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Uma orientação diferenciada para o público

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1. SESC: um modelo híbrido

O surgimento do Serviço Social do Comércio (SESC) dá-se de forma sincrônica em relação ao modelo estatal implantado nos países economicamente desenvolvidos no período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial. Estes países, nos quais a interpretação e aplicabilidade do capitalismo dava-se em nível de maior sofisticação, viviam o período do ‘Alto Fordismo’, em que – nas empresas – passou a haver um aumento da distância entre atividades técnicas e gerenciais, além de uma intensificação na racionalização dos processos de trabalho, que passaram a ser controlados em um grau matemático mais minucioso e, por conseqüência, rigoroso no que toca à produtividade. Desta forma, a capacidade das organizações de mensurar seus respectivos resultados e condicionar tecnologia e seres humanos à consecução dos objetivos traçados acabou por potencializar-se exponencialmente (HOBSBAWM, 2001, p.259-62). Passava a haver um ‘poder executivo’ no organograma empresarial, de modo que a verticalização deste se tornasse mais visível a partir da diferenciação entre os ‘estratégicos’ e os ‘técnicos’, estes últimos meros cumpridores de tarefas.

Já o aparelho estatal, neste período, debruçou-se sobre a sociedade, de modo que procurou seguir os mesmos preceitos, dada a expansão de seu controle nos âmbitos fiscal, econômico e social. O modelo planificador passou a ser exaltado, à medida em que as ações públicas passaram a ser desenhadas sob uma perspectiva mais sólida e orientada ao longo prazo.

O acordo tácito entre capital e trabalho transferiu o controle da produção para a área gerencial, mas, ao mesmo tempo, aumentou o papel do trabalho no discurso político, nos planejamentos e no âmbito da legislação do trabalho. A classe média teve um crescimento substancial, elevando também seu padrão de vida. Sob o regime do ‘Alto Fordismo’ os direitos civis, políticos e sociais foram expandidos e a legislação regulatória foi ampliada. Oportunidades iguais avançaram, embora os estratos inferiores tenham sido pouco beneficiados. Além disso, as desigualdades acentuadas entre os trabalhadores dos setores primários e secundários, entre aqueles da produção e os profissionais, entre raças, grupos étnicos e sexo foram os aspectos mais visíveis do novo padrão de racionalização e de burocratização (BONANNO, 2007, p.28).

O perfil intervencionista adotado pela figura do Estado veio à tona por meio da prestação de serviços sociais públicos, traduzidos pela sistematização de políticas de seguridade, garantia de direitos, atuação direta junto à população e universalidade, de maneira que os mecanismos estatais ganhassem aura de ‘onipresença’ sobre os habitantes da jurisdição correspondente. Desta forma, o aparato público multiplicou sua dimensão. Dentro deste capitalismo reformado, as corporações aumentavam o controle técnico sobre seus funcionários, os quais, ao mesmo tempo, eram subsidiados pelas ações assistenciais dos serviços fornecidos pela administração pública. Cabe pontuar que a sofisticação do sistema econômico estava intimamente ligada à postura do Estado perante a sociedade, de maneira que esta fosse condicionada unicamente à produção, justamente para que o impacto das crises provenientes das Grandes Guerras Mundiais fosse aliviado economicamente.

A partir do primeiro quarto deste século, a introdução de novas tecnologias de produção e a expansão do consumo de massa fizeram crescer as dimensões dos mercados e, assim, ampliaram os já existentes problemas de superprodução e subconsumo, evidenciando as dificuldades da auto- regulação como mecanismo de organização da economia no nível macro (MEDEIROS, 1999, p.4).

Economicamente, portanto, o Estado – a partir da lógica keynesiana de bem-estar social cujo centro de ação e sucesso do Estado é a geração e a garantia dos níveis de demanda (MEDEIROS, 1999, p.4) – assumiu um papel ‘gerencial’ em um campo generalizado, posto que agregou para si incumbências deliberativas que consistiram nas diretrizes reguladoras do ambiente de mercado. O inchaço dos meios de produção e consumo acabou por dialogar com um amplo sistema estatal de garantia da estabilidade macroeconômica e, também, dos direitos sociais básicos da população – agente fundamental na lógica produtiva e de consumo –, fiel da balança competente à regulação da demanda.

