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Um estudo sobre a criação e implementação da Universidade da Floresta no Acre : uma discussão sobre conhecimentos tradicionais

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

RAMAYANA ARRAIS ALBUQUERQUE

UM ESTUDO SOBRE A CRIAÇÃO E

IMPLEMENTAÇÃO DA UNIVERSIDADE DA

FLORESTA NO ACRE: UMA DISCUSSÃO SOBRE

CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

CAMPINAS

2015

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RAMAYANA ARRAIS ALBUQUERQUE

UM ESTUDO SOBRE A CRIAÇÃO E

IMPLEMENTAÇÃO DA UNIVERSIDADE DA

FLORESTA NO ACRE: UMA DISCUSSÃO SOBRE

CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação

da Faculdade de Educação da

Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração de Ciências Sociais na Educação.

Supervisor/Orientador: Profª Drª Helena Maria Sant’ana Sampaio Andery

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA RAMAYANA ARRAIS ALBUQUERQUE, E ORIENTADA PELO(A) PROF. (A) DR.(A) HELENA MARIA SANT’ANA SAMPAIO ANDERY.

CAMPINAS 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

UM ESTUDO SOBRE A CRIAÇÃO E

IMPLEMENTAÇÃO DA UNIVERSIDADE DA

FLORESTA NO ACRE: UMA DISCUSSÃO SOBRE

CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

Autora: Ramayana Arrias Albuquerque

Orientadora:Profª Drª Helena Maria Sant’ana Sampaio Andery

COMISSÃO JULGADORA:

André Luiz Paulilo

Artionka Manuela Goés Capiberibe

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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DEDICATÓRIA

Este canto é de meus mortos. A minha mãe, Aurenice, a memória de uma mulher de luta. Minha gratidão por tudo de bom que de você recebi.

Este outro é daquele que consegue por amor continuar sentindo orgulho de tudo que faço. Obrigada por fazer meu caminho sempre mais fácil. Você é o sentido de minha vida, a Onésimo Genari dedico este trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Nenhuma pesquisa pode ser realizada sozinha. Esta em particular, não seria realizada e finalizada sem a colaboração e boa vontade de muitas pessoas e instituições. Agradeço em primeiro lugar ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (PPGFE-UNICAMP) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa concedida.

Agradecimento especial à minha orientadora, Helena Sampaio, por ter aceitado minha pesquisa, possibilitando meu ingresso na Pós-Graduação. Sou grata também à sua dedicação, disponibilidade e grande paciência em ler e comentar o texto da dissertação, capítulo a capítulo, contribuindo para o amadurecimento de idéias confusas e pouco desenvolvidas no texto. Agradeço ainda pela amizade e confiança.

Minha gratidão aos professores José Guilherme Magnani (PPGAS/USP) e André Paulilo pela participação em minha banca de qualificação, pelas críticas e sugestões fundamentais para o andamento da pesquisa. Agradeço também à professora Artionka Capiberibe (IFCH/UNICAMP) e ao professor André Paulilo por gentilmente aceitarem o convite para participar da banca de defesa; a aos professores José Guilherme Magnani (PPGAS/USP) e Antonio Roberto Guerreiro Junior (IFCH/UNICAMP), por aceitarem o convite como suplência.

Gostaria de agradecer também aos professores Newton Antonio Bryan, Luis Enrique Aguilar, Débora Mazza, Ana Maria Fonseca Almeida, Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira e Olga Rodrigues Von Simson pelas disciplinas oferecidas durante o mestrado onde pude debater e refletir a pesquisa em andamento.

Agradeço à Nadir Camacho e Luciana Rodrigues, da secretaria de Pós-Graduação, pela ajuda com as questões burocráticas.

(7)

Agradeço também aos amigos do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Diferenciação Sociocultural (GEPEDISC/UNICAMP), Carlos Eduardo Dias, Helena Vetorazo e Charles Vagner.

Em Rio Branco (AC) meu obrigada aos professores da UFAC, Jonas Filho e Olinda Batista, pela importante entrevista que me concederam. Também agradeço a Lorena Costa Dias, secretária do Departamento de Apoio ao Desenvolvimento de Ensino (DIADEN), pela ajuda com os documentos solicitados. Na Biblioteca da Floresta agradeço a atenção e apoio da coordenadora do Centro de Documentação, Elaine Alves de Sousa. Agradeço, ainda, Elson Martins e Antonio Alves, por dividirem comigo seus conhecimentos sobre a região acriana e pelo tempo dedicado a entrevista. Agradeço, também, a Ana Beluccio, por ter me hospedado, e a Ana Rosa Pinto pela companhia agradável e passeios deliciosos.

Em Cruzeiro do Sul (AC) meus agradecimentos aos professores do campus Floresta – UFAC, Bianca Cerqueira e Augusto Nagy, pelas conversas regadas a muita bebida alcoólica. Além deles, agradeço igualmente Paulo Bernardes e Maria José pela entrevista concedida. Minha eterna gratidão a Marcus Athaydes Liesenfeld que me comoveu com sua generosidade ao me convidar para ficar hospedada na casa de sua família, além de ter me ajudado bastante com envios de documentos seus sobre a Universidade da Floresta. Enorme gratidão a Pedro Araujo e sua esposa, Araci Araujo, e sua família por terem me hospedado e me feito sentir em casa. Como não poderia deixar de ser, agradeço as demais pessoas que doaram um pouco do seu tempo para conversar e conceder entrevistas: Domingos Rocha, Edna Shanenawa, Roberval da Silva Pinho, Cleidison Rocha, Haru Kuntanawa, Antonio de Paula, Francisco Chagas, Evilácio Lima, Walter da Silva e Marvis da Silva.

Em Marechal Thaumaturgo (AC) meus agradecimentos a Benki Pianko e Fernando Kaxinawa pela entrevista concedida. Agradeço também Maria Sousa e sua família pela hospedagem em sua casa.

Em São Paulo meus sinceros agradecimentos ao professor Mauro Almeida que gentilmente aceitou me conceder uma entrevista.

Não menos importante é a gratidão a família Genari, pela alegria dos almoços e festas de fins de semana que me obrigava a sair de frente do computador e descansar.

(8)

Gratidão a minha irmã,Yanna, por compartilhar comigo as angústias e conquistas desta dissertação. Sei que com você sempre poderei contar não importa a distância.

Gratidão ao meu pai, José Ribamar Sousa Albuquerque, por ter estimulado em mim o interesse pelos lugares fantásticos e longínquos.

Agradeço aos amigos pela força de sempre.

Minha gratidão também ao Onésimo Genari, por aceitar e apoiar, meus sonhos e objetivos, você sempre acreditou que eu seria capaz de realizá-los.

(9)

RESUMO

Esta dissertação trata do processo de criação e de implementação da Universidade da Floresta, no Acre. O principal diferencial da instituição, de acordo com os diversos atores envolvidos no projeto, consistia na “incorporação” dos conhecimentos tradicionais, ao lado do conhecimento científico. Para alguns atores, a Universidade da Floresta deveria também promover a inclusão das populações indígenas e tradicionais no processo ensino-aprendizagem. O corpus da pesquisa compreende dados de diferentes naturezas: documentos (atas de eventos, projetos, artigos de jornais etc.), entrevistas estruturadas com os principais atores desse processo e dados da observação de campo. O estudo mostra os diferentes entendimentos que os atores envolvidos no projeto dessa universidade têm acerca da noção de “conhecimento tradicional”, o campo de luta que se formou em torno dessas diferentes acepções e como isso acabou repercutindo na institucionalização de uma universidade na floresta que muito pouco preserva de sua concepção original.

Palavras-chave: Universidade da Floresta, Acre, populações indígenas e tradicionais, conhecimentos tradicionais.

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ABSTRACT

This dissertation is about the process of creation and implementation of the Floresta University, in Acre. According to the different actors involved in the project, the main differential of the institution was the integration of the traditional knowledge with the scientific one; to others, the inclusion of the indigenous peoples and the traditional locations in the process of teaching and learning. The corpus of the survey is made of data from several sources: documents (event records, projects, newspaper articles, etc.), programmed interviews with the main agents in this proccess and data from field observation. The study shows the different conceptions that the actors involved in the project of that University have about the ‘traditional knowledge’, the battlefield formed around the different meanings and how that reverberates in the institutionalization of a Floresta University in the forest, which preserves very little of its original idea.

