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O Significado de Acesso nos Cuidados de Saúde

CAPITULO III – Enquadramento teórico/Revisão da literatura

3. O acesso aos cuidados de Saúde

3.2. O Significado de Acesso nos Cuidados de Saúde

Por definição da Organização Mundial de Saúde (1948), a Saúde “(…) é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não a mera ausência de doença e enfermidade”.

O acesso aos cuidados de saúde contribui para a melhoria da saúde e para a redução das doenças. Nos países com baixos rendimentos, os problemas de acesso residem na disponibilidade dos serviços básicos de saúde tais como a capacidade de visitar um médico, ou de receber os cuidados de saúde durante a gravidez e até mesmo durante o parto.

Na maior parte dos países em que os serviços básicos são geralmente acessíveis, a pertinência do acesso reporta a questões como o grau de compreensão que pode ser oferecido pelos sistemas de cuidados de saúde, à extensão da equidade, aos resultados dos cuidados atempados, entre outros aspectos.

O acesso aos cuidados de saúde, tem sido justificado em termos económicos pelos seus benefícios na melhoria da saúde nas várias comunidades, elevando as condições em favor do crescimento económico.

O acesso aos cuidados de saúde é visto como um direito básico do ser humano e uma meta social. De acordo com as Nações Unidas, no seu convénio sobre os direitos económicos sociais e culturais reconhece-se que “toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à

cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país”61

(Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 22).

No Artigo 25º do mesmo documento, “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à

61 De acordo com a Lei nº 32/2002 de 20 de Dezembro, que aprova as bases da segurança social, “todos têm

direito à segurança social. O direito à segurança social é efectivado pelo sistema e exercido nos termos estabelecidos na Constituição, nos instrumentos internacionais aplicáveis e na presente lei”.

alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.”

No debate ideológico e concretamente no papel apropriado do Estado62 no bem-estar

e na natureza das políticas de bem-estar, reflectem-se as aproximações dos diferentes países na prestação dos cuidados de saúde. Várias extensões consideram o cuidado de saúde como um bem público envolvendo princípios redistributivos que se baseia em taxas ou sistemas de segurança; outras porém consideram-no um bem privado, que mantém a responsabilidade dos indivíduos.

Na literatura, algumas versões consideram que os cuidados de saúde têm na sua base o financiamento público e uma disponibilização de serviços individuais. Por outro lado, outras interpretações consideram que estes por si só, podem não garantir a saúde. Uma vez que, os cuidados médicos disponibilizados, podem determinar a causa da doença ainda que com recursos a meios complementares de diagnóstico, contudo em muitas situações não são determinantes para o estado de saúde.

Existem factores importantes que dependem de políticas de saúde pública para reduzir as doenças, como a educação, a segurança no trabalho ou qualidade da água, a redução da poluição ambiental, a boa nutrição e a promoção dos comportamentos de saúde, como o exercício físico, o fumar, o beber e inclusive o comportamento sexual.

Os determinantes sociais e ambientais da saúde são diferentemente distribuídos na sociedade, com incidência nalguns grupos mais pobres, e com maiores necessidades de cuidados de saúde. Estas iniquidades na saúde devem ser combatidas por políticas públicas objectivas, com vista a reduzir a pobreza, disponibilizando melhor educação, condições de emprego entre outros aspectos.

Os cuidados de saúde têm um valor específico, pelo que melhorar a saúde não é mensurável nem quantificável. As primeiras linhas do relatório de 1983 - “Assegurar o Acesso aos Cuidados de Saúde “ o Presidente da Comissão para o estudo de Problemas Éticos em Medicina e Pesquisa Biomédica (1983)63 refere:

“A prevenção da morte ou invalidez, o alívio da dor e do sofrimento, o restabelecimento das capacidades são os objectivos dos cuidados de saúde. Por detrás dos

62 ONU (1948).

seus benefícios tangíveis, os cuidados de saúde tocam vezes sem conta em alguns aspectos misteriosos da vida pessoal cujo valor é significativo por si só”.

