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O Setor Imobiliário e a sua Fonte Produtora de Valor

Capítulo 4. A Nova Fronteira do Capital no Limite do Crescimento

4.1 O Setor Imobiliário e a sua Fonte Produtora de Valor

Para circunscrever o setor imobiliário utiliza-se o relatório setorial do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, 2001), que define, com base numa publicação do Sinduscon – SP (Sindicato da Indústria da Construção – São Paulo), o macro setor da construção civil. Por essa definição, o macro setor incluiria o subsetor de materiais de construção, que envolve os ramos de extração (minerais metálicos e não metálicos, extração de madeira) para a sua posterior transformação (cerâmica, pisos, azulejos, cal, tubos, cimento, estruturas metálicas, etc.), a indústria da construção civil, com a construção de edifícios, obras de engenharias civil, viárias, etc, e o subsetor terciário, que abarca as atividades imobiliárias e a manutenção predial.

Segundo esse relatório, “(...) a participação da construção civil no PIB brasileiro passa, em 1996, para 14,8% e permite afirmar que para cada cem postos diretos gerados no setor, outros 285 são abertos nos demais setores do chamado macro-setor da construção civil” (DIEESE, 2001, p. 8). De acordo com os dados mais atualizados mencionados por Henrique Meirelles (ex-presidente do Banco Central) em 2007, a cadeia produtiva da construção civil, que inclui os setores de materiais, serviços, construção propriamente dita e comercialização imobiliária, representa entorno de 16% do PIB, destes, a construção de habitações é responsável por 6%135.

Não obstante a relevância deste macro setor para a circulação do capital em geral, ele não será em sua totalidade objeto de maiores reflexões. A delimitação do setor imobiliário adotada por essa pesquisa engloba a construção de edifícios, as suas obras correlatas e a posterior realização no mercado. Ou seja, admite um ramo específico da indústria da construção civil da qual participam um grande número de empresas para viabilizar a reprodução, desde as incorporadoras, escritórios de engenharia e arquitetura, imobiliárias até assessorias, operadores financeiros, administradores de fundos de investimento, agências de publicidade, manutenção predial, etc., sendo o setor terciário o principal consumidor das grandes obras.

135 Revista “Conjuntura da Construção”, ano V, nº 4, dezembro de 2007, p. 5. Publicação trimestral conjunta do

139 Um dado importante do DIEESE, por envolver o grupo da “Construção de Edifícios e Obras de Engenharia Civil”, ramo que engloba as obras viárias, edificações, grandes estruturas e obras de arte, obras de urbanização e paisagismo, montagem de estruturas e outros tipos de obras, diz respeito ao número de empresas e da participação no emprego: o grupo soma 71% das empresas e emprega 72% dos trabalhadores formais do macro setor; crucial apontar que o seu mercado depende diretamente do sistema financeiro imobiliário e das políticas de financiamento habitacional do país (DIEESE, 2001, p. 8).

Sobre as relações de trabalho na construção civil, elas estariam entre as mais precárias em relação a outros ramos. Das 4.700.000 pessoas ocupadas em todo o Brasil, apenas 954.000 tem carteira profissional assinada, quase 2 milhões de trabalhadores atuam por conta própria e aproximadamente 3.400.000 não contribuem para a Previdência Social. O baixo grau de formalização do emprego reflete diretamente nos salários, é o que demonstra o relatório do DIEESE quando compara os rendimentos dos trabalhadores assalariados com a remuneração dos trabalhadores autônomos e sem carteira assinada.

A rotatividade e o curto tempo no mesmo emprego é outra característica desta ocupação, já que depende do tempo de execução do empreendimento, o que dificulta a sindicalização e a reivindicação pelos direitos trabalhistas. As horas extras também são muito utilizadas, seja para poupar custos do empregador ou aumentar as rendas do trabalhador, sem mencionar os „bicos‟ de final de semana. “50% dos trabalhadores do setor ultrapassam a jornada semanal de 44 horas e mais de 22% trabalham mais que 49 horas. Isto sem considerar que grande parte da categoria ainda faz „bicos‟ nos finais de semana” (Ibid., p. 11).

Os números para o setor demonstram a importância deste ramo da produção para a economia nacional e sua alta demanda por capital variável que, conforme o nível de exploração do trabalho, representaria, relativamente aos outros setores, baixos custos para o empreendedor. Na contramão do argumento da alta composição orgânica no setor da construção civil no Brasil está a permanência dos grandes contingentes de trabalhadores exercendo seu ofício com métodos manufatureiros nos canteiros de obras, ainda que venham sendo substituídos paulatinamente pela produção industrializada, sobremodo na última década. A maior produção de mais-valia seria um indicativo do deslocamento dos investimentos da produção de mercadorias na indústria para a produção do espaço, pela possibilidade de maiores lucros.

O setor, comparativamente a outras industrias, experimenta um atraso no que diz respeito às inovações, analisa Schwark (2006). Os especialistas e profissionais da área

140 descrevem inúmeros motivos para o atraso neste setor produtivo ou mesmo para os problemas na aplicabilidade de novos métodos e materiais. Entre as principais causas estariam: desconhecimento dos potenciais e limitações dos novos métodos adotados; o setor é pulverizado, com grande número de pequenas empresas, sem a disponibilidade de grandes aportes de capitais como nos oligopólios; o uso intensivo de trabalho de baixa qualificação e pouca especialização; leis trabalhistas que incentivam a baixa produtividade e o vínculo tênue com a empresa; falta de uma política tecnológica e industrial consistente; alta tributação e juros, atrelados a créditos limitados; tradicionalismo arraigado nos profissionais do setor; falta de logística mais moderna nos canteiros de obras; competição desigual entre as empresas, com a participação de firmas que não atendem aos critérios legais, técnicos e de qualidade, etc (SALES, SOUZA, 2001; SERRA, 20-?; SCHWARK, 2006)136.