Keywords: Floresta University, Acre, indigenous and traditional peoples, traditional knowledge.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ASAREAJ Associação dos Seringueiros e Agricultores da Reserva Extrativista do Alto Juruá

CEL Centro de Educação e Letras

CPI Comissão Pró-Índio do Acre

CNS Conselho Nacional dos Seringueiros

CDB Convenção da Diversidade Biológica

EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FINEP Financiadora de Estudos e Projetos

GTI Grupo de Trabalho Interministerial

CTA Centro de Trabalhadores da Amazônia

CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura

CIMI Conselho Indigenista Missionário

CEFLORA Centro de Formação e Tecnologia do Juruá

CMULT Centro Multidisciplinar

CCBN Centro de Ciências Biológicas e da Natureza

CCSD Centro de Ciências da Saúde e do Desporto

CELA Centro de Educação, Letras e Artes

CNPT Centro Nacional de Populações Tradicionais e

Desenvolvimento Sustentável

IB Instituto da Biodiversidade

ISA Instituto Socioambiental

INCRA Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis

MMA Ministério do Meio Ambiente

MEC Ministério da Educação

MCT Ministério da Ciência e Tecnologia

ONU Organização das Nações Unidas

ONGs Organizações Não-Governamentais

PPbio Programa de Pesquisa em Biodiversidade

(12)

RESEX Alto Juruá Reserva Extrativista do Alto Juruá

SEPLAN Secretaria de Planejamento do Estado do Acre

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

USP Universidade de São Paulo

SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

UFAC Universidade Federal do Acre

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SUMÁRIO

PRÓLOGO---15

O Acre como palco do novo movimento ambientalista: breve considerações---15

INTRODUÇÃO---19

O tema---20

A categoria “tradicional” no Brasil contemporâneo---21

A pesquisa de campo---23

A viagem---24

As entrevistas e os entrevistados---27

Os entrevistados e os contextos das entrevistas---28

A pesquisa documental---31

Organização do trabalho---34

CAPÍTULO 1---35

O surgimento de uma ideia: a Universidade da Floresta---35

Conhecimentos tradicionais: uma noção polissêmica---40

Os “especialistas”---40

Os “operadores”---45

Os “sábios”---48

Cozinhar é o mais privado e arriscado ato---53

De corpo e alma---55

Qualidades segundas e eficácia simbólica---57

“Vacina de sapo”---58

Os saberes da prática---60

CAPÍTULO 2---65

Universidade da Floresta: do projeto à implementação---65

Antecedentes: alguns marcos do projeto Universidade da Floresta---65

Universidade da Floresta – o projeto---73

CAPÍTULO 3---84

Universidade da Floresta: 10 anos depois--- 84

O nascimento do projeto Universidade da Floresta---85

Como “incorporar” os conhecimentos tradicionais na universidade da Floresta?---88

(14)

Os primeiros alunos do campus Floresta – UFAC---93

As expectativas geradas em relação à Universidade da Floresta---94

O campo das disputas em torno da Universidade da Floresta---96

O Instituto da Biodiversidade e Manejo dos Recursos Naturais (IB)---97

Centro de Formação Profissional e Tecnologia da Floresta (CEFLORA)---99

A Universidade da Floresta e a construção dos “conhecimentos tradicionais”---100

Pontes em construção---105 CONSIDERAÇÕES FINAIS---109 REFERÊNCIAS---111 ANEXOS---116 ANEXO A---117 ANEXO B---119 ANEXO C---120 ANEXO D---121 ANEXO E---122 ANEXO F---123 IMAGENS---129

(15)

PRÓLOGO

O Acre como palco do novo movimento ambientalista: breves considerações

Esta pesquisa foi realizada no Acre1, estado que se situa na Amazônia Ocidental e faz fronteira com os estados da Amazonas, Rondônia, no Brasil, e com a Bolívia e o Peru. Apesar de geograficamente distante dos centros de poder do país, o Acre quase sempre esteve articulado econômica e politicamente com agendas nacionais e globais.

Somente em 1962,o Acre foi elevado à categoria de estado2 e pela primeira vez os acrianos3 elegeram seu governador: José Augusto de Araujo (Schimink e Lima Cordeiro 2008, p. 44),

No início dos anos de 1980 começa uma nova etapa na história do Acre, a qual nos interessa particularmente como cenário maior desta pesquisa: a resistência de Chico Mendes e demais seringueiros frente aos desmatamentos com vistas ao estabelecimento da pecuária no estado. A resistência se deu por meio dos “empates”:

[...] Uma forma singular de organização para defender a floresta e os modos de vida das famílias dos seringueiros, empatando que os peões (contratados pelos fazendeiros) derrubassem a mata. E nos empates as mulheres e as crianças desempenharam um papel fundamental, pois elas é que iam à frente, enfrentando corajosamente os peões com as motosserras e os capangas e policiais armados, arriscando as suas vidas (MEMÓRIAS DA FLORESTA, 2010, p. 2).

1 Segundo o IBGE (2010), a área da unidade territorial é de 164.123,739 km!. Sua população é de 733.559 mil

indivíduos. Disponível em:<http://ibge.gov.br>. Acesso em: 19 fev. 2015.

2 Com o Tratado de Petrópolis assinado em 17 de novembro de 1903, foi criado o Território Federal do Acre,

subordinado ao governo federal e não um estado Independente. A transformação de Território Federal para estado, ocorreu em 1962.

3 A mudança do gentílico “acreano” para “acriano”, foi determinado pelo Novo Acordo Ortográfico da Língua

Portuguesa. Essa mudança vem provocando debates no estado, e como conseqüência o surgimento da criação do Fórum de Defesa da Acreanidade. Para a Deputada Federal Perpédua Almeida do PC do B do Acre, “tem a ver com a nossa cultura, identidade, as nossas raízes. Faz parte da história de um povo que pegou em armas para se tornar brasileiro”. Para o gramático e filólogo Evanildo Bechara “isso faz parte da evolução da análise morfológica da palavra. È um processo de aperfeiçoamento da língua. Essa regra não foi feita para prejudicar ou tirar o sossego do povo acriano [...] Se quiserem respeitar as regras da língua terão de escrever seu gentílio com i. [...] não seria o caso de exceção porque a explicação não é lingüística, a explicação é de natureza sentimental. Revista Língua Portuguesa. Disponível em: <http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11798>. Acesso em: 20 fev. 2015.

(16)

Em 1990, dois anos depois do assassinato de Chico Mendes4, foi criada no Acre a Reserva Extrativista do Alto Juruá (RESEX – Alto Juruá)5. Essa foi a primeira unidade de conservação no país com um novo modelo, o que ajudou a colocar na ordem do dia o socioambientalismo. O sociambientalismo, por sua concepção de promover e integrar o bem-estar social com a sustentabilidade ecológica e econômica no uso dos recursos naturais, logo ganhou apoio de amplos setores da sociedade brasileira. Para Santilli (2005), o socioambientalismo brasileiro nasceu:

[...] Na segunda metade dos anos 80, a partir de articulações políticas entre os movimentos sociais e o movimento ambientalista. O surgimento do socioambientalismo pode ser identificado com o processo histórico de redemocratização do país, iniciado com o fim do regime militar, em 1984, e consolidado com a promulgação da nova Constituição, em 1988, e a realização de eleições presidenciais diretas em 1989. Fortaleceu-se – com o ambientalismo em geral – nos anos 90 principalmente depois da realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro em 1992 (Eco 92), quando os conceitos socioambientais passaram claramente a influenciar a edição de normas legais (SANTILLI, 2005, p. 31).

Essa corrente socioambientalista se opõe fortemente à visão mais ortodoxa defendida por muitos pesquisadores e acadêmicos que acreditavam que para haver conservação da biodiversidade seria necessário criar grandes reservas naturais. Nessa perspectiva quase sempre as populações tradicionais eram vistas como um entrave para a conservação.

