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Em meados de 2003, ocorreram, em diversos setores da sociedade acriana, amplos debates sobre a criação de uma instituição de ensino superior – a Universidade da Floresta. Esses debates culminaram no seminário “A Universidade do Século XXI na Floresta do Alto Juruá”, organizado pelo então deputado federal Henrique Afonso, do Partido do Trabalhadores (PT).43

O evento aconteceu no dia 9 de outubro de 2003, no Teatro dos Nauas, em Cruzeiro do Sul (AC), e contou com a participação de representantes de diferentes instâncias de governo e de organizações não-governamentais (Ongs), de empresas, de movimentos sociais, além de representantes de instituições de ensino e pesquisa da região e de diferentes instituições científicas nacionais e internacionais, deputados e vereadores dos cinco municípios da região do Juruá.

Para o deputado federal Henrique Afonso (2010), o evento:

[lançou] os subsídios de um novo projeto de ensino integrado à pesquisa e participação comunitária [...]. Nesse seminário iniciou-se a realização da Universidade da Floresta, já que ali foi estabelecido um grande consenso sobre o caminho a seguir (LIMA, 2010, p. 12).

Os debates sobre a criação da Universidade da Floresta alcançaram certa projeção nacional quando o jornalista Elson Martins, de Rio Branco (AC), escreveu um artigo para o Jornal Página 2044:

43 Henrique Afonso Lima na época dos eventos em torno da criação da Universidade da Floresta era deputado

federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Hoje é deputado federal, porém pelo Partido Verde (PV).

O debate originado em diversos setores da sociedade acreana sobre uma Universidade da Floresta trouxe consigo uma proposta tão ousada quanto necessária: a criação de um novo conceito de universidade em que o conhecimento tradicional e o conhecimento científico são tratados em pé de igualdade [...]. Na complexidade desse debate caberá aos mestres da floresta um lugar especial, uma vez que o pressuposto central do projeto é que o conhecimento se constrói com a participação tanto da Academia como das populações tradicionais (MARTINS, 2007).45

Em 2007, Elson Martins retomou o debate sobre a criação da Universidade da Floresta em seu artigo “Sonhos na Floresta”46. O objetivo do artigo era, segundo o autor, esclarecer alguns colegas que freqüentemente lhe perguntavam sobre a “sua Universidade da Floresta”. De acordo com Elson Martins, ele e a antropóloga Lúcia Helena de Oliveira Cunha, atendendo ao pedido do então vice-governador e secretário da educação do estado do Acre, Binho Marques47, começaram a pensar em como desenvolver os conceitos que fundamentariam a criação da Universidade da Floresta no Vale do Juruá (AC).

Realizou-se, assim, em Brasília, uma primeira reunião com o intuito de traçar os primeiros passos para a concretização da ideia de uma Universidade da Floresta. Nessa reunião estavam presentes o então vice-governador Binho Marques e o engenheiro e economista Fernando Garcia. A ideia era elaborar um documento para ser entregue ao então governador Jorge Viana48. Elson Martins e Lúcia Helena de Oliveira Cunha se encarregaram de escrevê-lo, dando-lhe o título de “Universidade da Floresta – UNIFLORESTA (Um Breve esboço para o arranque)”. O documento é composto por cinco partes, a saber: 1. Princípios Gerais; 2. Objetivos; 3. Metodologia; 4. Linha de Ação, que compreende um conjunto de 12 iniciativas e programas.

45 O artigo “Sonhos da Floresta” de Elson Martins foi publicado no Jornal Página 20 em 2007. Disponível em:

<http://pagina20.uol.com.br/23092007/almanacre>. Acesso em: 27 jan. 2014.

46

Disponível em http: <//pagina20.uol.com.br/23092007/almanacre.htm>. Acesso em: 27 jan. 2014. As informações que seguem foram obtidas na entrevista que realizei com o jornalista.

