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PRÁTICAS TRANSGRESSORAS 1 Agressões físicas e abusos sexuais

No documento Saúde mental no sistema prisional (páginas 113-117)

PARTE I DISSERTAÇÃO 27 1 Introdução

5. RESULTADOS E ANÁLISE

5.6 PRÁTICAS TRANSGRESSORAS 1 Agressões físicas e abusos sexuais

De modo geral, na percepção dos administradores, agressões físicas entre os presos muitas vezes são inevitáveis, porém não acontecem com tanta freqüência, pois geralmente coibidas pela equipe de segurança. Porém, perceberam-se momentos de hesitação e receio por parte dos administradores em falar sobre este tema.

“Sempre existe, não tem como eliminar completamente. Mas acredito

que, pela lotação que nós temos, pelo espaço físico que nós temos, até que tem ocorrido pouco” (UE1)

Nenhum dos administradores concorda com o uso de ameaças ou práticas de agressões físicas contra os detentos, e nenhum deles revelou acontecer este tipo de castigo em sua gestão. Em geral, o procedimento em suspeita de agressão física é a realização de exame de corpo de delito e, se necessário, abertura de sindicância para investigação. Um dos administradores relatou ocorrer denúncias falsas por parte dos detentos para prejudicar os agentes prisionais.

Percebeu-se um receio e hesitação ainda maior por parte dos administradores em discorrer sobre o abuso sexual nas unidades, que, na maioria das vezes, forneceram respostas vagas ou negando tais práticas. Um administrador confirmou que existem abusos sexuais, mas que não tem tomado conhecimento, ou seja, não chegam denúncia até ele. Outros dois relataram que existem apenas relações homossexuais consentidas em sua unidade:

“Abusos sexuais que acontecem ficam muito só entre eles, nós acabamos

não sabendo.” (PT1)

Essa

minimização das práticas de abuso sexual correlaciona-se com a falta de relatos sobre as DST. É possível que a transmissão de DST seja alta entre os detentos em algumas unidades.

Um dos administradores acredita que a instalação de câmaras de monitoramento poderia minimizar a ocorrência de abuso sexual e agressões físicas na unidade prisional. O abuso sexual parece estar mais relacionado ao detento condenado por crime contra a dignidade sexual (“crimes sexuais” ou “crimes contra o costume”). Um dos participante relatou sobre uma “justiça interna” entre a população carcerária:

“O que mais acontece é quando a gente mistura. (...) Se eu colocar uma

pessoa que foi presa por crime contra os costumes e quaisquer outros com ele, eles vão praticar o ato de violência, não necessariamente ao ato de violência sexual, mas física, de lesões corporais. (...) A gente já previne, já vai se preparando. Teve um fato na semana passada, que ele chegou aqui com mandado de prisão e não disse que era acusado de estupro. (...) e os presos descobriram, mas aí já teve a intervenção dos agentes. (...) A gente separa eles por galerias, há esse controle aqui. (...) Acabam pagando pelos crimes que cometeram – não pela justiça, mas quem cobra são seus pares. (...)Também ocorre com quem vem pela lei Maria da Penha, violência doméstica...” (...) eles fazem justiça com as próprias mãos. (...) Se for ver, a maioria deles já bateu em mulher, já praticou violência doméstica. Mas eles não aceitam que a pessoa seja presa por isso.” (PS3)

Percebe-se que os próprios presos possuem um código de valores, diferente da justiça “oficial”, em que aplicam suas próprias sentenças e punições. Trata-se de um sistema de justiça paralelo, em que o condenado sofre outro tipo de condenação. É comum que esta justiça paralela seja consentida pelos próprios agentes prisionais, principalmente quando se trata de crimes contra a dignidade sexual.

Dois participantes mencionaram que os crimes sexuais são mais comuns em determinadas regiões, talvez por questões culturais. O administrador de uma penitenciária trouxe contribuições relevantes sobre sua experiência nesta questão. Em sua unidade, estes indivíduos recebem acompanhamento de acadêmicos de psicologia. Há a percepção de que existe uma dinâmica diferente do preso comum em relação à prática do crime e aspectos relacionados à redução da incidência. Quando detidos, precisam ser segregados dos demais detentos.