Em 1992, o Rio de Janeiro (RJ) sediou a Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU)6 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento a qual estabeleceu a Agenda 21 e a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB). A Cúpula da Terra ou Eco 92, como ficou

4 Chico Mendes foi assassinado em 22 de dezembro de 1988 pelo peão Darcy Alves a mando do pai fazendeiro

Darli Alves.

5 Segundo Carneiro da Cunha e Almeida (2009) “Em 23 de janeiro de 1990 foi criado a Reserva Extrativista do

Alto Juruá, pelo Decreto nº 98.863. Era a primeira unidade de conservação desse tipo, um território de meio milhão de hectares que passaria do controle do patrão para a condição jurídica de Terra da União destinada ao usufruto exclusivo de moradores, por meio de contrato de concessão, e cuja administração poderia ser por lei realizada pelos convênios entre governo e associações representativas locais”. Populações Tradicionais e conservação ambiental. In: CARNEIRO DA CUNHA; Manuela; Cultura com Aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2009, p. 277-310.

6 Um dos grandes marcos da história do ambientalismo internacional, mas com repercussões nacionais, foi a

realização em 1972 da Conferência do Meio Ambiente das Nações Unidas em Estocolmo. Essa Conferência reuniu representantes de 113 países e de 250 organizações não – governamentais. Os resultados foram a Declaração sobre o Meio Ambiente (mais conhecida como “Declaração de Estocolmo”) e a instauração do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Outro marco na história do ambientalismo internacional com implicações nacionais foi a divulgação em 1987 do Relatório Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ONU) intitulado “Nosso Futuro Comum”, também conhecido por “Relatório de Brundtland” coordenado pela então primeira – ministra da Noruega Gro Brundtland. Foi o primeiro relatório internacional que utilizou e defendeu o conceito de “desenvolvimento sustentável”.

(17)

conhecido o encontro, adotou como diretriz o conceito de “desenvolvimento sustentável”, inserindo definitivamente o meio ambiente como tema na agenda nacional e global.

No relatório oficial da ECO 927, a chamada “Agenda 21”, lemos:

Durante muito tempo as populações indígenas e suas comunidades desenvolveram um conhecimentos científico tradicional e holístico de suas terras, dos recursos naturais e do meio ambiente[...] tendo em vista a inter-relação entre o meio natural e seu desenvolvimento sustentável e o bem-estar cultural, social, econômico e físico, os esforços nacionais e internacionais de implementação de um desenvolvimento ambientalmente saudável e sustentável devem reconhecer, acomodar, promover e fortalecer o papel dos povos indígenas e de suas comunidades (AGENDA 21).8

O segundo documento que resultou da Cúpula da Terra foi a “Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB)”, aberta e assinada em 1992. O Brasil foi o primeiro país a assinar, seguido de mais de uma centena de países, sendo ratificada pelo Congresso em maio 19949. Os principais objetivos da CDB são a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos. A CDB inaugurou novos paradigmas, conceitos e princípios dos quais podem ser destacados a soberania dos Estados sobre os recursos oriundos da biodiversidade, a repartição justa e eqüitativa de benefícios com populações tradicionais, a valorização e respeito das populações tradicionais e o incentivo ao uso consciente dos recursos naturais pelas presentes e futuras gerações.

É grande a contribuição da CDB para as questões do conhecimento tradicional e repartição de benefício. Conforme se lê no Parágrafo j do artigo 810

7 O relatório é considerado um amplo plano de ação dirigido para o desenvolvimento sustentável. Conta com

quatro seções, quarenta capítulos, 115 programas e aproximadamente 2500 ações a serem implementadas. O capítulo 26, intitulado “Reconhecimento e fortalecimento do papel dos povos indígenas e de suas comunidades” é inteiramente dedicado ao reconhecimento e fortalecimento dos povos indígenas.

8 Disponível em: <http://.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21>. Acesso em: 03 jun. 2014. 9 A Presidenta Dilma Roussef, sancionou em, 20/05/2015, o novo marco legal da biodiversidade (Lei nº

13.123/2015), que vai regular o acesso e a exploração econômica dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e à agrobiodiversidade. Para mais informações consultar o site: http://www.socioambiental.org. O Instituto Socioambiental também lançou uma página no Facebook: “Biodiversidade: tradicionalmente sábia”, com o objetivo de “mostrar, de forma didática, por meio de imagens e textos, o que está em jogo no tema do acesso e uso dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados”. Disponível em: : < http://www.socioambiental.org:>. Acesso em: 03 jun. 2015.

10 Para uma análise mais detalhada desses documentos, consultar Carneiro da Cunha (2009, p. 323). A autora

aponta para as diferenças entre a Agenda 21 e a CDB: enquanto, segundo a autora “a Agenda 21 fala de direitos materiais e morais, a CDB fala, em termos mais específicos, de “repartição eqüitativa dos benefícios”. Além disso, o artigo 8j refere-se de modo abrangente a comunidades indígenas e locais, ao passo que a Agenda 21, no Capítulo 26, se refere unicamente a povos indígenas. Note-se ainda que a CDB trata de conhecimento tradicional tanto no tocante a recursos genéticos enquanto tais como no que diz respeito ao “manejo” sustentável de sistemas ecológicos, o chamado “conhecimento ecológico tradicional”. “Cultura” e cultura: conhecimentos

(18)

Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicional relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2000).11

No período de 1998 a 2006, quem governou o Acre, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), foi Jorge Viana. Durante os oito anos de mandato, ele inaugurou o que chamou de “governo da floresta”. Segundo ele,

[...] Governo da Floresta não é um slogan. Tem significado, substância, consistência. Traduz o comportamento de pôr à disposição de todos a nossa maior riqueza: a floresta. Ela é a base desse novo modelo econômico em que os produtos florestais se constituem no diferencial de competitividade do estado (ACRE, 2003, p. 3).

No estado do Acre existe uma rede legal de áreas protegidas com diferentes denominações: Terras Indígenas12, Parques Nacionais, Estação Ecológica, Floresta Nacional e Reservas Extrativistas. A região é considerada pelos pesquisadores como de altíssima biodiversidade13.

É nesse contexto político e de emergência de novas categorias, como biodiversidade e sociodiversidade, as quais vêm mobilizando diversos atores nacionais e internacionais – movimentos ambientalistas, pesquisadores, acadêmicos etc. – que surgiu, em meados de 2003, o projeto de criação da Universidade da Floresta no Acre, tema desta pesquisa.

tradicionais e direitos intelectuais. In: Carneiro da Cunha, Manuela. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naif, 2009, p. 311-373.

11 Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB). Disponível em:

<http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_dpg/_arquivos/cdbport.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2014.

12 Segundo os dados do Instituto Socioambiental (ISA) a população indígena no Brasil atual está estimada em

600 mil indivíduos, sendo que deste total cerca de 450 mil vivem em Terras Indígenas (e, em menor número, em áreas urbanas próximas a elas), enquanto outros 150 mil encontram-se residindo em diversas cidades grande do país. Disponível em: <www.socioambiental.org>. Acesso em: 19 fev. 2015.

13 Segundo Brown Jr.; Freitas (2002, p. 33) foi “Edward O. Wilson, pai do termo “biodiversidade”

(compreendido como a soma de todos os produtos da evolução biológica: variação genética, riqueza de espécies, diversidade de sistemas naturais), comentou em 1980 que “a perda da diversidade genética e específica pela destruição dos ambientes naturais é a estupidez pela qual nossos descendentes estão menos dispostos a nos perdoar””. Diversidade Biológica no Alto Juruá: avaliação, causas e manutenção. In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela; ALMEIDA, Mauro W. B de. (Orgs). Enciclopédia da Floresta. O Alto Juruá: Práticas e conhecimentos das populações. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 33-50.

(19)

INTRODUÇÃO

Esta dissertação é resultado de uma pesquisa sobre o processo de criação e implementação de uma instituição de ensino superior no estado do Acre – a Universidade da Floresta. Essa universidade ganhou certa projeção nacional, e até internacional, ao propor, em seu projeto original, a inclusão dos conhecimentos tradicionais e a sua relação paritária com o conhecimento científico.