Outro aspecto relevante deste período caracterizou-se pela organização política das classes trabalhadoras, as quais passaram a estabelecer relações com os setores patronais e o Estado por meio de agremiações sistêmicas. Antonio Gramsci (1978, p. 248) acredita que os sindicatos e os comitês das fábricas seriam capazes de intermediar e diminuir os conflitos entre proprietários e trabalhadores. Contudo, os investimentos públicos criaram uma suposta ‘rede de proteção’ em torno da sociedade, que, na verdade, pode ser considerada uma ‘teia de regulação’, a saber pela própria questão dos empregados. As medidas governamentais levaram em consideração, inclusive, as reivindicações dos trabalhadores, de modo que

negociações salariais e outros benefícios entrassem nos pacotes de proteção. No entanto, as rédeas de tais políticas estavam nas mãos da administração estatal.

Antagonicamente, o Brasil percorria um caminho mais lento em relação às referidas economias. Seu perfil agrário-exportador teve seu protagonismo substituído pelo capitalismo industrial de forma tardia, uma vez que este movimento teve início apenas a partir dos anos 30 do século XX. Em decorrência deste mercado menos sofisticado, em que a população não se configurava como massa consumidora compatível com um panorama fabril sedimentado, a aplicação dos conceitos de bem-estar deu-se de outra forma, historicamente diferenciada. De acordo com Marcelo Medeiros (2001, p.10), “o Welfare State brasileiro atuou sobre esse descompasso, o que facilitou a migração dos trabalhadores dos setores tradicionais para os setores modernos e a constituição de uma força de trabalho industrial urbana no País”.

O aumento da urbanização e as modificações advindas dos períodos marcados pelo comando de Getúlio Vargas e a redemocratização pós-1945 criou as bases para uma revisão da postura estatal perante a sociedade. O aparato público viu-se mediante a necessidade de adaptar, dentro de um recente regime, suas funções para com um contexto social recém- introduzido em um fluxo mais intenso de urbanização e industrialização. Comércio (consumo) e indústria (produção), como eixos fundamentais do modelo econômico estabelecido, foram objeto de deliberações governamentais que procuraram controlar e conferir diretrizes de modo que o sistema encontrasse sustentabilidade estrutural, com uma massa de trabalhadores capaz de produzir, consumir e obter qualificação para realimentar as cadeias industriais à luz das inovações tecnológicas importadas das nações mais desenvolvidas dentro deste âmbito.

Este cenário germinou os alicerces de entidades ligadas ao Estado, mas correlacionadas à lógica privada, as quais ficaram conhecidas como sistema ‘S’, que

[...] abrange um conjunto de instituições jurídicas de natureza privada destinadas a promover o desenvolvimento social dos trabalhadores de determinados segmentos econômicos. Dentre as instituições, destaque para o SESI, SESC, SENAI, SEST, SENAT, SENAR, SESCOOP. A principal fonte de receita corrente destas instituições são contribuições sobre a folha salarial instituídas mediante legislação específica. Portanto, embora nenhuma das instituições consideradas seja incluída nas estatísticas do setor público, podemos considerar que os dispêndios de caráter social do Sistema S integrem a estatística do gasto social da União, tendo em vista que parte expressiva de sua receita corrente origina-se de contribuições de natureza parafiscal, instituídas pelo poder público federal (AMADEO et.al., 2000, p.32).

Eis, portanto, as bases institucionais do Serviço Social do Comércio (SESC), que surge em 1946 e tem seu regulamento aprovado pelo então presidente Costa e Silva no ano de 1967 a partir da seguinte finalidade principal:

Art 1º O Serviço Social do Comércio (SESC), criado pela Confederação Nacional do Comércio, nos termos do Decreto-Lei nº 9.853, de 13 de setembro de 1946, tem por finalidade estudar, planejar e executar medidas que contribuam para o bem-estar social e a melhoria do padrão de vida dos comerciários e suas famílias e, bem assim, para o aperfeiçoamento moral e cívico da coletividade, através de uma ação educativa que, partindo da realidade social do país, exercite os indivíduos e os grupos para adequada e solidária integração numa sociedade democrática, devendo, na execução de seus objetivos, considerar, especialmente: a) assistência em relação a problemas domésticos (nutrição, habitação, vestuário, saúde, educação e transporte); b) defesa do salário real dos comerciários; c) pesquisas sócio- econômicas e realizações educativas e culturais, visando à valorização do homem e aos incentivos à atividade produtora (BRASIL, 2006d, on-line).