47 Arnóbio Marques de Almeida Júnior, ou Binho Marques, foi vice-governador do estado Acre de 2003 à 2006

pelo Partido dos Trabalhadores (PT). No período acumulou funções de Secretário de Estado de Educação e de Secretário de Desenvolvimento Social. Fonte: <whttps://Wikipédia.org/wiki/binho_Marques>. Acesso em: 14 maio 2014.

48 Jorge Viana ocupou vários cargos eletivos pelo Partido dos Trabalhadores. De 1993 a 1996 foi prefeito de Rio

Branco; de 1998 a 2006 foi governador do estado do Acre e atualmente é senador da República pelo mesmo estado. Disponível em: <www.jorgeviana.com.br>. Acesso em: 14 maio 2014.

Apresento aqui alguns pontos que considero fundamentais para entender o projeto Universidade da Floresta proposto por Elson Martins e Lúcia Helena de Oliveira Cunha.

Esta Universidade, com características singulares, está assentada na ética da sustentabilidade, perpassando as distintas linhas de ação, que deverão articular formas de desenvolvimento próprias com a conservação da natureza amazônica, sob um prisma holístico. Nesse sentido, com base nesta ética e na perspectiva da pluralidade cultural (regional, nacional e planetária), várias formas de linguagens de diferentes campos e espaços têm lugar, desde a linguagem seringueira e indígena, em sua expressão oral e escrita até a linguagem técnico-científica, poética e artística (MARTINS; CUNHA, s/d).

Dentre os objetivos da nova universidade, os autores consideram:

[...] Criar um fórum permanente de circulação de saberes, em caráter dialógico, articulando diferentes sistemas cognitivos dos povos da floresta (índios, seringueiros e ribeirinhos) em conjunção com o conhecimento científico formal, tendo como metas principais o desenvolvimento de programas educativos, culturais, bioeconômicos, pautados na ética da sustentabilidade, que levem à melhoria da qualidade de vida das populações amazônicas (MARTINS; CUNHA, s/d).

Dentre as metodologias, o documento propõe: “que índios, seringueiros, ribeirinhos não somente intercambiem idéias e experiências históricas, mas se constituam em mestres da Universidade com base em seus saberes tradicionais”.

Dentre suas linhas de ação, chamo a atenção para a de nº 6:

[...] Elaboração do projeto Memória dos Sábios – as artes da floresta. Este projeto poderia embasar a proposta acima, procurando resgatar os saberes eco-produtivos e simbólicos dos índios, seringueiros e ribeirinhos, cujo resultado poderia ser a produção de vídeos, cadernos com depoimentos, desenhos, fotos, livros e exposições. Este material deveria circular nas escolas, entidades comunitárias, sindicais e circuito urbano (MARTINS; CUNHA, s/d).

No documento sob análise, o jornalista Elson Martins e a antropóloga Lúcia Helena de Oliveira Cunha explicitam o que concebem como uma Universidade da Floresta: advogam a relação de igualdade entre distintos regimes de conhecimentos – o conhecimento dos povos da floresta e o conhecimento científico –, ao mesmo tempo que propõem que índios, seringueiros e ribeirinhos tornem-se mestres de seus saberes tradicionais nesse novo modelo de universidade.

Alguns dias após finalizarem o documento, Elson Martins o entrega ao então governador Jorge Viana. Segundo o jornalista este foi o último encontro dele com o governador para tratar da Universidade da Floresta49. Ainda de acordo com as declarações de Élson Martins “o deputado federal Henrique Afonso, do PT, se empenhava em ampliar a presença da Universidade Federal do Acre em Cruzeiro do Sul. E, surpreendentemente, passou a falar em Universidade da Floresta”50. Todavia, segundo Elson Martins “havia apenas uma instituição com esse nome, aquela que ele e a antropóloga Lúcia Helena de Oliveira Cunha estavam conceituando”.51 Para Elson Martins:

A universidade que julgamos “pirata” foi oficializada, instalada e entregue em mãos de vários doutores. Aqui e ali a gente ouve comentários desfavoráveis à instituição, mas não sabemos como andam as coisas por lá. A Uniflora, como passou a ser chamada, é uma realidade e deve cumprir importante papel no Juruá. Eu, pessoalmente, torço para que isso aconteça (MARTINS, 2007).52

A universidade “pirata” à qual Elson Martins se refere é, na verdade, o campus Floresta – UFAC, uma extensão da Universidade Federal do Acre, situada em Cruzeiro do Sul, a qual já se encontrava em funcionamento. Contrariamente ao que ocorreu, Marechal Thaumaturgo era o município escolhido por Elson Martins e por Lúcia Helena de Oliveira Cunha para sediar a Universidade da Floresta que idealizaram. Embora seja um dos municípios mais distantes da capital do Acre, Marechal Thaumaturgo53 é próximo da Reserva Extrativista do Alto Juruá e de várias terras indígenas.

49 MARTINS, Elson. Sonhos da Floresta. Artigo publicado no Jornal Página 20 em 2007. Disponível em:

<http://pagina20.uol.com.br/23092007/almanacre>. Acesso em: 27 jan. 2014.

50

MARTINS, 2007.

51 MARTINS, 2007. 52 MARTINS, 2007.

53 Marechal Thaumaturgo está localizado na microregião do Alto Juruá que como um todo segundo Carneiro da

Cunha e Almeida (2002, p. 17) “inclui o Parque Nacional da Serra do Divisor (com 6.050 quilômetros quadrado), dezenove áreas indígenas (com área total de 13.282 quilômetros quadrado), e três reservas extrativistas (a do Alto Juruá, tratada aqui, com 5.062 quilômetros quadrados, e duas outras em processo de implantação). Isso dá um total de 32.090 quilômetros quadrados, formando um mosaico quase contínuo de áreas protegidas, de altíssima biodiversidade e de grande diversidade cultural”. O Alto Juruá: Diversidade Cultural, diversidade biológica. In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela; ALMEIDA, Mauro W. B de. (Orgs). Enciclopédia da Floresta. O Alto Juruá: Práticas e conhecimentos das populações. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 16-20.

Certamente a “sua” Universidade da Floresta era outra e para não deixar dúvidas o jornalista ressalta:

O diálogo entre os saberes seria monitorado pela Universidade da Floresta não como instituição viciada em colonialismo cultural, tentando “ensinar” todas as coisas, mas dispondo-se a “aprender” com os sábios da floresta. Por isso a sede ficaria na cidade de Marechal Thaumaturgo, no Alto Juruá, dentro de uma reserva extrativista e próxima de áreas indígenas, bem como do Parque Nacional do Divisor – onde trabalhariam juntos doutores e pajés, seringueiros e ribeirinhos, arquitetos e mateiros, antropólogos e rezadores, artistas plásticos, atores etc. (MARTINS, 2007).54

Desde esse primeiro momento inaugural em que se delineou no documento elaborado por Elson Martins e Lúcia Helena de Oliveira Cunha uma ideia de Universidade da Floresta no Acre, todos os eventos que se seguiram ligados à criação da Universidade da Floresta trazem componentes de disputa entre todos os atores – representantes indígenas e de comunidades tradicionais, políticos, acadêmicos, intelectuais – que, de um modo ou de outro, participam do processo de criação e implementação dessa instituição. Nessa disputa, questões de autoria e de autoridade sobre o referido projeto são uma constante.