Nos debates promovidos em diversos setores da sociedade acriana no início dos anos 2000 sobre a criação da Universidade da Floresta, emergia um novo conceito de universidade segundo o qual conhecimentos tradicionais e o conhecimento científico deveriam ser equivalentes.

Neste trabalho procurei mostrar que existe uma polissemia em torno da noção de conhecimento tradicional que fundamenta o projeto original da Universidade da Floresta. O fato de haver muitas concepções em disputa em torno dessa noção acabou gerando muitas controvérsias e embates entre os diferentes atores envolvidos na implementação do projeto. Minha pesquisa buscou mapear os diferentes pontos de vista sobre esse projeto, identificando o lugar de cada um dos atores que dele participaram e os modos como cada um deles apresenta as suas questões, percebe e verbaliza as dificuldades que envolvem a criação dessa instituição de ensino superior. Os resultados do estudo visam contribuir para uma maior reflexão se a instituição universidade seria também o lugar dos conhecimentos tradicionais.

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O tema

A primeira notícia que tive sobre a Universidade da Floresta foi por meio de uma entrevista14 concedida pela antropóloga Manuela Carneiro da Cunha15 à também antropóloga Lilia Schwarcz.16 Pela entrevista descobri que Manuela Carneiro da Cunha estava envolvida com a criação de uma instituição de ensino superior no Acre a qual tinha como proposta diferencial o envolvimento das populações tradicionais.

A partir da leitura dessa entrevista, procurei conhecer melhor a proposta da Universidade da Floresta e saber mais sobre os conhecimentos tradicionais.17 Dessa curiosidade inicial, surgiram as primeiras perguntas para a elaboração do projeto de pesquisa de mestrado: o que são os conhecimentos tradicionais? É possível incluí-los na universidade? Seria a universidade o lugar desses conhecimentos?18

14 Brasil perdendo oportunidade”. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 2, n. 17, fevereiro, 2007,

p. 50-55.

15 Manuela Carneiro da Cunha foi professora doutora da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e

professora titular da Universidade de São Paulo (USP), onde é aposentada. Foi full professora da Universidade de Chicago de 1994 a 2009, onde é professora emérita. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/0463142533515636>. Acesso em: 03 out. 2014.

16 Lilia Schwarcz atualmente é professora titular da Universidade de São Paulo. Foi professora visitante e

pesquisadora nas universidade de Leiden, Oxford, Brown, Columbia (Tinker professor), École de Hautes Études (2013) e Princeton, onde é global Scholar até o ano de 2018. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/3246688180226963>. Acesso em: 03 out. 2014.

17 Participei de alguns eventos que me ajudam a refletir sobre o tema dos conhecimentos tradicionais. Para citar

apenas alguns exemplos, participei da palestra “Cultura com aspas”, com a professora Manuela Carneiro da Cunha, realizado em 2010 e do seminário “Negros e Indígenas na Pós-Graduação”, com o professor Guilherme José da Silva e Sá, realizado em 2013. Ambos os eventos promovidos pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Os conhecimentos tradicionais também foram tema de debates no II Encontro Nacional de Estudantes Indígenas (ENEI), realizada entre os dias 04 a 07 de agosto de 2014, na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), no estado do Mato Grosso do Sul (MS).

18 Sugestão me fornecida pelo professor Dr. José Guilherme Magnani (PPGAS/USP) durante minha banca de

(21)

A categoria “tradicional” no Brasil contemporâneo

Na década de 1990, no Brasil, a noção de tradicional passou a ser usado em dois novos contextos: no âmbito do movimento ambientalista e no do movimento pelos direitos étnicos. No âmbito ambientalista foram criados, no período, parques nacionais, estações ecológicas e reservas biológicas19. Essas ações tinham uma orientação conservacionista comum, ou seja, voltavam-se para a proteção de ecossistemas e de espécies, mas não incorporavam nenhuma dimensão social ou cultural. A fixação de moradias e o uso dos recursos naturais por seres humanos, incluídos aqueles que já as habitavam há muito tempo foram enfaticamente proibidos nessas áreas, cuja criação se inspirava no modelo de proteção de áreas naturais adotado nos Estados Unidos em 187220. No Brasil, entretanto, em muitas das áreas de proteção criadas já havia pessoas morando, o que gerou uma série de impasses quanto ao controle das mesmas.

De acordo com Little (2010), foi nesse contexto que:

O movimento ambientalista cunhou o conceito de populações tradicionais, com o intuito de nomear esse amplo conjunto de grupos sociais, muito diversos entre si, que possuíam algum vínculo direto, e de longa data, com os espaços geográficos que foram classificados como áreas protegidas. Nessa visão, as populações tradicionais foram concebidas como um “problema” a ser solucionado em prol da implementação efetiva das funções ecológicas das áreas protegidas de proteção integral (LITTLE, 2010, p. 10).

19 De acordo com Little (2010, p. 10) “No final do século XX, as áreas protegidas no Brasil experimentaram uma

vertiginosa expansão (a sua área total quadruplicou entre 1975 e 1989), particularmente na Amazônia. Muitas dessas áreas foram criadas para a proteção integral da natureza (tais como parques nacionais, estações ecológicas, reserva biológicas), categoria que não permitia nem a moradia nem o uso de recursos naturais por parte de serem humanos”. Os conhecimentos tradicionais no marco da intercientificidade. In: LITTLE, Paul (Org). Conhecimentos tradicionais para a século XXI: Etnografias da intercientificidade. São Paulo: Annablume, 2010, p. 9-31.

20 Trata-se do Yollowstone, o primeiro parque nacional do mundo. De acordo com Santilli (2005, p. 26) “Esse

parque tinha como objetivos garantir que seus recursos naturais fossem preservados intactos, e sem interferência humana, e assegurar a preservação do hábitat de algumas espécies”. Desenvolvimento histórico e contexto político e social do surgimento do movimento socioambiental no Brasil. In: SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos. Proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Peirópolis, 2005, p. 19-49.

(22)

Na tentativa de solucionar os impasses, o movimento ambientalista desenvolveu duas abordagens distintas. Ainda nas palavras de Little (2010):

Por um lado, consideravam as populações tradicionais conservacionistas natas e, como tal, poderiam ser transformados em “parceiros” na tarefa da conservação da floresta e da biodiversidade, no que Clad denomina de enforced primitivism (apud IBI.: 113). Por outro lado, a dimensão conflituosa dessas relações se acerbou quando os distintos agentes da conservação (tanto governamental quanto da sociedade civil) tentaram cumprir com as regras formais das áreas protegidas de proteção integral e exigiram a saída dos “invasores” do parque (LITLLE, 2010, p. 10).

Muitos dos grupos ditos tradicionais não aceitaram de forma passiva as tentativas dos conservacionistas de transformarem suas terras em parques e lutaram por fazer valer as regras de proteção integral. A resposta encontrada por esses grupos sociais afetados com a criação das áreas protegidas foi, nas palavras de Little (2010, p. 11), “reivindicar o status de “ser tradicional” como arma na luta para ganhar reconhecimento étnico do Estado brasileiro e para defender seus recursos culturais frente a sua potencial expropriação ou desaparecimento”.

Se o termo “populações tradicionais” foi criado, segundo Little (2010), pelos ambientalistas, em um segundo momento, o mesmo termo passa a ser habitado por sujeitos reais. Para Carneiro da Cunha e Almeida (2009), esse movimento não é nenhuma novidade:

Termos como “índio”, “indígenas”, ou “tribal”, “nativo”, “aborígene” e “negro” são todos criação da metrópole, são frutos do encontro colonial. E embora tenham sido genéricos e artificiais ao serem criados, esses termos foram progressivamente habitados por gente de carne e osso. É o que acontece, mas não necessariamente, quando ganha status administrativo ou jurídico (CARNEIRO DA CUNHA; ALMEIDA, 2009, p. 278).