Teoricamente, portanto, o SESC constitui-se a partir de uma perspectiva humanista, que procura dar conta das relações do indivíduo-trabalhador do sistema comerciário quanto às suas múltiplas dimensões de relacionamentos, que perpassam as esferas econômicas, culturais e sociais. Desta forma, espera-se da entidade uma reverberação de tal posicionamento em todas as ações por ela desenvolvidas, seja no campo das unidades ou nas formas de sua representação nos meios de comunicação.

Faz-se necessário, antes de qualquer análise de maior minúcia neste nível, remontar às raízes e atuais configurações institucionais do SESC. Sob tal ângulo, o Serviço Social do Comércio tem uma composição híbrida, denominada ‘paraestatal’, uma vez que exerce funções públicas a partir de uma personalidade privada. Os recursos que mantêm a entidade em funcionamento derivam de formas variadas, quais sejam:

a) contribuições dos empregados dos comércios e dos de atividades assemelhadas, na forma de lei; b) doações e legados; c) auxílios e subvenções; d) multas arrecadadas por infração de dispositivos legais, regulamentares e regimentais; e) as rendas oriundas de prestação de serviços e de mutações de patrimônio, inclusive as de locação de bens de qualquer natureza; f) rendas eventuais (BRASIL, 2006d, on-line).

Com isso, em sua maioria, contribuições de profissionais subsidiam a entidade, que desenvolve, em contrapartida, atividades que façam jus às disposições regulamentadas pela legislação que lhe fundamenta. Juridicamente, a instituição é tratada como de direito privado, mantida por uma associação oriunda de um arranjo setorial de empresas, cujos recursos

financeiros reservados para os fins determinados em lei destinam-se a serviços de caráter público.

Gerencialmente, o SESC divide-se em administrações regionalizadas, de maneira que atue de forma descentralizada e, assim, procure contemplar as necessidades específicas e particulares de cada localidade em que mantém atividades. São Paulo, o estado economicamente mais poderoso do País, é, portanto, o melhor beneficiado em termos financeiros, dado que o seu setor comercial é, em termos nacionais, o mais desenvolvido e volumoso. A tabela abaixo ilustra o orçamento com o qual as administrações regionais do SESC trabalharam em 2005 (em reais):

ADMINISTRAÇÕES ORÇAMENTO INICIAL ORÇAMENTÁRIORETIFICATIVO ORÇAMENTOFINAL

AN 444.183.150 1.925.300 446.108.450 AC 4.948.000 - 4.948.000 AL 8.142.334 185.000 8.327.334 AP 6.612.008 117.000 6.729.008 AM 13.889.366 - 13.889.366 BA 37.533.070 3.100.000 40.633.070 CE 22.462.270 3.763.000 26.225.270 DF 48.200.000 6.030.000 54.230.000 ES 22.250.000 832.100 23.082.100 GO 38.360.000 411.900 38.771.900 MA 10.556.550 850.000 11.406.550 MT 10.402.485 1.640.621 12.043.106 MS 13.104.575 - 13.104.575 MG 114.163.654 - 114.163.654 PA 15.224.505 115.750 15.340.255 PB 9.678.600 - 9.678.600 PR 90.505.730 (-) 17.800.000 72.705.730 PE 30.500.100 - 30.500.100 PI 7.694.240 147.000 7.841.240 RN 11.524.254 660.000 12.184.254 RS 86.511.825 - 86.511.825 RJ 176.781.025 16.000.000 192.781.025 RO 6.116.612 564.200 6.680.812 RR 4.374.585 (-) 51.515 4.323.070 SC 43.573.000 2.300.000 45.873.000 SP 602.960.000 8.000.000 610.960.000 SE 9.819.323 - 9.819.323 TO 4.432.570 1.080.795 5.513.365 TOTAIS 1.894.503.831 29.871.151 1.924.374.982

Fonte: Conselho Fiscal do SESC/ Relatório de Atividades – http://www.sesc.com.br/cf/demonstrativos.html

(Tabela 1 – Orçamento SESC)

No total, um volume de quase R$ 2 bilhões é movimentado nas regionais do SESC, montante que lhe proporciona uma condição privilegiada para executar serviços de

incremento das redes de proteção social e, ao mesmo tempo, potencializa sua responsabilidade no que se refere à gestão pública dos seus investimentos e gastos. Em razão disto, é dever da instituição prestar contas ao Tribunal de Contas da União, responsável pela aprovação de seus demonstrativos financeiros.

