3. DIREITO À MORTE DIGNA
4.4 O suicídio assistido no direito comparado e os casos concretos
Conforme já dito alhures o suicídio assistido é prática pela qual o paciente com doença
em estágio terminal, com desesperança de cura e em sofrimento decide pôr fim a sua
vida com ajuda de outra pessoa. Essa prática vem chamando a atenção cada vez
mais, tanto pela legalização de alguns países, como a retratação nos cinemas, e em
obras como Mar Adentro (2004), Menina de Ouro (2004), O Escafandro e a Borboleta
(2007), Você Não Conhece o Jack (2010) e Como Eu Era Antes de Você (2016) que
narram as situações descritas.
Apesar dos filmes serem meramente ficção, eles trazem para sociedade um
importante debate sobre a autonomia de pôr fim a própria vida, haja vista que o direito
de morrer é parte essencial do próprio direito à vida, assim pensar o contrário é não
pensar na vida como um direito e sim como uma obrigação. Desta forma trata-se de
liberdade de escolha para os que vivenciam um momento tão delicado.
A não criminalização da prática do suicídio assistido já é realidade em países como a
Holanda, Bélgica, Suíça, Luxemburgo, Colômbia, Alemanha e em alguns estados
americanos como Oregon, Washington, Vermont, Montana e Califórnia, assim como
também o Canadá.
Na Holanda, também conhecida como Países Baixos, desde 2002 vigora a Lei da
Eutanásia, a qual regulariza a possibilidade da prática da eutanásia e do suicídio
assistido, conforme publicado em jornais de acesso mundial como El País, BBC Brasil
e Folha de São Paulo. A legislação neerlandesa exige que o paciente que opte pela
prática da eutanásia ou do suicídio assistido seja diagnosticado com doença incurável
ou em sofrimento desumano, não havendo a necessidade de distingui-lo entre
sofrimento físico ou mental.
Para Carmela Macuzzo (2016), a implementação do procedimento da eutanásia e do
suicídio assistido em outros países, como nos Países Baixos, contribui para ampliar
parâmetros de análise e compreender a complexidade dos temas.
Nesta esteira, até que o procedimento solicitado pelo paciente de eutanásia ou
suicídio assistido seja concluído haverá a participação das Comissões de Revisão
Regional para acompanhar a conduta dos médicos e de todos os procedimentos
legais, frise-se que, é a condição para que o requerimento seja aceito. A solicitação
do paciente deve ser voluntária e baseada em sofrimento insuportável e total
desesperança quanto a uma possível cura.
Não obstante a vontade seja exclusiva do paciente, o médico envolvido tem que estar
de acordo, assim aquele que não se sentir a vontade tem o direito de recusar a
participar do procedimento declinando para outro profissional da área. O médico deve
informar de forma clara acerca do quadro clínico daquele que pretende realizar o
suicídio assistido ou a eutanásia, assim como também é dever do médico envolvido
diretamente no caso consultar ao menos outro profissional especializado acerca do
quadro clínico, após isso, deve-se elaborar por escrito, de forma esclarecida e
justificada o procedimento adotado e enviá-lo para a Comissão de Revisão.
Ressalta-se que nos Países Baixos não há a possibilidade do pedido de eutanásia ou
suicídio assistido ser elaborado por algum familiar, mesmo que o paciente não esteja
em condições de expressar sua vontade, assim será necessária a análise do quadro
clínico como também as manifestações anteriores dos pacientes, e se essa for a sua
vontade caberá ao médico decidir, conforme explanado na Revista Brasileira de
Ciências Criminais (2016).
Já em alguns estados dos Estados Unidos a eutanásia é criminalizada, porém o
suicídio assistido é permitido.