Hoje, a noção de populações tradicionais abrange grupos sociais muito variados. Mais uma vez, Carneiro da Cunha e Almeida (2010) explicam:

No momento, a expressão “populações tradicionais”ainda está em fase inicial de sua vida. Trata-se de uma categoria pouco habitada, mas já conta com membros e candidatos à entrada. [...] No início, a categoria congregava seringueiros e castanheiros da Amazônia. Desde então expandiu-se, abrangendo outros grupos que vão de coletores de berbigão de Santa Catarina a babaçueiras do sul do Maranhão e quilombolas do Tocantins. Todos esses grupos apresentam, pelo menos em parte, uma história de baixo impacto ambiental e demonstraram, no presente, interesse em manter ou em recuperar o controle sobre o território que exploram (CARNEIRO DA CUNHA; ALMEIDA 2009, p. 278-279).

(23)

É importante notar a distinção jurídica entre populações tradicionais e povos indígenas, pois de acordo Carneiro da Cunha e Almeida (2009):

Embora, como buscaremos mostrar, as populações tradicionais tenham tomado os povos indígenas como modelo, a categoria “populações tradicionais” não os inclui. A separação repousa sobre uma distinção legal fundamental: os direitos territoriais indígenas não têm como fundamento a conservação ambiental, mesmo quando se verifica que as terras indígenas figuram como “ilhas” de conservação em contextos de acelerada devastação (CARNEIRO DA CUNHA; ALMEIDA, 2009, p. 279).

Neste trabalho, utilizo a separação que a legislação brasileira faz entre os povos indígenas e as populações tradicionais, usando sempre que necessário a expressão “populações indígenas e tradicionais”.

A pesquisa de campo

Clifford Geertz (2009) discute a prática antropológica a partir da análise das obras de quatro autores que considera “fundadores da discursividade” na antropologia, Malinowski entre eles21. No capítulo de abertura de seu clássico “Argonautas do Pacífico Ocidental”22, Bronislaw Malinowski apresenta uma descrição dos métodos utilizados no trabalho de campo que realizou entre os nativos das Ilhas Trobriand. Desde então, trabalho de campo e antropologia tornaram-se termos associados.

A reflexão de Geertz (2009) sobre essa obra de Malinowski, em particular, e sobre a antropologia, em geral, levanta questões que me ajudaram a pensar o meu próprio trabalho de campo: como descrever “aqui” o que viveu “lá”, levando-se em conta que hoje, “lá” e “aqui” estão mais próximos e implicados? E, ainda, “estar lá” é fazer “trabalho de campo” e que etnografia “escrita aqui” deve se apresentar como um relato autêntico elaborado por alguém pessoalmente familiarizado com o modo pelo qual a vida acorre em algum lugar, em algum tempo, entre algum grupo (GEERTZ, 2009).

21 Os outros autores estudados por Geertz são: Claude Lévi-Strauss, Edward Evans-Pritchard e Ruth Benedict. 22 MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do pacífico ocidental: Um relato do empreendimento e da aventura

dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanésia. São Paulo: Abril Cultural, 1976, p. 436 (Coleção Os Pensadores, v. 43).

(24)

Roberto Cardoso de Oliveira (2006) em seu artigo “O trabalho do antropólogo: Olhar, Ouvir, Escrever”, assim como Geertz (2009), entende o “estar lá” e o “estar aqui” como momentos distintos do trabalho de campo. Ambos os antropólogos também concordam que é o escrever “estando aqui”, ou seja, fora da situação de campo que cumpre a sua mais alta função cognitiva. Isso porque iniciamos no gabinete o processo de textualização dos fenômenos socioculturais observados “estando lá” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2006).

Minha viagem ao campo teve uma duração de quase dois meses (53 dias). Nesse período visitei as cidades de Rio Branco, Cruzeiro do Sul e Marechal Thaumaturgo, no Acre. A viagem de campo foi fundamental por várias razões. Primeiro para ter acesso a documentos importantes referentes ao projeto de criação da Universidade da Floresta, os quais só poderiam ser obtidos “estando lá”. Mas o “estar lá” também possibilitou ampliar o olhar em diferentes campos e escalas: significou conhecer e falar com pessoas que estiveram de alguma forma envolvidas com o projeto de criação da Universidade da Floresta e construir, a partir desses encontros físicos, novos registros textuais que “estando aqui” não existiriam: diário de campo, entrevistas, informações e acesso a documentos mantidos pelos “nativos” em seus arquivos pessoais etc.

A viagem

Cheguei a Rio Branco, capital do Acre, no início de abril de 2014. Rio Branco tem 8.835,541 km!, e uma população de 335.796 pessoas23. Era um momento difícil para a região: com as chuvas torrenciais o Rio Madeira subiu muito e inundou a BR-364, interrompendo o abastecimento da região de produtos de primeira necessidade.

Em Rio Branco, o aposto “da floresta” está por toda parte: Biblioteca da Floresta, Arena da Floresta, Casa dos Povos da Floresta, Praça dos Povos da Floresta, Viveiro da Floresta, além de várias Escolas da Floresta.

Durante os cerca de 15 dias que permaneci em Rio Branco realizei quatro entrevistas com pessoas – ex-reitor, professora da UFAC, jornalista e filósofo – envolvidas com o projeto de criação da Universidade da Floresta. Também fiz vários contatos por telefone com

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Francisco Pianko24, índio da etnia Ashaninka, firmando compromissos para a continuidade da conversa em um encontro presencial. Entretanto, não tive êxito em entrevistá-lo: todos os encontros agendados foram cancelados por ele.

Deixei Rio Branco com destino ao município de Cruzeiro do Sul no dia 17 de abril. Cruzeiro do Sul é a cidade mais acidental do Brasil, entre Rio Branco e o Pacífico. Localiza-se na região noroeste do estado do Acre, na margem esquerda do Rio Juruá.

O município de Cruzeiro do Sul é o segundo maior e mais populoso do estado depois da capital25. Foi seguindo o curso dos rios que os primeiros exploradores da região, brasileiros (principalmente nordestinos), italianos, portugueses, sírio-libaneses, franceses e alemães – formaram os seringais em torno das seringueiras nativas. O látex, o líquido branco da seringueira, era matéria-prima básica das indústrias européias do século XIX. A região que hoje corresponde Cruzeiro do Sul, segundo Batista Assmar (2009, p. 18) “antes da chegada dos exploradores, a região já era ocupada por vários povos indígenas: Náuas, Amahucas, Jamináuas, Remos, Capanáuas, Caxinauas, Nikuinins, Poyanauas, Iauavós”.

Em Cruzeiro do Sul, participei de vários eventos que reuniram diferentes grupos da região. Além do evento de 1º de Maio, organizado por várias etnias indígenas com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), participei do “Encontro de produtores e comunidades tradicionais do Alto Juruá”, realizado no dia 6 de maio. No campus Floresta – UFAC participei da “Aula Inaugural”, ministrada pela professora Maria José e da palestra “A importância da pesquisa e conservação da biodiversidade”, ministrada pelo professor Paulo Bernardes, ambos professores desse campus e entrevistados pela autora.

Neste município, além de conhecer o campus Floresta – UFAC, realizei quatorze entrevistas com professores e ex-alunos desse campus, seringueiros, sindicalistas e lideranças indígenas locais.

A terceira cidade que visitei no Acre foi Marechal Thaumartugo (AC)26, onde cheguei em um pequeno batelão27 depois de ter navegado por 16 horas nas águas do rio Juruá. Durante

24 Francisco Pianko é irmão de Benki Pianko (entrevistado pela autora). Era o então Secretário Extraordinário

dos Povos Indígenas (SEPI) do Acre na época das discussões em torna da criação da Universidade da Floresta. Hoje é o atual Secretário de Estado de Planejamento (SEPLAN) do Acre.

25 Segundo o IBGE 2010 a área da unidade territorial é de 8.779,407 km!. Sua população é de 78.507 indivíduos.

Disponível em: <http://ibge.gov.br>. Acesso em: 18 fev. 2015. Cruzeiro do Sul foi fundada oficialmente pelo Marechal do Exército Nacional Gregório Thaumaturgo de Azevedo no dia 28 de setembro de 1904.

