3. DIREITO À MORTE DIGNA
4.2 Relação entre os princípios da autonomia e os princípios da bioética
Os desenvolvimentos tecnológicos, científicos e sociais que passaram a ocorrer a
partir do Século XX relacionados às ciências biológicas e ao cuidado com a saúde,
acabaram entrando em conflito com as concepções já existentes em relação a
tratamentos médicos, obrigações morais dos profissionais da saúde e da sociedade
com relação aos indivíduos doentes.
Assim, a partir desse contexto surge o conceito da bioética, formulado por Van
Rensselaer Potter, em 1971, como disciplina acadêmica que faria uma verdadeira
ponte entre a ciência biológica e a ética, representando um grande avanço.
Segundo Potter (1998), a bioética não é um ramo da biologia em si, mas sim da ética,
definindo os deveres do homem para com outro homem, e de todos para com a
humanidade.
A bioética fora abordada em diversas perspectivas e a maioria delas voltadas à ciência
biomédica, contudo, as doutrinas mais recentes passaram a estudá-la em um contexto
mais amplo envolvendo também a preocupação com a saúde pública.
Assim, “a vida deve ser conduzida de forma ética, ou seja, de acordo com o bem-estar
de todos, prevalecente na sociedade existente, com os limites impostos por esse
mesmo conjunto de homens e mulheres” (NAMBA, 2015, p. 21).
A bioética permeia vários assuntos pautando as relações humanas entre médicos e
pacientes, em situações como reprodução assistida, aborto, clonagem humana,
transfusão de sangue, transplante de tecidos e órgãos, eutanásia e etc.
Em 1974, fora publicado um relatório denominado Belmont, após um criterioso estudo
sobre como se deveria nortear às relações humanas nas ciências. Este relatório
tornou-se então um guia para a ética da experimentação humana. Decorreram deste
estudo três princípios que são pilares da bioética, sendo eles: princípio da autonomia,
princípio da beneficência e princípio da justiça, os quais serão discorridos a seguir.
O princípio da autonomia é entendido como a forma dos indivíduos capacitados de
deliberarem sobre suas próprias escolhas. É a autodeterminação do paciente em
decidir sobre sua vida, sua saúde psicológica e física, suas relações sociais, entre
outros.
Nesta linha de pensamento, André Luis Adoni colaciona que o princípio da autonomia:
Implica a concepção de que a pessoa deve ser compreendida e tratada como ente autônomo, exasperando-se o dever de cuidado, zelo, diligência e efetiva proteção às pessoas que tenham sua autonomia diminuída. Este princípio está relacionado de modo imanente ao tão propalado e difundido dever essencial e absoluto de consentimento livre e informado. A autonomia somente encontrará espaço para seu exercício desde que seja verificado o inequívoco e irrestrito cumprimento ao dever de informação, que tem por fito alcançar o livre consentimento. (ADONI, 2003, p. 395)
Desta forma, o princípio supracitado implica no respeito pelas escolhas e opiniões,
segundo valores e crenças pessoais de cada indivíduo.
Seguindo a análise, tem-se o princípio da beneficência, que não se confunde com a
ausência de danos, consiste na realização de atos que farão bem ao próximo.
Conforme Adoni (2003, p. 395) este princípio visa “ampliar a ocorrência dos benefícios
ao ser humano, com seguido reflexo na busca de minimizar os prováveis riscos que
são ínsitos às investigações da ciência no âmbito do ser humano”.
O princípio da justiça, que se confunde com o princípio da equidade, estabelece a
condição de tratar cada indivíduo conforme a moral, dando-lhe o que é devido.
Segundo Adoni (2003), reflete a imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios.
Desta forma, a proteção pela necessidade de conferir ao indivíduo aquilo que melhor
lhe convém, é matéria de análise no direito e na medicina, sendo necessário priorizar
a sua autonomia, uma vez que a vida deve ser regida nos termos em que cada um
decidir.
Atualmente, já é possível no Direito brasileiro, diante do exercício da futurologia,
deixar por escrito suas vontades, através de um documento denominado testamento
vital. O testamento vital, é o instrumento pelo qual qualquer pessoa poderá
estabelecer quais tratamentos receberá e quais não devem ser utilizados em uma
eventual enfermidade, assegurando assim sua autonomia existencial.
Salienta-se que testamento vital não se confunde com testamento post mortem, o qual
o indivíduo declara suas vontades a serem realizadas após sua morte, e é
amplamente discutido no Código Civil Brasileiro de 2002.
Corroborando o que já fora dito acerca do testamento vital, Maria de Fátima Freire de
Sá e Diogo Luna Moureira lecionam que:
Hoje, as diretivas antecipadas de vontade têm a função de dar ao paciente o poder de recusar tratamentos e, também, de escolher, dentre aqueles possíveis, o tratamento que lhe convém, o que significa que estamos diante do exercício da autonomia privada do paciente. Acontece que esse instrumento serve para a manifestação de vontade para o futuro, em caso de estado de inconsciência. (SÁ; MOUREIRA, 2015, p.183).