No Oregon, primeiro estado americano a descriminalizar a prática do suicídio
assistido, através de um referendo em que 51% dos eleitores aprovaram a Lei da
Morte com Dignidade, os pacientes têm que ser maiores de idade, estar conscientes
e apresentar um pedido reiterado, por duas vezes de forma verbal e uma terceira, por
escrito, diante de uma testemunha. Deve ser portador de doença incurável e uma
previsão de menos de seis meses de vida. Já em Washington (em 2009, através de
referendo), Vermont (em 2013, por lei) e Montana (em 2009, depois de um caso
concreto permitido pelos tribunais e depois aprovado pela mais alta instância judicial
do Estado) avançaram com legislação semelhante ao de Oregon. Em 2015 foi a vez
de a Califórnia seguir os passos de Oregon. (CASTRO, 2016, p. 358)
No Canadá a situação não foi diferente, em 2015, por uma iniciativa legislativa do
Supremo Tribunal que considerou inconstitucional a proibição do direito ao suicídio
assistido, dando prazo de um ano para alteração da lei. Assim os juízes da mais alta
instância judicial consideraram, de forma unânime, que o direito à vida não obriga a
uma absoluta proibição da morte assistida, sustentando que isso criaria um dever de
viver ao invés de um direito à vida(CASTRO, 2016, p. 359).
Com efeito, após essas marcantes evoluções legislativas pelo mundo alguns casos
se tornaram emblemáticos no que diz respeito ao suicídio assistido.
Em 2014 a americana Brittany Maynard trouxe a público a notícia de que havia
escolhido o dia para sua morte. Em janeiro daquele mesmo ano a americana foi
diagnosticada com um tumor cerebral maligno, um dos tipos mais graves, chamado
glioblastoma, e depois de tentativas – falhas e inúteis - de amenizar o impacto do
tumor em seu organismo optou pelo suicídio assistido. Em uma publicação na sua
rede social Brittany despediu dos amigos e deixando uma mensagem:
Adeus a todos os meus queridos amigos e à família que eu amo. Hoje é o dia que eu escolhi para morrer com dignidade diante da minha doença terminal, esse terrível câncer cerebral que levou tanto de mim... mas teria levado muito mais. O mundo é um lugar lindo, viajar foi uma grande lição, meus amigos íntimos e todos os outros são os mais generosos. Eu até tenho um anel de apoio ao redor da minha cama enquanto eu digito. ... Adeus, mundo. Espalhe boa energia. (MAYNARD, 2014)
A escolha da americana em pôr fim a própria vida se deu por saber que os tratamentos
médicos disponíveis em nada alterariam o seu estado e apenas trariam falsas
expectativas a ela e a sua família. Brittany faleceu após a realização do procedimento
solicitado por meio de suicídio assistido em 1º de novembro de 2014, no estado de
Oregon, Estados Unidos. O procedimento alternativo para dar fim à vida de Brittany
foi possível pois, conforme disposto anteriormente, o requerimento foi realizado dentro
dos pré-requisitos dispostos pela lei estadual de Oregon.
O suicídio assistido do britânico Craig Ewert também trouxe grande repercussão.
Craig, tinha 59 anos e sofria de uma doença neurológica incurável que afetou toda
sua parte motora. Com ajuda da organização suíça Dignitas, Craig morreu tomando
uma mistura de sedativos e depois se desligou dos tubos que o mantinham respirando.
Antes de morrer, Craig escreveu “eu gostaria de continuar, mas realmente não
consigo mais. Quando você está completamente paralisado, não pode falar, não pode
andar, não pode mexer seus olhos, como pode mostrar aos outros que está sofrendo?
”.
A repercussão se deu pelo fato de que o momento em que o Craig dá início aos atos
preparatórios do suicídio assistido é filmado e posteriormente transmitido pelo canal
britânico Sky Real Lives, dirigido por John Zaritsky.
De fato, a escolha pelo suicídio assistido é um tabu e ainda choca muito as pessoas
além de trazer um grande debate, não só pela autonomia do fim de vida, mas como
também as ordens morais e religiosas. Porém, é necessário compreender que, a
permissão de métodos alternativos para encerrar a vida, trará mais dignidade aos
indivíduos que necessitam encerrar o sofrimento irreversível.
5 CONCLUSÃO
A vida é o bem mais precioso que o indivíduo possui, sendo protegida pela legislação
brasileira de forma ampla. O bem-estar e a integridade física do ser humano é matéria
de discussão constante, uma vez que são expressão da sua dignidade.