26 Marechal Thaumaturgo é um dos municípios mais isolados do Acre. Saindo de Cruzeiro do Sul – AC (cidade

mais próxima com aeroporto) em um avião de pequeno porte são aproximadamente cinqüenta minutos de viagem. Em barcos maiores esse mesmo trajeto pode chegar até três dias de viagem, dependendo dos períodos de cheia do Juruá e de sua direção (descer ou subir).

(26)

a viagem observei várias famílias morando a “margem” desse rio. Em entrevista realizada com o atual presidente da Reserva Extrativista do Alto Juruá, Domingos Rocha28, soube que muitas delas estão deixando os “centros” e vindo para a “margem” do rio em busca de escolas para seus filhos. No entanto, essa mudança do “centro” para a “margem” não é um fenômeno, como pensei, muito recente. No artigo “Casa”, do livro Enciclopédia dos Povos da Floresta –

O Alto Juruá: prática e conhecimento das populações, de 2002 29, os autores já relatavam esse fato:

Seu Luís, para citar mais um exemplo, tem uma colocação toda zelada, uma casa grande, plantou muitos “bens de raiz”, como café, laranja, abacate, manga, biribá. Suas estradas são boas de leite... Porém, seus filhos estão crescendo e não há nenhuma escola nas proximidades. Assim ele resolveu vender essas benfeitorias e comprar outra casa num local próximo de alguma escola, que ainda são poucas na Reserva Extrativista. Esse é um dos motivos que levam muitas famílias da REAJ a preferir as “margens” aos “centro”. (ENCICLOPÉDIA DOS POVOS DA FLORESTA, 2002, p. 232).

Viajei até Marechal Thaumaturgo30 com o propósito específico de entrevistar Benki Pianko31, índio da etnia Ashaninka e coordenador do Centro Yorenka Atãme. O Centro Yorenka Atãme (que será retomado no Capítulo 3) foi inaugurado em julho de 2007, construído no lado direito do rio Juruá, na frente do município de Marechal Thaumaturgo. Segundo Pereira (2013, p. 4) o Centro Yorenka Ãtame se define como “um espaço de referência em educação, formação, intercâmbio de práticas de manejo sustentável dos recursos da região, integrando, com o uso dos sistemas agroflorestais, as populações indígenas e não indígenas na recuperação de áreas degradadas”.

Em Marechal Thaumaturgo, realizei duas entrevistas, incluindo a de Benki Pianko.

27 São embarcações de pequeno porte muito utilizadas na região acriana. São próprias para operações próximas

às margens e em águas rasas de rios.

28 Entrevistei Domingos Rocha em 28 de abril de 2014, na cidade de Cruzeiro do Sul – AC.

29 Vários autores: Eliza Lozano Costa, Edilene Coffaci de Lima, Manuela Carneiro da Cunha, Laure Emperaire,

Margarete K. Mendes. “Casa”. In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela; ALMEIDA, Mauro W. B de. (Orgs). Enciclopédia da Floresta. O Alto Juruá: Práticas e conhecimentos das populações. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 229-247.

30 De acordo com o IBGE, 2010, sua população urbana e rural é de 14.200 habitantes, distribuídos em 8.192 km!.

Disponível em: <http://ibge.gov.br>. Acesso em: 18 fev. 2015.

31 Benki Pianko é Ashaninka da Aldeia Apiwtax do Rio Amônia, Alto Juruá – Acre. Filho de casamento

interétnico entre Antonio Pianko e Dona Piti, filha de seringueiro. Benki Pianko, segundo ele próprio, foi consultor do projeto de criação da Universidade da Floresta.

(27)

As entrevistas e os entrevistados

Além da observação, procedimento fundamental do trabalho de campo de inspiração antropológica, a pesquisa de campo no Acre envolveu a realização de entrevistas e a coleta de dados documentais.

As entrevistas foram utilizadas como instrumentos para preencher as lacunas deixadas pelas fontes escritas e para mapear os campos de disputa em torno da noção de conhecimentos tradicionais que estava na base do projeto de criação da Universidade da Floresta. Todas as entrevistas foram realizadas individualmente, seguindo um roteiro previamente elaborado, mas flexível para dar conta dos imponderáveis da pesquisa de campo e dos contextos no qual cada uma se realizava. Fiz aos entrevistados algumas questões comuns, no entanto, no decorrer das entrevistas constatei a importância de deixá-los livres para falarem de questões que eles próprios elegiam como relevantes no projeto de criação e na implementação da Universidade da Floresta.

Antes de iniciar as entrevistas, esclarecia os objetivos da minha pesquisa, procurando ganhar a empatia e a confiança dos entrevistados. Durante as entrevistas, procurei adotar sempre uma atitude de “escuta”, o que me possibilitou a revisão de algumas hipóteses que até então sustentavam o projeto inicial da pesquisa, como por exemplo, a de que haveria uma concepção mais “verdadeira” e “autorizada” dentre outras em relação à noção de conhecimentos tradicionais.

No total, entrevistei 18 pessoas no estado do Acre. A entrevista realizada com o antropólogo Mauro Almeida foi realizada em São Paulo. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra antes de serem analisadas e utilizadas no trabalho. Nas transcrições procurei não reproduzir os vícios de linguagem de forma a obter um texto mais limpo. Todas as pessoas entrevistadas e citadas nessa pesquisa consentiram participar do estudo e até mesmo autorizaram o uso de seus nomes reais e de suas imagens na apresentação final da dissertação.

(28)

Os entrevistados e os contextos das entrevistas

Com o jornalista Elson Martins elaborei um roteiro de entrevista que permitisse ao entrevistado recuperar suas lembranças acerca das discussões em torno da criação dessa instituição. O fato de já conhecer um pouco as polêmicas em torno da criação dessa instituição permitiu o estabelecimento de uma rápida cumplicidade entre entrevistador e entrevistado. Além das questões abertas, Elson Martins respondeu também questões dirigidas, de interesse da pesquisa. Elson Martins, repetiu na entrevista basicamente tudo o que já havia escrito anos antes em um artigo intitulado “Sonhos da Floresta” (que será retomado no Capítulo 1). A situação informal e amistosa da entrevista permitiu que o entrevistado falasse longamente sobre sua própria trajetória de vida, fazendo questão de cristalizar sua própria imagem de homem da floresta. Já no início da entrevista me disse: “eu não sou um intelectual, eu não sou um acadêmico, eu sou um jornalista, inclusive autodidata”.

Antes de minha viagem de campo, estabeleci ainda em São Paulo, os primeiros contatos com algumas pessoas envolvidas no projeto de criação da Universidade da Floresta por e-mail e por telefone, ocasiões em que expunha os motivos e objetivos da pesquisa. O retorno foi promissor: com a professora Olinda Batista da Universidade Federal do Acre (UFAC) mantive, por certo tempo, uma amistosa troca de e-mails. Em Rio Branco, agendei a entrevista por telefone. Segui um roteiro de entrevista, porém Olinda Batista – assim como fez Elson Martins – falou também longamente sobre a sua trajetória de vida: da infância nos seringais à condição de estudante universitária no Rio de Janeiro (RJ) e depois sobre o retorno às raízes como professora contratada da então recém-criada Universidade Federal do Acre (UFAC)32. Todas as vezes que surgiam questões polêmicas, a entrevista era interrompida, permitindo questionamentos de ambas as partes.

Entrei em contato com o filósofo Antonio Alves por meio da coordenadora do Centro de Documentação da Biblioteca da Floresta, Elaine Alves. Eu já conhecia alguns de seus trabalhos por meio de entrevistas e depoimentos de Mauro Almeida. Devido à sua atuação política na região, a entrevista foi permeada por questões políticas referentes ao Acre, embora

32 Em 1965 foi criado no Acre o primeiro curso superior, que foi a Faculdade de Direito. Em 1969, foi criada a

Faculdade de Economia. Em 1974 ocorre a Federalização da UnAcre, sendo que sua institucionalização acorreu em outubro do mesmo ano. O ensino superior no Acre foi plenamente consolidado no início de 1983. O ensino superior no Acre. In: SOUSA, Áulio Gélio Alves de. História da Criação do Ensino Superior no Acre. Brasília: Thesaurus, 2006, p. 254.