Tal como proporcionar saúde e bem-estar, os cuidados de saúde produzem informações sobre diagnósticos e prognósticos, intimamente relacionados com a vida das pessoas desde o início até ao fim da vida e com as oportunidades que tiveram entre estes dois momentos.

Os sistemas de saúde diferem na prioridade a ser dada ao acesso universal aos cuidados de saúde. As diferenças na aproximação aos cuidados de saúde são talhadas por forças económicas e políticas com circunstâncias históricas e valores culturais. O Sistema Nacional de Saúde está firmemente embutido na filosofia do “welfare state” abraçando noções de solidariedade, onde todos os cidadãos têm direito à saúde, educação e alívio da pobreza. Em contraste, os sistemas orientados para o mercado enfatizam a responsabilidade individual.

Questões importantes que influenciam o acesso aos cuidados de saúde, relacionam-se com o saber a forma como devem ser instituídos e distribuídos, uma vez que não são locados em função do preço. Os mecanismos postos em prática que asseguram os cuidados de saúde, deverão ser devidamente distribuídos de forma a determinar quem tem acesso aos cuidados de saúde. A equidade em termos de igual acesso a igual necessidade tornou- se um objectivo chave dos sistemas de saúde.

O acesso aos cuidados de saúde contempla a relação entre a necessidade, a

disponibilização e a utilização dos serviços de saúde. Aday e Anderson (1981)64 sugerem

que o acesso descreve a eventual entrada de um indivíduo ou grupo populacional no sistema que presta cuidados médicos.

A noção de acesso envolve aspectos diferentes, que se relacionam com os prestadores do serviço e os clientes que determinam padrões de utilização. O conceito de

acesso65 centra-se em processos que determinam a entrada no sistema de cuidados e é

utilizado em duas situações distintas:

64 Citado em Gulliford, M. e Morgan, M. (2003:4).

65 No glossário de termos da Organização Mundial de Saúde (2004) o acesso é: “The ability of an individual

or a defined population to obtain or receive appropriate health care. This involves the availability of programmes, services, facilities and records. Access can be influenced by such factors as finances (insufficient monetary resources); geography (distance to providers); education (lack of knowledge of services available); appropriateness and acceptability of service to individuals and the population; and sociological factors (discrimination, language or cultural barriers).”

• Ter acesso denota a potencialidade em utilizar um serviço caso seja requerido. Ter acesso significa que o serviço pretendido existe, está disponível, e que há sistemas que permitem a utilização do serviço;

• Obter acesso alude aos procedimentos existentes para admissão à utilização dos serviços. Neste caso, se o acesso foi obtido significa que o serviço foi utilizado. Esta definição denota a obtenção ou a utilização dos serviços de saúde.

O acesso é também identificado como uma das dimensões de qualidade dos

cuidados (Maxwell, R. J. 1984)66, o que significa, que o acesso é um conceito

multifacetado. Pechansky e Thomas67 (1981) sugerem que o conceito de acesso descreve o

"grau de ajuste" entre os clientes e o sistema de saúde. Os autores identificam cinco dimensões pertinentes à interacção entre os clientes e o serviço:

• A aceitabilidade, que se refere às atitudes e convicções dos utilizadores e dos prestadores de acordo com as suas características pessoais;

• A acessibilidade, que se refere às implicações na relação entre os custos e a necessidade do doente;

• A disponibilidade, que se refere à adequação da oferta com o volume e tipo de serviços disponíveis; e uma adequação do volume com o tipo de necessidades (procura);

• A acessibilidade física, que é definida pela conveniência do local do serviço correlacionada com o local e a mobilidade do paciente (barreiras geográficas e físicas);

• A acomodação, que se refere ao modo como os serviços estão organizados, correlacionando com as necessidades e percepção do paciente quanto à conveniência dos mesmos (hora de abertura, guia do utente, tempos de espera, etc.). Os processos de entrada e utilização dos serviços de cuidados médicos são só parte da interacção entre a oferta e a procura; o objectivo último deste contacto é promover ou preservar a saúde. O resultado do serviço é um aspecto essencial da utilização contínua. Rogers, F. et al (199968) definem o acesso óptimo como "promovendo o serviço certo no momento e lugar certo".