Neste capítulo procuro mapear e sistematizar os diferentes pontos de vista em torno do projeto de criação da Universidade da Floresta, mostrando como eles se prendem a concepções distintas que os atores envolvidos nesse projeto têm sobre a noção de conhecimentos tradicionais que é lhe fundante. Essa análise é realizada a partir das falas dos diferentes atores e de seus lugares sociais, políticos e acadêmicos. O material examinado provém de fontes, como documentos obtidos durante minha viagem de campo além de entrevistas e documentos veiculados em jornais e revistas. Trata-se, pois, de analisar o modo como os diferentes personagens, de seus respectivos lugares sociais, nos apresentam a “suas” Universidades da Floresta.

Conhecimentos tradicionais: uma noção polissêmica

Como os diferentes atores envolvidos no projeto Universidade da Floresta concebem a noção de conhecimentos tradicionais? Essa pergunta orienta a presente seção. Mas antes de avançá-la precisamos apresentar alguns desses atores que classificamos em três categorias: “os antropólogos”, “os operadores” e “os sábios”, ou seja os representantes das populações detentoras dos conhecimentos tradicionais.

Os “especialistas” são os antropólogos; eles representam o pensamento reflexivo, dotado de autoridade científica e, portanto, suas falas têm legitimidade em alguns meios, especialmente no acadêmico e entre os porta-vozes das populações que detêm o conhecimento tradicional. Já a categoria “operadores”, diversamente da primeira, não possui autoridade da

expertise nem a legitimidade do discurso científico. Todavia, os “operadores” têm o poder da

deliberação e da execução: são pessoas que tomam decisões e podem dar materialidade a projetos e ideias. A autoridade deles deve-se às posições que ocupam nas estruturas de poder político, nas instituições acadêmicas etc; são os reitores, os políticos, os funcionários etc. Por fim, a categoria “sábios” engloba todos os atores que aos olhos dos primeiros – “os especialistas” e “os operadores” – encarnam os “conhecimentos tradicionais”; mas se aos olhos dos “não-tradicionais”, os “sábios” são a tradição cristalizada, ao falarem sobre conhecimentos tradicionais eles também se apropriam de conceitos científicos desenvolvidos pelos primeiros, ou seja, pelos antropólogos. Esclarecida a classificação que procedi, cuja função é mais expositiva que analítica, passo às diferentes concepções sobre conhecimentos tradicionais que perpassam a ideia de uma Universidade da Floresta.

Os “especialistas”

Nesta categoria estão incluídos Mauro Almeida55 e Manuela Carneiro da Cunha.

55 Mauro Almeida iniciou, em 1982, sua pesquisa de doutorado na região do Rio Tejo – AC. Desde 1986, presta

assessoria à direção do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS). Depois da morte de Chico Mendes, em 1988, passou a assessorar a Regional Vale do Juruá do CNS, em Cruzeiro do Sul. Em 1993, obteve o título de doutor pela University of Cambridge, na Inglaterra. O antropólogo tem mais de 10 anos de pesquisas antropológicas na região do Rio Tejo – AC. Participou também do movimento que culminou na criação da Reserva Extrativista do Alto Juruá – RESEX Alto Juruá em 1990. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/5685088831196646>. Acesso em: 22 jul. 2014. Em 2007, Mauro Almeida e sua esposa a também antropóloga Manuela Carneiro da Cunha foram agraciados com o Prêmio Chico Mendes de Florestania

Mauro Almeida, docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e com grande experiência de pesquisa na região do Alto Juruá, no Acre, integrou o grupo de trabalho encarregado de definir as diretrizes político-pedagógicas da Universidade da Floresta.

Na entrevista56 que concedeu a Bruno Weis, do Instituto Socioambiental (ISA), Mauro Almeida relata como surgiu a ideia da criação da Universidade da Floresta no município de Cruzeiro do Sul: “há vários anos discutia-se na região acriana uma forma de ensino adequado à noção de florestania” (ALMEIDA apud WEIS, 2005, p. 1-2). Essa forma de ensino, segundo Mauro Almeida, “associou-se a uma antiga aspiração de criar um pólo de ensino, pesquisa e extensão em Cruzeiro do Sul”. O resultado dessas iniciativas, segundo ele, “foi criar a Universidade da Floresta”. (ALMEIDA apud WEIS, 2005, p.1).