Verifica-se, portanto, por parte do SESC, uma gestão privada de recursos pagos obrigatoriamente, cujas aplicações, por esta razão, são objeto de fiscalização por um instrumento regulador de um órgão federal de caráter oficial. Particularmente ao Tribunal de Contas da União, do qual o Serviço Social do Comércio é cliente, ou seja, tem seus demonstrativos apreciados pela Casa, compete:

Apreciar as contas anuais do presidente da República; julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos; apreciar a legalidade dos atos de admissão de pessoal e de concessão de aposentadorias, reformas e pensões civis e militares; realizar inspeções e auditorias por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional; fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais; fiscalizar a aplicação de recursos da União repassados a estados, ao Distrito Federal e a municípios; prestar informações ao Congresso Nacional sobre fiscalizações realizadas; aplicar sanções e determinar a correção de ilegalidades e irregularidades em atos e contratos; sustar, se não atendido, a execução de ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; emitir pronunciamento conclusivo, por solicitação da Comissão Mista Permanente de Senadores e Deputados, sobre despesas realizadas sem autorização; apurar denúncias apresentadas por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato sobre irregularidades ou ilegalidades na aplicação de recursos federais; fixar os coeficientes dos fundos de participação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e fiscalizar a entrega dos recursos aos governos estaduais e às prefeituras municipais (BRASIL, 2007, on-line).

Portanto, por ter como uma de suas bases funcionais ‘julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos’, o TCU reconhece e fiscaliza as atividades do SESC mediante um prisma coletivo. O apoio das terminologias jurídicas leva a concluir que o Serviço Social do Comércio nasceu por meio de um instrumento legal governamental, é gerido por uma associação privada, e tem seus recursos direcionados à consecução de atividades de interesse público. Esta avaliação é determinante para detectar possíveis influências de grupos restritos quanto ao discurso propagado pela entidade no bojo de suas produções culturais, sociais e midiáticas.

Miranda (2006, entrevista), sintetiza a condição da organização da qual faz parte:

O SESC, SENAC, essas entidades todas foram criadas de forma clara e com o DNA bem definido. O SESC precisa conferir o bem-social para os

trabalhadores da área de Comércio e Serviços e para a população em geral, financiado pelas empresas de comércio e serviços. Sua administração é privada, com autonomia regional - cada Estado faz a sua programação. É importante ressaltar que o controle público é parte desse DNA. Ele tem contribuição compulsória. Quem paga é obrigado a pagar. Se a contribuição fosse livre, não precisaria de Tribunal de Contas para fiscalizar. Nossas contas são aprovadas por ele todo ano. Mesmo assim, o controle público não faz de nós uma empresa de administração pública. Esse hibridismo impressiona as pessoas, pois é um modelo brasileiríssimo. Somos um pouco públicos e um pouco privados, mas, para efeito jurídico, legal, somos privados.

Já no final da década de 1940, desta maneira, passam a operar instituições que desenvolvem ações de caráter público, embora não sob a bandeira estatal, mas sim de maneira relativa às organizações governamentais. Entidades deste caráter são denominadas, como mencionado, paraestatais, pois “funcionam paralelamente ao Estado [...]; elas atuam na vizinhança com o serviço público, sob regime jurídico que fica a meio caminho entre o direito público e o direito privado” (DI PIETRO, 2007, p.3).

O SESC insere-se neste contexto por meio de uma lógica de sustentação semelhante à de outras entidades congêneres.

Tradicionalmente, as empresas privadas que desempenham atividades não lucrativas são conhecidas como Paraestatais (por exemplo, SESI, SESC, SENAI, SENAC). Têm seus recursos oriundos principalmente de contribuições de empresas, arrecadadas e repassadas pela Previdência Social (CORREIA, 2006, p.5).

Sob o ponto de vista jurídico, instituições desta espécie ocupam um lugar bem definido. O Serviço Social do Comércio e as demais entidades criadas sob as mesmas raízes conceituais:

[...] são pessoas jurídicas de Direito Privado que, por lei, são autorizadas a prestar serviços ou realizar atividades de interesse coletivo ou público, mas não exclusivos do Estado. São espécies de entidades paraestatais os serviços autônomos (SESI, SESC, SENAI, etc.) e as organizações sociais. As entidades paraestatais são autônomas, administrativa e financeiramente, têm patrimônio próprio e operam em regime de iniciativa particular, na forma de seus estatutos, ficando sujeitas apenas à supervisão do órgão da entidade estatal a que se encontrem vinculadas, para o controle de desempenho estatutário. São os denominados entes de cooperação com o Estado (AUDITORIA, 2007, p.10).