(29)

também tenha discorrido sobre a noção de florestania33 e sobre a criação da Universidade da Floresta.

No meu primeiro contato, por telefone, com o professor de paleontologia da Universidade Federal do Acre, Jonas Filho, ele esclareceu de pronto que não era mais reitor da UFAC e me indagou sobre o que eu queria saber sobre o projeto de criação da Universidade da Floresta. No dia agendado, antes de iniciar a entrevista, Jonas Filho me pediu para que não a gravasse. Todavia, após algumas trocas iniciais de idéias, ele autorizou a gravação. Aos poucos o professor ficou mais à vontade e sua fala tornou-se rica de detalhes sobre o projeto de criação da Universidade da Floresta. Logo após a entrevista Jonas Filhos me levou para conhecer o Laboratório de Paleontologia que atualmente coordena.

A entrevista com Cleidison Rocha, hoje prefeito de Mâncio Lima (AC), foi realizada em Cruzeiro do Sul, mas o contato já havia sido feito por telefone quando estava ainda em São Paulo. O professor esclareceu questões importantes do projeto Universidade da Floresta e se colocou à disposição caso precisasse retomar alguns pontos sobre o assunto.

Domingos Rocha é o atual Presidente da Reserva Extrativista do Alto Juruá. Na entrevista realizada em Cruzeiro do Sul, ele deu importantes informações sobre a atual situação da RESEX do Alto Juruá e de seus moradores, mas falou muito pouco sobre o projeto de criação da Universidade da Floresta.

Entrei em contato com a professora do Curso de Letras do campus Floresta – UFAC, Maria José, em Cruzeiro do Sul por sugestão de uma funcionária da secretária de pós-graduação da UFAC. Segundo a funcionária, que prontamente me forneceu os contatos de telefone da professora, Maria José havia participado ativamente das discussões sobre o projeto de criação da Universidade da Floresta e era fundamental entrevistá-la. A entrevista com Maria José, apesar de ter sofrido pequenas interrupções devido a solicitações de seu trabalho, foi proveitosa.

A entrevista com Edna Shanenawa, cacique da etnia Shanenawa, foi realizada no evento de 1º de Maio, em Cruzeiro do Sul. A entrevista sofreu a interferência do contexto de sua realização e foi antes um discurso contra a política local, pois pouco falou sobre a

33 A florestania, é um neologismo utilizado na região acriana para fazer referência de que a cidadania, deve

estender-se também aos habitantes e seres da floresta, devendo necessariamente estar associada a questão ambiental. De acordo com o filosofo Antonio Alves autor da noção de florestania “esta é uma ideia de pertencimento à floresta. As versões de florestania que circularam na maioria da vezes são de âmbito político, virou uma espécie de ideologia de governo na época do governo do Jorge Viana, e também uma ideologia pela qual a oposição se insurge, e quando você fala de florestania é porque você é a favor do governo, ou você fala contra, é porque você é da oposição e nenhum dos dois entende o que é florestania” (Antonio Alves, entrevista realizada em 07/05/2014).

(30)

Universidade da Floresta34. Edna Shanenawa é uma desistente do curso de Formação Docente para Indígenas no campus Floresta – UFAC e na entrevista fez uma relevante avaliação do mesmo.

Conheci Roberval da Silva, no Encontro de produtores e comunidades tradicionais do Alto Juruá”, em Cruzeiro do Sul. Ele era assessor do deputado Federal Henrique Afonso do Partido do Trabalhador (PT) do Acre e nessa função participou ativamente dos vários encontros, seminários e reuniões em torno da criação da Universidade da Floresta.

Soube da existência de Haru Kuntanawa, jovem líder da etnia Kuntanawa, por meio das entrevistas que já havia realizado em Rio Branco e em Cruzeiro do Sul. Haru Kuntanawa era constantemente citado como um dos ativos participantes das discussões em torno da criação da Universidade da Floresta. Depois de alguns desencontros e muitos telefonemas consegui realizar uma breve entrevista em Cruzeiro do Sul.

Assim como Roberval da Silva conheci o seringueiro Antonio de Paula no “Encontro de produtores e comunidades tradicionais do Alto Juruá”, em Cruzeiro do Sul. Ele participou como representantes dos seringueiros em vários encontros sobre a criação da Universidade da Floresta.35 Segui o roteiro padrão de entrevista e Antonio de Paula contribuiu para aprofundar diversos temas em torno do projeto de criação da Universidade da Floresta e a sua participação nesse processo.

A entrevista com Francisco Chagas, ex-aluno do curso de Letras do campus Floresta – UFAC, foi realizada na sala de seu gabinete de trabalho na sede do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Cruzeiro do Sul. A entrevista não teve nenhuma privacidade, sendo diversas vezes interrompida por ele para atender a solicitações de trabalho.

Ao entrevistar Paulo Bernardes, professor de zoologia do campus Floresta – UFAC, ele me pediu várias vezes para interromper a gravação da mesma. Com o tempo, o professor foi se sentindo mais à vontade para expor suas ideia sobre a criação da Universidade da Floresta.

A entrevista com Evilácio Lima, atual coordenador do Centro de Formação e Tecnologia do Juruá (CEFLORA) foi tranqüila e objetiva, permitindo a contextualização de fatos relevantes no processo de criação da Universidade da Floresta.

34 A principal reivindicação das várias etnias indígenas presentes no encontro era contra a possibilidade de

prospecção de gás natural e petróleo em Terras Indígenas e em Unidades de Conservação naquele estado.

35 Entre esses o fórum “Pesquisa, Educação e Desenvolvimento no Alto Juruá” que será apresentado no Capítulo

2.

(31)

Entrevistei Walter da Silva e Marvis da Silva, irmãos, na qualidade de aluno e ex-aluna do campus Floresta – UFAC e nessa condição eles prestaram importantes informações sobre os cursos e a instituição que freqüentaram.

A entrevista com Benki Pianko, foi realizada no Centro Yorenka Atãme em Marechal Traumaturgo. O Centro Yorenka Atãme estava em festa. Benki Pianko me explicou que a pedido da Pastoral da Família da Igreja Católica de Marechal Thaumaturgo havia cedido o espaço do centro para a realização de um encontro com a juventude da cidade. Devido às festividades a entrevista foi breve, porém produtiva. Encerrada a entrevista, Benki Pianko mostrou todos os espaços do Centro Yorenka Atãme.

Entrevistei Fernando Pama Kawinawa, índio da etnia Kawinawa, na qualidade de ex-aluno do curso de Formação Docente para Indígenas do campus Floresta – UFAC. A entrevista também foi realizada em Marechal Thaumaturgo.

A pesquisa documental

Antes da minha ida ao Acre os únicos registros escritos a que tive acesso sobre a criação da Universidade da Floresta eram as entrevistas, publicadas em jornais e revistas, dos antropólogos Manuela Carneiro da Cunha36 e Mauro Almeida37. Embora esse material tivesse sido de grande valia no primeiro momento da elaboração do projeto de pesquisa mostrou-se logo depois insuficiente. Era indispensável buscar outros registros textuais – como ofícios, relatórios, projeto executivo da Universidade da Floresta, entre outros – para adensar a pesquisa com fontes textuais, mas sobretudo para delinear o roteiro da viagem de campo, que em breve se realizaria, e definir os principais atores do projeto de criação da Universidade da Floresta que deveriam ser por mim entrevistados.

Com o intuito de agilizar a viagem de campo, escrevi uma carta e a enviei por e-mail ao professor Dr. Yuri Caraccas de Carvalho, então diretor de Pós-Graduação da Universidade

36 Entrevista concedida pela antropólogo Manuela Carneiro da Cunha (aqui já comentada) à também antropóloga

Lilia Schwarcz “Brasil perdendo oportunidade”. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 2, n. 17, fev. 2007, p. 50-55.