A Universidade da Floresta, de acordo com Mauro Almeida, tem por objetivo “a inclusão científica: trazer índios, seringueiros e camponeses para o âmbito da pesquisa e do ensino, tratando-os com respeito”. (ALMEIDA apud WEIS, 2005, p. 2).

Mauro Almeida insiste em falar que a essência da Universidade da Floresta não é “transmitir conhecimentos indígenas para alunos no programa acadêmico” (ALMEIDA apud WEIS, 2005, p. 2), mas sim “incluir indígenas no processo de pesquisa e de ensino” (ALMEIDA apud WEIS, 2005, p. 2).

A questão que se coloca é como fazer isso? Como promover a inclusão dos indígenas – e de seus conhecimentos – no processo de produção do conhecimento científico nessa universidade?

Quando questionado sobre as eventuais dificuldades que existem para introduzir os conhecimentos tradicionais na sala de aula, um espaço normalmente reservado a teorias consagradas, Mauro Almeida explica: “É preciso lembrar que o conhecimento científico oficial se dá pela combinação entre teoria e experimentação” (ALMEIDA apud WEIS, 2005, p. 2). Comparando o conhecimento científico aos conhecimentos tradicionais, o antropólogo diz: “também o conhecimento dos povos da floresta comporta a experimentação prática, por um lado, e a reflexão teórica, por outro” (ALMEIDA apud WEIS, 2005, p. 2). Isso significa, segundo Mauro Almeida, que “o conhecimento dos povos da floresta não é um produto acabado que apenas é transmitido passivamente: é um corpo que está sendo produzido sob

em razão da organização da Enciclopédia da Floresta. O Alto Juruá: Práticas e conhecimentos das populações. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, pp. 735.

56 A Universidade da Floresta vai reunir cientistas e pajés (aqui já comentada). Disponível em:

nossos olhos, articulando à sua maneira prática e teórica” (ALMEIDA apud WEIS, 2005, p. 2).

Não se trata, portanto, de subordinar os conhecimentos tradicionais ao conhecimento científico e, menos ainda, de opor esses distintos regimes de conhecimentos. Apesar das profundas diferenças existentes entre os conhecimentos tradicionais e o conhecimento científico, eles têm alguns pontos comuns já que ambos têm um apetite de conhecimento, ou seja, são formas de procurar entender e agir sobre o universo. Ambos são também uma obra aberta, como uma Wikipédia que está em constante fluxo, sempre inacabada e se fazendo constantemente.

Em 2007, Mauro Almeida concedeu outra entrevista57, dessa vez para o também antropólogo Renato Sztutman, em que retoma o tema da criação da Universidade da Floresta. Para ele, uma das formas de criar na Universidade da Floresta uma relação entre os conhecimentos tradicionais e a ciência seria “produzir um trabalho com autoria, fazendo com que eles [os indígenas] passem a escrever seus próprios trabalhos em formatos que sejam melhores para eles. [...] Tal formato pode ser tradicional, pode ser divulgado numa página da internet, pode ser um desenho, uma narrativa gravada” (ALMEIDA apud SZTUTMAN, 2007, p. 2).

