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O sistema de saúde no direito brasileiro

No documento O DIREITO FUNDAMENTAL À ALIMENTAÇÃO (páginas 58-64)

CAPÍTULO I A SAÚDE E O SER HUMANO

2.3 O sistema de saúde no direito brasileiro

A descentralização, com direção única em cada esfera de governo; o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e a participação da comunidade, formam os princípios norteadores de formação e funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), previstos no art. 198 da Constituição Federal, atendendo a importantes reivindicações de vários segmentos da sociedade, a de descentralização da gestão dos serviços, a integralização das ações, com a superação da dicotomia preventivo/curativo, a unidade da coordenação das políticas setoriais, a regionalização e hierarquização das unidades prestadoras de serviços, a participação popular, por meio de suas entidades representativas, na formulação da política e no

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planejamento, gestão, execução e avaliação das ações de saúde e o respeito à dignidade dos usuários pelos prestadores dos serviços, como dever inerente à função pública.

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sem exclusão de outras fontes (serviços prestados sem prejuízo da assistência à saúde, ajuda e doações, alienações patrimoniais, rendimentos de capital, taxas, multas, e preços públicos arrecadados pelo Sistema Único de Saúde, rendas eventuais)144, financiam o sistema de saúde (art. 198, § 1º, CF), sendo supletiva a iniciativa privada, mas cabe à legislação ordinária e a um consenso no interior da orçamentação integrada145 proposta no § 2º,, do art. 195, definir o quanto a saúde, previdência ou assistência social terão de recursos para os seus programas146

O art. 198, § 3º, determina sejam os percentuais destinados à Saúde definidos em Lei Complementar, reavaliada a cada cinco anos. Não há Lei Complementar e nesse caso, aplica-se o disposto no art. 77 do Ato das Disposições Transitórias: 5% para União, 12% para os Estados e 15% para os Municípios e Distrito Federal.

No que diz respeito ao capital privado, o art. 199 indica que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, sendo esta participação feita através de contrato de direito público ou convênio, celebrados preferencialmente com entidades filantrópicas e outras, sem

144 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 19.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 508. Sobre a

orçamentação integrada, veja-se comentário de Amélia Cohn e Paulo E. Elias: Os recursos para financiamento público de saúde encontra-se constitucionalmente vinculado ao Orçamento da Seguridade Social, sendo o seu detalhamento previsto pela LDO anualmente aprovada pelo Congresso Nacional. Vale registrar que é essa mesma lei que determina o percentual dos recursos arrecadados pelo Sistema Previdenciário a ser repassado para a Saúde, que no período de 1993-1994 foi motivo de intensas disputas públicas e mesmo no interior do próprio governo, entre os titulares dos Ministérios da Saúde, da Previdência Social e da Fazenda, o mesmo ocorrendo no governo subseqüente, o que indica ser o financiamento da saúde, tal como estruturado até o momento, uma fonte permanente de tensão (COHN, Amélia, ELIAS, Paulo E. Saúde no Brasil: políticas e organizações de serviços. 6.ed. São Paulo: Cortez: CEDEC, 2005. p. 97-8).

145 Sobre a orçamentação integrada, veja-se comentário de Amélia Cohn e Paulo E. Elias: Os recursos para

financiamento público de saúde encontra-se constitucionalmente vinculado ao Orçamento da Seguridade Social, sendo o seu detalhamento previsto pela LDO anualmente aprovada pelo Congresso Nacional. Vale registrar que é essa mesma lei que determina o percentual dos recursos arrecadados pelo Sistema Previdenciário a ser repassado para a Saúde, que no período de 1993-1994 foi motivo de intensas disputas públicas e mesmo no interior do próprio governo, entre os titulares dos Ministérios da Saúde, da Previdência Social e da Fazenda, o mesmo ocorrendo no governo subseqüente, o que indica ser o financiamento da saúde, tal como estruturado até o momento, uma fonte permanente de tensão (COHN, Amélia, ELIAS, Paulo E. Saúde no Brasil: políticas e organizações de serviços. 6.ed. São Paulo: Cortez: CEDEC, 2005. p. 97-8).