37 Entrevista concedida pelo antropólogo Mauro Almeida a Bruno Weiss do Instituto Socioambiental (ISA). “A

Universidade da Floresta vai reunir cientistas e pajés. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/noticias/nsa/nsa/detalhe?id=1970(isa)> Acesso em: 22 jul. 2013. Entrevista concedida por Mauro Almeida ao também antropólogo Renato Sztutman. “Em favor da florestania”. Disponível em: <www.revistatropico.com.br/tropico/html/texto/2849,1.shl>. Acesso em: 22 jul. 2013.

(32)

Federal do Acre (UFAC). Nessa carta eu me apresentava e também expunha os objetivos da pesquisa, encerrando com a solicitação de apoio para ter acesso a diversos documentos – que especificava – de que precisava para dar continuidade ao meu estudo. Mas o diretor não respondeu à solicitação. Contando já com a colaboração da professora Olinda Batista fui aconselhada por ela a pedir os mesmos documentos para a professora Dra. Aline Andrea Nicolli, da Diretoria de Apoio ao Desenvolvimento de Ensino (DIADEN) da UFAC. Seguindo o padrão da carta anterior, entrei em contato com a professora Aline e recebi da secretária daquela diretoria, Lorena Costa Dias, apenas um dos sete documentos solicitados. A secretária explicava que não poderia enviar por e-mail os demais documentos pois não estavam digitalizados. A viagem de campo tornava-se cada vez mais necessária para a obtenção dos registros textuais.

Chegando em Rio Branco iniciei a pesquisa documental sobre a criação da Universidade da Floresta na Biblioteca da Floresta38. Já tinha informações de que essa biblioteca contava com um importante acervo sobre a história do Acre e sobre a biodiversidade da região Amazônica; com alguma sorte poderia encontrar também alguns documentos – como jornais, revistas e entrevistas – referentes à Universidade da Floresta. Mas para minha decepção o Centro de Documentação da Biblioteca da Floresta estava fechado e a explicação dada para esse fato era a falta de funcionários. Todavia, em conversas informais com a coordenadora do Centro de Documentação da biblioteca, Elaine Alves de Sousa, soube que a mesma possuía os contatos de telefone e e-mails de Elson Martins e de Antonio Alves – ambos participantes ativos da polêmica que se formou em torno da criação da Universidade da Floresta e os quais, posteriormente, conforme já dito, entrevistei.

Também estive na Biblioteca Pública Estadual de Rio Branco onde descobri, ao folhear o jornal “A Gazeta do Acre”, que o senador Jorge Viana estaria naquele mesmo dia na Casa dos Povos da Floresta39 para o lançamento da revista “Acreanidade”40. Nesse evento, que percebi logo a importância de presenciar, estavam presentes muitas autoridades, como o próprio senador Jorge Viana, o prefeito e o vice-prefeito de Rio Branco, respectivamente

38 A Biblioteca da Floresta possui um acervo especializado em assuntos e autores da Amazônia e do Acre. Seu

portal www.bibliotecadafloresta.ac.gov.br, é possível fazer download de vários arquivos e visitar algumas exposições, tais como: “25 anos: Chico Mendes Vive mais!. Também é possível visitar acervos de jornais e vídeos, entre outros.

39 É um espaço destinado a valorização da cultura dos povos indígenas e tradicionais da região acriana. Sua

arquitetura foi inspirada nas malocas indígenas. Possui um importante acervo em vídeo e documentação relativos à História do Acre.

40 A comissão editorial da revista “Acreanidade: o tempo e a força dos povos da floresta” foi coordenada pelo

jornalista Elson Martins. É uma revista anual do senador Jorge Viana, cujo tema do ano de 2014 foi acreanidade. A revista traz o artigo “Vida e Morte de Chico Mendes”, do filósofo e também jornalista, Antonio Alves.

(33)

Marcus Alexandre e Raimundo Angelim. Além de correligionários do partido do senador e do prefeito, assessores e funcionários públicos, estava também presente o jornalista Elson Martins, personagem ativo na criação da Universidade da Floresta.

O terceiro local onde busquei localizar documentos referentes à criação da Universidade da Floresta foi a própria Universidade Federal do Acre (UFAC), onde visitei a Diretoria de Apoio ao Desenvolvimento de Ensino (DIADEN), pesquisei o arquivo do gabinete do reitor e a assessoria dos órgãos colegiados. Infelizmente, o que consegui obter foram apenas alguns ofícios que mencionavam a criação da Universidade da Floresta. Na ocasião das visitas, boa parte dos departamentos da UFAC estavam fechada, inclusive a biblioteca e a editora universitária (EDUFAC), ou funcionando com um número muito reduzido de funcionários, já que estavam em greve41 e os docentes e alunos em férias42.

Em Rio Branco também visitei livrarias em busca de publicações sobre a História do Acre em geral e sobre a criação da Universidade da Floresta em especial.

A pesquisa documental também prosseguiu em Cruzeiro do Sul, onde fiz visitas ao

campus Floresta – UFAC. Nesse campus, assim como na UFAC em Rio Branco, os

funcionários estavam em greve e os docentes e alunos, em férias. Todavia, como permaneci nesse município até meados de maio pude acompanhar o retorno das atividades acadêmicas e prosseguir com as minhas buscas, sem muito êxito, de registros textuais sobre a criação da Universidade da Floresta.

Grande parte dos registros textuais – projetos propostos, atas de encontros e reuniões, ofícios, portarias administrativas, relatórios, etc. – sobre a criação da Universidade da Floresta que obtive me foi fornecido pelas pessoas que entrevistei durante a viagem de campo. Esse fato mostra a importância do trabalho realizado de coleta e de organização dos dados documentais para a memória da Universidade da Floresta, uma vez que quase nenhum deles foi obtido em arquivos da UFAC e/ou do campus Floresta – UFAC.

41

Os servidores da Universidade Federal do Acre (UFAC) entraram em greve no dia 17 de março de 2014, retomando as atividade no dia 18 de junho de 2014, depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) emitiu uma medida liminar determinando o fim da greve de servidores das universidades e institutos federais do país. Disponível em: <http://g1.globo.com/acrenoticia/2014/06/apos-liminar-do-stj-servidores-da-ufac-encerram-greve.html>. Acesso em: 17 fev. 2015.

42 De acordo com a Resolução nº 48-A, de 16 de setembro de 2013, o 1º período de férias coletivas dos docentes

foi de 09 de abril a 08 de maio de 2014. Disponível em: <www.ufac.br/portal/.../calendrioacadmico20132>. Acesso em: 17 fev. 2015.

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Organização do trabalho

Esta dissertação está organizada em três capítulos, além desta Introdução. Inicio o trabalho apresentando ao leitor um breve histórico das disputas que se formaram em torno da criação de uma instituição de ensino superior no estado do Acre – a Universidade da Floresta; em seguida apresento os diversos significados que os diferentes atores envolvidos com a criação da Universidade da Floresta atribuem à noção de “conhecimentos tradicionais” que é, conforme veremos, fundante do projeto original de criação dessa universidade. Meu propósito é oferecer um mapeamento inicial da polissemia que existe em torno da noção de conhecimentos tradicionais entre os “nativos” desse estudo.

No Capítulo 2 busco pontuar os principais eventos que precederam a implantação do que se tornou a Universidade da Floresta. Por meio da análise desses eventos é possível observar a cristalização das controvérsias em torno do projeto de criação da universidade, o confronto de concepções/lugares que vai se mostrando pelas falas dos diferentes atores envolvidos – políticos, reitor, antropólogos, professores, lideranças indígenas, lideranças ambientalistas, intelectuais locais etc. Essa análise se utiliza do “Projeto Executivo Universidade da Floresta”, documento que serviu de base para a série de eventos narrados.

No Capítulo 3 retomo os principais pontos discutidos nos capítulos anteriores e trago à luz as diferentes e/ou convergentes perspectivas que os entrevistados têm sobre o projeto de criação da Universidade da Floresta.

Por fim, nas considerações finais, procuro sintetizar os principais resultados desta pesquisa e apresentar uma interpretação sobre os fatos descritos.

Referências

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