Mauro Almeida, ao ser questionado sobre a possibilidade da inclusão das populações indígenas e tradicionais na Universidade da Floresta gerar certo ciúmes em pesquisadores e cientistas, ele confirma: “houve mesmo esse medo” (ALMEIDA apud SZTUTMAN, 2007, p. 3). Porém esclarece que “o susto de certos cientistas com a idéia de que os pajés entrariam na Universidade da Floresta para dar aula se deve a um mal-entendido” (ALMEIDA apud SZTUTMAN, 2007, p. 3). Na concepção de Mauro Almeida, a universidade a ser criada seria “um espaço que tem como meta tratar simetricamente – com equivalência e com respeito mútuo – os conhecimentos tradicionais e os conhecimentos científicos e acadêmicos” (ALMEIDA apud SZTUTMAN, 2007, p. 3). Para o antropólogo, “gradualmente, pode surgir uma convivência pacífica entre duas tradições” (ALMEIDA apud SZTUTMAN, 2007, p. 4), mas ressalva que “isso não significa um se colocar no lugar do outro ou misturar as duas formas de gerar e usar conhecimento. Não, os conhecimentos possuem teores diferentes, finalidades distintas e procedimentos também diferenciados” (ALMEIDA apud SZTUTMAN,

57 Em favor da florestania (entrevista aqui comentada). Disponível em:

2007, p. 4). Mesmo assim ele acredita “que há espaço para cada um deles e pode se estabelecer, sim, um diálogo” (ALMEIDA apud SZTUTMAN, 2007, p. 4).

Resumindo, para Mauro Almeida, a inclusão dos conhecimentos tradicionais na Universidade da Floresta se daria por meio da criação de um “espaço” que teria como propósito tratar de forma simétrica os conhecimentos tradicionais e o conhecimento científico, tanto no plano epistemológico como no metodológico. Isso significa que esses distintos regimes de conhecimentos poderiam gradualmente conviver juntos. O antropólogo, entretanto, observa que não se trata, de subordinar os conhecimentos tradicionais ao conhecimento científico e, menos ainda, de opor esses distintos regimes de conhecimento. Apesar das profundas diferenças existentes entre os conhecimentos tradicionais e o conhecimento científico, eles têm alguns pontos comuns já que ambos têm um apetite de conhecimento, ou seja, são formas de procurar entender e agir sobre o universo. Ambos são também uma obra aberta, como uma Wikipédia que está em constante fluxo, sempre inacabada e se fazendo constantemente.

Manuela Carneiro da Cunha também esteve envolvida com o projeto de criação da Universidade da Floresta. A antropóloga participou da Primeira Reunião do Grupo de Trabalho Interministerial Universidade da Floresta realizada em julho de 2005 em Rio Branco. Naquela ocasião Manuela Carneiro da Cunha observou que muitos dos participantes ali presentes, ao se pronunciarem sobre a Universidade da Floresta traziam, em suas falas, a ideia de “incorporar” os conhecimentos tradicionais na instituição: “Quem disse que as comunidades vão querer que os seus conhecimentos sejam incorporados?” (RELATÓRIO, 2005a, p. 18).

Para a antropóloga, “o conhecimento tradicional é uma questão muito mais complexa do que se está pensando aqui. O lugar do conhecimento tradicional não é o de ser incorporado pelo conhecimento científico, mas respeitá-lo de forma diferente” (RELATÓRIO, 2005a, p. 18). E salienta, para os presentes, “estamos errando nos conceitos aqui. Qual será a relação da universidade com os movimentos sociais e o conhecimento tradicional? Essa relação é necessariamente de intercâmbio” (RELATÓRIO, 2005a, p. 18).

Para Manuela Carneiro da Cunha, “pensar que o conhecimento tradicional será incorporado ao conhecimento científico é no mínimo problemático” (RELATÓRIO, 2005a, p. 18). Isso porque, para ela, “uma universidade viva tem que se basear na pesquisa” (RELATÓRIO, 2005a, p. 18).

A antropóloga se dedica há alguns anos à reflexão sobre questões relativas aos conhecimentos tradicionais, principalmente acerca da política e suas consequências sociais

nas populações indígenas e tradicionais. Para ela, os conhecimentos tradicionais e o conhecimento científico podem viver juntos numa relação de intercâmbio. Entretanto, viver juntos não significa serem considerados iguais, pois o seu valor reside justamente na sua diferença.

O projeto Universidade da Floresta foi notícia na mídia nacional e tema de debate em