66 Citado em Gulliford, M. e Morgan, M. (2003:9). 67 Citado em Gulliford, M. e Morgan, M. (2003:5). 68 Citado em Gulliford, M. e Morgan, M. (2003:8).

Estas definições são somadas às noções de oportunidade e disponibilidade geográfica dos serviços. Os autores vão mais longe, ao abordar conceitos de “possíveis melhores resultados” e de “serviço certo”, insinuando a necessidade de avaliação da conveniência do serviço e a aceitabilidade do resultado, nas perspectivas do prestador e do consumidor. Neste contexto, o acesso poderia ser medido usando indicadores objectivos e apropriados, como a mortalidade ou a morbilidade; ou por indicadores subjectivos, como a satisfação dos pacientes com os cuidados prestados.

Facilitar o acesso relaciona-se com a disponibilização dos recursos apropriados a

fim preservar ou melhorar a sua saúde, pelo que existem pelo menos quatro aspectos a ter em conta:

• A disponibilização dos serviços de acordo com uma oferta adequada de modo a permitir à população aceder aos cuidados de saúde;

• Contextualizar o acesso aos cuidados de saúde com factores económicos, sociais, culturais e organizacionais cujas barreiras podem limitar a utilização dos cuidados de saúde. Assim a utilização é dependente da acessibilidade e da aceitabilidade dos serviços e não apenas da adequação da oferta;

• Que serviços disponíveis devem ser efectivos e relevantes de modo a permitir resultados satisfatórios no acesso;

• A disponibilização dos serviços e as barreiras à utilização, devem ser avaliadas contextualizando diferentes perspectivas, devem atender às necessidades efectivas, à adequação dos recursos e à variedade de grupos culturais numa sociedade.

Tradicionalmente, as disponibilidades dos serviços são obtidas a partir de indicadores que identificam os recursos disponíveis, por exemplo nos hospitais, face à área de influência, isto é, população abrangida. Contudo, verifica-se que a existência de barreiras à utilização dos cuidados de saúde, dependem da interacção de factores associados à produção, à localização dos serviços e a factores associados ao consumo dos cuidados de saúde. Na verdade, o termo “barreiras” reflecte a existência de obstáculos ao acesso dos utentes, quando na lei, os serviços estão organizados e apresentam-se aos utentes sem obstáculos de acesso.

Na perspectiva dos “policy maker’s” e dos prestadores dos serviços, os métodos de regulação ou racionalização do uso dos serviços proporcionam constrangimentos financeiros, equacionando questões como a equidade ou eficiência dos objectivos dos

serviços de saúde. Esta pertinência pode resultar em listas de espera e noutras barreiras no acesso aos cuidados, como num número de mecanismos necessários à reconciliação entre a oferta e procura.

As longas listas de espera e os tempos de espera em diferentes níveis do sistema de cuidados de saúde podem ser indicativos de barreiras organizacionais ao acesso e o resultado do uso ineficiente da capacidade existente ou a falha de identificação das necessidades dos utentes.

No que se refere à racionalização, esta pode ocorrer ao nível da aquisição dos recursos onde são formalizadas as prioridades, ou ao nível da distribuição dos serviços em que os prestadores decidem quem deve receber o serviço. Coexistindo processos de racionalização, deverão existir procedimentos correctos de gestão que permitam rentabilizar os recursos e a capacidade instalada nos serviços. Os processos de decisão são controversos, mas vão sendo cada vez mais explícitos. Na realidade, custos equitativos não proporcionam necessariamente acessos equitativos.