Nessa direção, Botelho (2005) afirma que o setor imobiliário tem um papel fundamental na luta contra a tendência a baixa nas taxas de lucro, pois mesmo com os avanços técnicos possui um atraso relativo na sua composição orgânica e, por isso, uma alta produção de mais-valia, o que permitiria uma taxa de lucro mais elevada que os outros setores da produção. O autor vê a propriedade fundiária e a sua exigência de fixar um tributo como o principal impeditivo à produtividade no setor da construção. Para Tone (2010), houve mudanças tecnológicas e a incorporação de novos métodos e materiais no setor da construção, todavia, a força de trabalho continua sendo empregada extensivamente, com a intensificação do seu dispêndio, pois muitas empresas ainda preferem a manufatura no canteiro de obras.

Os dados a seguir ilustram a primazia do setor no que diz respeito à atração de capitais, fenômeno que indicaria, segundo os autores acima citados, a busca de maiores lucros:

As atividades imobiliárias foram responsáveis por 20,8% dos investimentos realizados na Grande São Paulo no período janeiro de 1995-maio de 2000, seguida pela indústria automobilística, com 17,4%, a indústria Química, com 9,8%, o Comércio varejista com 7,1% e as Telecomunicações com 6,2% (CARLOS, 2004, p. 58).

O circuito imobiliário foi, segundo Lefebvre (200-, p. 37-40), durante muito tempo um setor subsidiário, subordinado, tornando-se aos poucos um setor paralelo com a possibilidade de vir a ser o principal, caso o circuito normal “produção-consumo” entre em recessão. A estratégia dos capitais seria normalizar esse circuito como complementar e suplementar, caso decline o grande circuito normal da produção e do consumo.

136 Informações retiradas também da Revista “Conjuntura da Construção”, ano VII, nº 3, Setembro de 2010, p.

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A mobilização das riquezas fundiária e imobiliária deve ser compreendida como uma das grandes extensões do capitalismo financeiro, desde um certo número de anos; a entrada da construção no circuito industrial, bancário e financeiro foi um dos objetivos estratégicos durante o último decênio. Trata-se de um fato lógico, coerente na sociedade tal como ela é (LEFEBVRE, 200-, p. 40).

A ascensão do imobiliário, mesmo com as contradições que lhe são próprias - abusos especulativos, excessos de capitais investidos ou falta de crédito, lenta obsolescência dos produtos -, representa, segundo Lefebvre, as dificuldades, saturações, entraves das antigas indústrias, isto é, a crise pela qual passam os capitais na esfera produtiva. Desse modo, ainda que a dinâmica dos investimentos imobiliários oscilasse no tempo e no espaço, entre uma função subordinada e dominante, em decorrência das suas contradições, esse setor detém a função essencial de se contrapor a tendência à baixa do lucro médio. Isso porque, segundo o autor, o setor comporta e ainda comportará durante muito tempo uma baixa composição orgânica, mesmo com os progressivos investimentos em capital constante. “A construção (privada ou pública) proporcionou e ainda proporciona lucros superiores à média. A especulação não entra nesse cálculo, mas superpõe-se a ele; nela e por ela, através de uma mediação – o espaço – o dinheiro produz dinheiro”. (Ibid., p. 72).

Se para Lefebvre é possível afirmar que o espaço, assim como Marx afirmava para as coisas produzidas, contém e dissimula as relações sociais, notadamente a relação capital- trabalho, recupera-se a partir desta contradição a questão acerca do processo de valorização através da produção do espaço (Ibid., p. 71). Dito isso, é crível indagar para o capitalismo hodierno, se a relação capital-trabalho que se manifesta contrária ao que é nos setores produtivos tradicionais, contradição que permite o capitalista acreditar que é o seu capital o produtor de valor - por isso os sucessivos investimentos em capital constante -, é passível de similaridade nos capitais investidos no setor imobiliário.

Diante deste fetiche constitutivo do movimento do capital, propõe-se considerar a tendência ao aumento da composição orgânica no setor imobiliário, dissimulada ainda pela grande oferta de emprego neste setor relativamente aos outros setores produtivos. Importante notar que Lefebvre, embora considere a proporção superior do capital variável em relação ao constante, neste ramo da produção, não deixa de ressaltar que há um crescimento das forças produtivas (Ibid,. p. 72). O autor escreve a obra aqui tratada na década de 1970, período que talvez permita colocar a produção do espaço no centro da produção substancial de valor.

E isso apesar dos investimentos consideráveis e dos progressos técnicos. As terraplanagens e trabalhos de fundações ocupam uma numerosa mão-de-obra (e sobretudo a mão-de-obra dita “estrangeira”). De onde decorre uma taxa de lucro superior e a formação de uma massa de mais-valia da qual uma parte retorna às “empresas” (Ibid., p. 72-73).

142 Nessa direção, traz-se para análise a fração do capital responsável pela construção direta do edifício, ou seja, a porção da construção civil capaz de mobilizar o trabalho vivo na produção do espaço e impulsionar, segundo alguns autores supracitados, a massa de valor social. A seguir constam alguns apontamentos sobre o aumento da composição orgânica na construção civil.

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