Dentro do panorama histórico brasileiro, estas figuras institucionais acabaram por realizar uma função vanguardista e, em grande medida, mais eficiente do que a desempenhada pelo próprio aparato público. Miranda (2006, entrevista) afirma que:

De lá para cá, há quem diga que isso é um atraso. Mas, do ponto de vista de conteúdo, repare que SESC e SENAC, a seu modo, renovam linguagem e modernizam-se permanentemente. O SESC realiza há 60 anos o que se chama hoje de responsabilidade social. Lidamos com educação, cultura, desenvolvimento social, culturas mais avançadas em toda a parte do mundo.

O posicionamento descrito, no entanto, abre espaço para alguns questionamentos de grande vulto. O primeiro deles diz respeito ao contraditório que pode emergir em decorrência da heterogeneidade institucional que cerca as bases do SESC. Por ser autônomo e ter vinculação direta ao setor privado, o qual congrega inúmeras corporações cujo poder de influência é capaz de remodelar discursos, por que não agiria em nome destas organizações, as quais – numerosas quanto ao quadro funcional – acabam por contribuir em maior volume e, teoricamente, poderiam exigir maior grau de ‘participação’ nos movimentos do SESC? Isto pode ter conseqüências não somente nas ações das unidades físicas, mas também nos conteúdos e formas de transmissão de mensagens oriundos dos veículos de comunicação da instituição.

Em segundo lugar, especificamente no tocante à disseminação informacional junto aos cidadãos, o SESC cumpre um papel complementar ou substitutivo face ao Estado?

Quanto ao primeiro questionamento, Miranda (2006, entrevista), na condição de dirigente da maior administração regional da entidade, defende-a e foca sua argumentação na questão da aplicabilidade dos recursos financeiros que mantêm as atividades em detrimento da origem dos mesmos, igualando todos os contribuintes e corporações das quais estes fazem parte:

O SESC é resultado da contribuição de todos que constitui um fundo aplicado em nome de todos e não em nome de uma organização específica. Hoje, o que se acha moderno é que uma série de empresas criam mecanismos para realizar os próprios trabalhos sociais em nome deles. Isso é marketing puro. Afinal, o que é mais moderno: isso ou um fundo em nome de todos aplicado junto a todos? [...] se você tem uma empresa (que tem 50 mil pessoas) que contribui mais do que a que tem apenas duas, eu trabalho em nome das duas, sem privilégios. O SESC fala com o beneficiário e não com a empresa que está por trás dele. Isso é muito mais moderno, sem falar de conteúdo.

Uma vez que age de forma orientada à realização de atividades que fortaleçam aspectos de educação, cultura e cidadania em larga escala, seria extrema incongruência o SESC beneficiar, em maior ou menor intensidade, um grupo específico de corporações de grande porte, as quais – em decorrência de seus volumes – acabam por sustentar de forma mais significativa as rotinas da instituição. No entanto, ao assumir a responsabilidade de atuar em nome da coletividade pública, o SESC encontra, por conseguinte, desafios dentro de uma outra ordem, os quais, teoricamente, seriam enfrentados somente pelo aparato estatal.

O primeiro desafio remonta ao questionamento levantado anteriormente, que diz respeito à função pública à qual se propôs a entidade. Um dos principais objetivos que se apresenta a partir de um contexto social de extrema heterogeneidade cultural e desigualdade sócio-informacional consiste na virtude de comunicar de forma consistente e de modo que os hiatos entre os grupos diminuam, ainda que gradativamente. As articulações políticas no âmbito democrático dão-se no Brasil de maneira – como já visto nos arranjos em torno da legislação referente à televisão por assinatura – perversa e controvertida, uma vez que tais acordos concretizam-se por meio de frestas que a própria democracia gera, sobretudo no que tange ao Poder Legislativo. Os arranjos, em sua maioria, são construídos por meio de uma aliança prévia entre os representantes nacionais, os quais – não coincidentemente – originam- se dos grupos oligárquicos que dominam as grandes corporações e meios de comunicação nacionais. A participação popular organizada ainda é pouco exercitada no País, de modo que se exaltam os eventos eleitorais como se fossem a máxima expressão democrática atingível no contexto brasileiro.

Todavia, a construção de um Estado democrático tem fases diárias, as quais são construídas sobretudo com a disseminação dos canais que permitem à população incrementar

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