“Nos crimes contra os costumes ou contra a liberdade sexual, é muito

importante que haja um entendimento dos nossos legisladores. (...) Eu tenho problema com esses indivíduos, primeiro que toda a estrutura que eu tenho aqui de reintegração é um faz de conta para eles, né. Porque para eles, via de regra, vem de uma família bem estruturada, com uma boa formação, com uma boa apresentação social, falam bem, se expressam bem... E além do que, mesmo no sistema prisional, eles acabam ficando dentro da segregação uma nova segregação. Não existe aceitação do ser humano, mesmo delituoso (..) A gente precisa entrar com alguma coisa muito mais contundente nessa questão, porque não é uma questão só social ou de oportunidade individual, (...) é uma psicopatia... (...) algumas pessoas perguntam: „Ah você é a favor de pena de morte, é a favor da prisão perpetua, é a favor da castração química‟. Não, sou a favor de uma discussão bem amparada utilizando todo o conhecimento da psiquiatria, da psicologia, trazer isso para o meio político e discutir essas informações. (...) Nós estamos distante dessa discussão, „prendemos soltamos, prendemos soltamos‟. E sabemos que esses indivíduos tem uma reincidência muito maior do que qualquer outra tipificação criminosa no sistema.(...) Percebemos que a rotina do atendimento específico para esse indivíduo na psicologia dentro do departamento prisional, fez com o que ele ficasse mais disposto a comentar sobre o crime, a comentar sobre o problema dele.(...) É um sinal de que ele quer mudança, ao contrário dos demais que negam todos os delitos.” (PT1)

Percebe-se que o sistema prisional catarinense carece de uma abordagem diferente para as diversas tipificações criminais. O sistema de ressocialização deve ser individualizado, tendo de ser considerar que, em alguns crimes, a chance de recuperação é muito baixa, havendo de se discutir outras abordagens.

5.6.2 Práticas de extorsão ou corrupção entre os detentos

Todos os administradores concordam que existam práticas de extorsão, corrupção, aliciamento ou outras mediante ameaças entre os

presos. Porém, percebeu-se em parte de alguns administradores alguma reação de negação e minimizando de tais condutas. Alguns participantes relacionam as pequenas práticas de extorsão e corrupção entre os presos como o princípio e a continuidade de comportamentos anti-sociais e relacionados à criminalidade. Ou seja, que este tipo de comportamento é gerador de conflitos, tensões entre os presos e os agentes prisionais, podendo evoluir para brigas ou rebeliões. Tais práticas estariam relacionadas a uma “cultura das prisões”, e que a unidade prisional tem o papel de buscar eliminar essas influências, tendo em vista os objetivos de recuperação dos detentos:

A gente cortou esse código deles, e colocou aqui que os valores são outros (...). Então não tem aquele espírito de bandidagem né. (...) A gente procura estar cuidando nesse sentido, de não ter venda, não ter comercialização no caso de dinheiro, de cama, colchão. (...) Porque a gente sabe que é ali que é o „ninho‟ onde cresce as bandidagens, os acertos.” (UPA3)

A citação do PGC – Primeiro Grupo Catarinense11 – apareceu na fala de três administradores. Nas unidades onde há maior atuação do PGC, os detentos que ali ingressam são muitas vezes são aliciados mediante ameaças.

“O grande problema nosso agora em Santa Catarina (...) é um grupo

criminoso. Antigamente tinha quem queria ser o chefe das gangues dentro dos presídios (...) Mas hoje o PGC obriga as pessoas que querem entrar pro grupo a „pôr em prova‟” (PS3)

“No meio entre eles existe uma lei que a gente sabe que tem - mas não

sabe como que é - mas existe uma lei entre eles que você tem que ter certos comportamentos. (...) a questão do PGC que está crescendo no Estado e tal. Existe uma lei que você quando chega pra ganhar espaço, pra ganhar respeito você tem que fazer certas frentes, você tem que enfrentar o agente, e tal...

(UPA4)

Percebe-se os efeitos negativos para a segurança da unidade prisional e a influência negativa no sistema ressocializador quando há atuação de facções criminosas. As unidades com maior ocorrência de rebeliões e fugas são aquelas com maior atuação destes grupos, como é o exemplo das grandes revoltas que ocorrem nos estados do Rio de

11

O PGC (Primeiro Grupo Catarinense) surgiu como o modelo dos grupos criminosos das grandes capitas - o PCC (Primeiro Comando da Capital, em São Paulo) e o CV (Comando Vermelho, no Rio de Janeiro).

Janeiro e São Paulo. Muitos detentos, ao ingressarem no sistema prisional, perdem qualquer chance de sair da criminalidade, e, do contrário, aperfeiçoam-se no crime organizado.

No documento Saúde mental no sistema prisional (páginas 113-117)