146 O orçamento da seguridade social destina ao Sistema Único de Saúde (SUS) recursos para realização das

finalidades previstas em proposta da direção nacional, participando órgãos da Previdência Social e da Assistência Social, de acordo com as metas e prioridades fixadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias ( MARTINS, Sérgio Pinto, op. cit., p. 508).

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fins lucrativos. Ainda no art. 199 está a vedação à comercialização de órgãos, tecidos e sangue humanos.

O financiamento da saúde, no Brasil, portanto, conjuga recursos de diversas fontes147: praticamente 2/3 deles têm origem pública, número que aumenta com as subvenções do Estado ao setor privado, tais como as decorrentes de renúncia fiscal.148. Mesmo assim, a prestação de serviços, principalmente a hospitalar é predominantemente privada149.

As instituições ou órgãos que atuam em estabelecimentos em contato direto com a população, na área da assistência médica curativa e preventiva, são, usualmente classificados em: postos de saúde utilizam-se de procedimentos simples, sem incorporação de equipamentos para prestar assistência a determinada população; centros de saúde dispõe de profissionais de nível universitário, que podem contar com alguma tecnologia, presentes em cidades de pequeno, médio e grande portes; unidades mistas desenvolvem todas as atividades de um centro de saúde, acrescendo-se leitos para internações nas áreas de pediatria, obstetrícia, clínica médica, cirurgia, emergências; pronto-socorro o atendimento é contínuo para situações de emergência médica ou odontológica, geralmente com leitos para observação e remoção hospitalar; hospital presta assistência médica em regime de internação, com funcionamento durante as vinte e quatro horas do dia, com incorporação de tecnologia em diversos graus150.

Mas as atribuições do Sistema Único de Saúde não se limitam à assistência médica preventiva e curativa. O art. 200 da Constituição Federal enuncia várias outras, tais como a execução de ações de vigilância sanitária e epidemiológica, formação de recursos humanos na área da saúde, execução e formulação de políticas de saneamento básico, atuação no desenvolvimento científico e tecnológico, fiscalização e inspeção de alimentos e bebidas, inclusive no que concerne ao teor nutricional, participação no controle e fiscalização da produção, transporte, armazenamento e utilização de substâncias psicoativas, tóxicos e radioativos, proteção do meio ambiente, incluindo o do trabalho.

147 Há duas modalidades básicas ou puras de financiamento da saúde, a privada e a pública. A privada abrange os

seguros voluntários, contratados pelas pessoas com as empresas que têm por objeto a assistência à saúde (os planos de saúde) e os pagamentos diretos feitos pelo consumidor dos serviços de saúde para instituições ou profissional. As formas de arrecadação, pelo Poder Público, são a implantação de seguro obrigatório ou contribuição compulsória administrada pelo Estado e mediante impostos, tributos, contribuições e outras taxações. COHN, Amélia, ELIAS, Paulo E., op.cit. p. 96)

148 Ibid, p. 97. 149 Ibid.

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Todo o detalhamento das diretrizes constitucionais com relação à operacionalidade das ações e serviços de saúde estão na Lei Orgânica do SUS, constituída pelas Leis 8.080/90, onde estão delineadas as políticas para a saúde e organização da administração do Sistema Único de Saúde, e pela Lei 8.142/90, que trata da participação da sociedade nas ações de saúde, além de questões financeiras.

No art. 4º, a Lei 8.080/90, define o Sistema Único de Saúde como ...conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público... , com direção única em cada esfera de governo, exercida por órgãos especiais em cada uma: no âmbito federal, pelo Ministério da Saúde e nos Estados, Distrito Federal e Municípios, pela Secretaria da Saúde ou órgão equivalente, segundo o seu art. 9º .

A Lei 8.080/90, no art. 16, traz, inclusive, a competência da direção nacional do Sistema Único de Saúde para definir e coordenar o sistema de vigilância sanitária executar serviços e, em caráter complementar, cabe a execução dos referidos serviços às direções estaduais e municipais.