A dignidade humana, igualmente ao direito a vida, são matérias resguardadas pela
Constituição Federal de 1988, assegurando ao indivíduo o direito de continuar vivo e
o direito em ter uma vida digna. Porém, a dignidade não se limita a apenas a prestação
de educação, saúde e alimentação, incluindo também a autonomia individual,
liberdade e a integridade física e moral, que garantem ao indivíduo a possibilidade de
realizar suas próprias escolhas, completando o conceito de dignidade.
Conforme amplamente discutido no presente estudo, a dignidade humana não deve
apenas limitar-se à vida, pois todos possuem o direito constitucional de proteção a
uma vida digna, sendo necessário garantir, da mesma forma, uma morte igualmente
digna.
Ao se deparar com uma insatisfação de vida, ou em situações médicas que não
possuem recursos ou possibilidades de melhora, o indivíduo necessita da liberdade
para encerrar sua vida da maneira que melhor lhe convém.
Diferentemente da autonomia da vontade, que é definida como a liberdade para agir
como o indivíduo entender, a autonomia privada limita-se ao que é permitido pela
legislação vigente. Porém, cumpre salientar que a vida é de propriedade apenas do
indivíduo que a detém, não cabendo ao Estado limitar as formas que o indivíduo deve
ou não encerrar sua existência.
De acordo com o exposto nos tópicos anteriores, no Brasil ocorrem em média, 11 mil
casos de suicídio todos os anos, sendo realizado através de formas dolorosas e
indignas.
Desta forma, verifica-se que, mesmo com a ausência de legislação acerca da
possibilidade de encerrar a vida de maneira pacífica, a prática de suicídio é recorrente
na vida dos brasileiros.
Após a diferenciação de eutanásia, distanásia, ortotanásia e suicídio assistido,
verificou-se que, apesar de tratarem de maneiras distintas de encerrar a vida, o
suicídio assistido tem como objetivo proporcionar um fim mais digno e confortável para
o indivíduo.
Esta hipótese possibilita ao indivíduo organizar sua vida pessoal antes de vir a óbito.
Ou seja, permite a pessoa concluir se, de fato, falecer é a melhor opção para a solução
do problema que enfrenta.
Conforme demonstrado, a prática do suicídio assistido configura crime previsto no art.
122 do Código Penal na modalidade prestar auxílio para o sujeito ativo, sendo
indiferente se a prática ocorreu por motivo humanitário e com o fim de colocar fim ao
sofrimento do sujeito passivo.
Ressalta-se que a legalização do suicídio assistido não ferirá a bioética que tem como
objetivo regular as relações entre médicos e pacientes, principalmente em situações
como reprodução assistida, aborto, clonagem humana, transfusão de sangue,
transplante de tecidos e órgãos, eutanásia e etc., refletindo, na verdade a
humanização necessária e decorrente destas complexas relações.
A experiência de países como Holanda, Bélgica, Suíça, Luxemburgo, Colômbia,
Alemanha, alguns estados americanos e o Canadá, que permitem o suicídio assistido
demonstram, que a legislação brasileira ainda precisa evoluir muito para que ofereça
um tratamento adequado ao assunto. Verifica-se também que o obstáculo cultural e
religioso ainda é um fator preponderante para a ausência de regulamentação no
Brasil, influenciando sobremaneira as opiniões contrárias a legalização do suicídio
assistido.
A prática do suicídio assistido está em consonância com o princípio da dignidade da
pessoa humana, constituindo-se em um instrumento para seu exercício,
principalmente através da autonomia da vontade que garante ao indivíduo o direito de
viver sua vida da melhor forma que lhe convier, sem interferência do Estado,
limitando-se somente a garantir limitando-seu pleno exercício, abstendo-limitando-se de práticas arbitrárias e
coibindo particulares que violarem a esfera de direitos individuais de terceiros.
Desta forma, conclui-se que a dignidade humana não deve limitar-se apenas à vida,
mas, também, no momento da morte, pois trata-se de uma escolha individual, e
indiscutível pelo Estado, devendo apenas ser respeitada.
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No documento
FAMIG - FACULDADE MINAS GERAIS JÚLIA RICCI RODRIGUES. SUICÍDIO ASSISTIDO: direito à morte digna
(páginas 51-63)