• Nenhum resultado encontrado

O SURGIMENTO DAS PRISÕES

No documento Saúde mental no sistema prisional (páginas 33-36)

PARTE I DISSERTAÇÃO 27 1 Introdução

2.1 O SURGIMENTO DAS PRISÕES

Desde o início das sociedades primitivas, já havia a preocupação em discriminar quais comportamentos seriam coerentes com as

ideologias de justiça do grupo. A visão jurídica da criminalidade, tal como atualmente, teve origem ideológica e prática apenas ao final do século XVIII (SANTOS, 2005). Na antiguidade, não havia a noção plena da privação de liberdade como sanção penal – o direito era influenciado pelo Código de Hamurabi ou “lei do Talião” (“olho por olho, dente por dente”). Na época, o encarceramento de delinqüentes não tinha caráter de pena, e sim de preservação dos réus, como custódia até seu julgamento ou execução (pena de morte, penas corporais e penas infamantes), ou com finalidade de tortura (MAGNABOSCO, 1998).

Na Idade Média na maior parte da Europa ocidental, as sanções estavam submetidas ao arbítrio dos governantes, que as impunham em função do “status” social a que pertencia o réu. Os condenados eram o centro de espetáculos (guilhotina, forca, amputações, etc.) em que se promovia a dor e o sadismo. O suplício dos condenados tinha função jurídico-política – trava-se de um cerimonial para reconstituir a soberania lesada. O suplício não somente restabelecia a justiça, mas reativava o poder. (FOUCAULT, 2010).

O marco crucial desta mudança se deu na Idade Moderna, a partir da obra do italiano Cesar Beccaria - Dos Delitos e das Penas (em italiano Dei delitti e delle pene), publicado em 1764. A repercussão foi tamanha que forçou modificações na legislação de vários países. Beccaria sustentou a tese de que as penas constituíam uma espécie de vingança coletiva, e que essa concepção justificava a aplicação de punições de conseqüências muito superiores e mais terríveis do que os males produzidos pelos delitos, condenando o direito de vingança. Portanto, a pena para o criminoso deveria deixar a forma de punição, e assumir a de sanção. O criminoso não seria alguém paralelo à sociedade, mas alguém que não se adaptou às normas preestabelecidas. O direito de punir deveria seguir uma utilidade social, ressaltando a necessidade da publicidade e da presteza das penas (BECCARIA, 2000).

Foucault considera que, o verdadeiro objetivo da reforma judicial na Idade Média, não é tanto fundar um novo direito de punir a partir de princípios mais equitativo, mas estabelecer uma nova “economia” do poder de castigar, assegurando uma melhor distribuição dele. Ou seja, a reforma do direito criminal como uma estratégia para o remanejamento do poder de punir. Entre o fim do século XVIII e começo do século XIX, ocorre o que Foucault identifica como o desaparecimento do espetáculo dos suplícios e a extinção do domínio sobre o corpo. A relação castigo-corpo toma a forma de reclusão, trabalhos forçados, servidão, interdição, deportação. A partir de então, passa a prevalecer a idéia de que o essencial na pena é procurar corrigir, reeducar ou curar –

a punição torna-se vergonhosa para o judiciário. Passa-se a utilizar de outros técnicos para substituição do carrasco – os guardas, médicos, psicólogos, educadores, religiosos, etc.

Introduzindo solenemente a as infrações no campo dos objetos susceptíveis de um conhecimento científico, dar aos mecanismos da punição legal um poder justificável não mais simplesmente sobre as infrações, mas sobre os indivíduos; não mais sobre o que eles fizeram, mas sobre aquilo que eles são, serão, ou possam ser (FOUCAULT, 2010).

Considera-se que a partir de 1830 desapareceram os suplícios. Foucault identifica um momento central na história da repressão: a passagem da punição à vigilância. Momento em que se percebeu que, segundo a economia de poder, poderia ser mais eficaz e rentável vigiar que punir. Porém, já nos primórdios da reforma penal ao final da idade média havia divergências entre os juristas de que a prisão não era uma forma de punição mais do que uma garantia sobre a pessoa e seu corpo (FOUCAULT, 2008 e 2010). Então, a partir do final do século XIX, começam a surgir as primeiras penitenciárias, influenciadas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1789, que defendia a integridade física e psicológica do indivíduo sob custódia do Estado. As primeiras penitenciárias visavam a privação a liberdade do criminoso e buscar a normalização do comportamento social (SANTOS, 2005):

A prisão tem sido nos últimos séculos a esperança das estruturas formais do Direito em combater o processo da criminalidade. Ela constituía a espinha dorsal dos sistemas penais de feição clássica. É tão marcante a sua influência (...) que passou a funcionar como centro de gravidade (MAGNABOSCO, 1998).

Segundo Foucault, é preciso abandonar a ilusão de que a penalidade é antes de tudo uma maneira de reprimir os delitos. De fato, o poder sobre o corpo nunca deixou de existir – não se centralizando a pena no suplício, esta passou a ser definida pela perda de bens ou direitos. Mesmo os trabalhos forçados da prisão ou a simples privação da liberdade não funcionariam sem certos “complementos”: alimentação precária, privação sexual, expiação física, etc. Ademais, a tortura

judiciária no ritual de inquisição e confissão constitui os pontos remanescentes de aplicação do castigo do suplício. Não obstante, a crença de que as prisões seriam instrumentos de transformação dos indivíduos não se concretizou – desde as primeiras prisões constata-se que servem mais para aprofundar os detentos na criminalidade (FOUCAULT, 2008 e 2010).

Somente em 1948, com a Declaração dos Direitos Humanos, a comunidade das Nações Unidas buscou assegurar como direitos básicos dos cidadãos a saúde, a segurança pessoal, a presunção da inocência e o direito de justiça, entre outros, alem de rejeitar as práticas de tortura ou castigo (ONU, 1948). Outros instrumentos legais internacionais também foram criados para a preservação dos direitos dos detentos, como p. ex., a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Resolução da ONU que prevê as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso.

2.2 O SURGIMENTO DAS INSTITUIÇÕES PSIQUIÁTRICAS

No documento Saúde mental no sistema prisional (páginas 33-36)