diversa de lugar, em que este consiste no local em que se dão os fluxos de mensagens em inúmeros formatos e, por conseguinte, de passagem entrecortada de culturas. Edgar Morin (1977, p.16) já previa este contexto ao afirmar que a cultura proposta pelos meios de comunicação de massa “é cosmopolita por vocação e planetária por extensão”.

1.2. Televisão como produto imagético

A partir da perspectiva cinematográfica, os elementos imagéticos passaram a integrar de maneira pungente a construção do imaginário humano em múltiplas dimensões. A verossimilhança com o mundo factual, sobretudo no que se refere à forma, estabeleceu um poder de atração junto ao indivíduo de maneira que este se tornou espectador assíduo de releituras de sua própria história. O mundo passou a ser multiplicado em telas, cada qual projetando uma ilusão diferenciada acerca da realidade material. Estas recriações, no entanto, consistiam em mundos particulares, metáforas com características próprias e fios condutores inatos. Classificado como expressão artística, o cinema acabou por mesclar o retrato do convívio humano à tecnologia de reprodução imagética. Sua proximidade com o que se pode chamar de “real” e a respectiva capacidade de modelá-lo em um cenário virtual em diferentes graus acabou por fazer desta uma frente peculiar da arte. Para Gilles Deleuze (1990, p.88), “o cinema não se confunde com as outras artes, que apontam uma ilusão através do mundo, mas

que faz do mundo mesmo uma ilusão ou um relato: com o cinema, o mundo passa a ser sua própria imagem, não é que uma imagem se converta em mundo”.

Portanto, as reconstruções da história dentro do âmbito cinematográfico posicionam a imagem como fator preponderante de reinterpretações do mundo. Por meio dela, uma identificação com o humano é estabelecida e, em decorrência deste fenômeno, ela acaba por ser o ponto que conduz junto aos seus espectadores as inúmeras releituras potencialmente realizáveis a partir de um ou mais fatos. Ela retrata, reinventa, transmite e, em termos de linguagem, direciona as verdades construídas na circunscrição das telas.

Teoricamente, a imagem ideal sintetizaria toda a complexidade do que se convencionou classificar de verdade. Andrei Tarkovski (1998, p.123) explicita a condição imagética como uma espécie de janela que traz aos olhos humanos recortes da totalidade histórica. De acordo com ele,

a imagem é uma impressão da verdade, um vislumbre da verdade que nos é permitido em nossa cegueira. A imagem concretizada será fiel quando suas articulações forem nitidamente a expressão da verdade, quando se tornarem única e singular – como a própria vida é, até mesmo em suas manifestações mais simples.

Como projeções múltiplas de uma pretensa concretude, as imagens assemelham-se ao conceito de verdade preconizado por Friedrich Nietzsche. A partir da visão debruçada sobre esta concepção, o filósofo alemão abre espaço para o firmamento de uma linha convergente que situa no mesmo locus intelectual as acepções de verdade e imagem, sendo elas uma infinidade de ângulos e reprocessamentos de algo pretensamente real. A imagem, sendo cinematográfica ou televisiva, participa do mundo e recria-o mediante um caleidoscópio ilusionista, refém de grupos, indivíduos e ideologias que, a partir das respectivas transferências, constroem as próprias metáforas e discursos, os quais acabam disseminados em larga escala.

O que é portanto a verdade? Uma multidão móvel de metáforas, metonímias e antropomorfismos; em resumo, uma soma de relações humanas que foram realçadas, transpostas e ornamentadas pela poesia e pela retórica e que, depois de um longo uso, pareceram estáveis, canônicas e obrigatórias aos olhos de um povo: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que são, metáforas gastas que perderam a sua força sensível, moeda que perdeu sua efígie e que não é considerada mais como tal, mas apenas como metal (NIETZSCHE, 2001, p.16-7).

Atualmente, o processo de contato do humano com seu contexto dá-se basicamente por imagens – e, portanto, o indivíduo é ator e receptáculo das reinterpretações do mundo por elas veiculadas. John Condry e Karl Popper (1995, p.62) pontuam que

televisão é antes de mais nada uma série de imagens. Ora, como seres humanos crescemos com imagens; pensamos em imagens; somos programados através de milhares de anos de evolução para reconhecer e responder a imagens. [...] querendo ou não as imagens nos influenciam. Ao longo dos anos que sucederam a implantação e a consolidação dos sistemas televisivos, houve não somente um incremento na manipulação imagética, como também uma transformação coletiva quanto ao imaginário do indivíduo. Sua forma de encarar a realidade e receber suas releituras acabou por afetar diretamente, em um processo cíclico, a construção das imagens. Isso sem que se perdesse de vista, obviamente, todo o arcabouço de valores, crenças e particularidades das sociedades afetadas por tais projeções. Com isso, cultura, humano, contexto e linguagem acabaram por figurar como alicerces indubitavelmente essenciais ao tratamento do tema imagem.

[...] a imagem não é a única coisa que mudou. O que mudou, mais precisamente, foram as condições de circulação entre o imaginário individual (por exemplo, os sonhos), o imaginário coletivo (por exemplo, o

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