Importante mencionar também a Lei 9.782/99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) com a função de regular qualquer atividade privada direta ou indiretamente relacionada à saúde pública, através de um conjunto de ações aptas a eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde. No art. 6º, § 1º, vem conceituada a vigilância sanitária: Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: I o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; II)- o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde .

Saliente-se ainda um dos desdobramentos do princípio da participação da comunidade no Sistema Único de Saúde, inscrito no art. 198, III, da Constituição Federal , a do controle social, regulamentado na Lei 8.142/91. No seu art. 1º , I, institui a Conferência de Saúde, realizada a cada quatro anos, com representação de vários segmentos sociais e no inciso II, cria os Conselhos de Saúde, nas várias esferas da federação, órgãos colegiados formados por representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais da saúde e

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usuários, com o fim de atuar na elaboração de estratégias e no controle na execução das políticas de saúde, sendo que suas decisões devem ser homologadas pelo chefe do Poder Executivo.

Essa norma importa para a consecução da descentralização, tornando concreta a sua finalidade, a de fazer com que o sistema funcione de forma a atender a diversidade de necessidades de saúde das diversas regiões que compõem o território brasileiro.

Para Amélia Cohn e Paulo E. Elias151, o instrumento fundamental para impulsionar a descentralização, é a Norma Operacional Básica, SUS 01/93 (NOB), regulamentando a participação da sociedade nos Conselhos de Saúde e principalmente o financiamento das ações de saúde prevista na Lei 8,142/91, que, no art. 3º, após ao tratar dos Fundo Nacional de Saúde (FNS) no dispositivo antecedente, determina o repasse automático dos recursos referentes a coberturas das ações e serviços de saúde a serem implementados pelos Municípios, Estados e Distrito Federal. Os autores descrevem a estratégia operacional da referida NOB, prevendo três situações de transição:

Incipiente: prerrogativa da autorização do credenciamento, descredenciamento, controle e avaliação dos serviços ambulatoriais e hospitalares do Município; distribuição da cota de AIH152 negociada

na Comissão Bipartite153; gerenciamento da rede ambulatorial pública

existente no Município; reorganização do modelo de assistência, incluindo a incorporação das ações de vigilância epidemiológica e sanitária à rede de serviços; desenvolvimento de capacitação para programar, acompanhar, avaliar e controlar suas ações de saúde.

Parcial: todas as previstas na situação anterior, acrescidas do recebimento dos recursos financeiros referentes á diferença entre o teto fixado pela Comissão Bipartite e o efetivamente gasto na assistência ambulatorial e hospitalar; aprofundamento das responsabilidades em relação à vigilância epidemiológica e sanitária.

Semiplena: exercendo a totalidade de suas responsabilidades no gerenciamento e no reordenamento do modelo assistencial. Mantém- se a série histórica dos gastos realizados como base de cálculo do teto financeiro, determinado pela Comissão Bipartite, a ser repassado diretamente para o Município 154

151 Op. cit, p. 114.

152 Autorização de Internação Hospitalar.

153 Instância de negociação governamental no nível estadual, com representantes das Secretarias Estaduais de

Saúde e membros indicados pelas entidades de representação dos Secretários Municipais de Saúde. Se houver desacordo na Comissão Bipartite acerca dos pleitos municipais, cabe recurso à Comissão Tripartite Intergestores, formada por representantes do Ministério da Saúde, do CONASS (Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde) e do CONASEMS (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde)

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A finalização dessas etapas permitiria a descentralização em avançado grau, com repasses financeiros realizados de forma direta e automática, sendo os cálculos para as transferências baseadas nos critérios populacionais e epidemiológicos, nos do art. 35 da Lei 8.080/90.

Conclui-se que todo o arcabouço do Sistema Único de Saúde, cujas linhas estão traçadas na Constituição de 88, mesmo após o tempo transcorrido da sua promulgação ainda está em construção, o que prejudica, sem dúvida, a efetividade do direito à saúde.

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