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O Terrorismo Islâmico Transnacional no presente

7 – Terrorismo de Matriz Islâmica: a emergência de uma ameaça global

10. O Terrorismo Islâmico Transnacional no presente

“O mundo não é o mesmo desde a manhã de 11 de Setembro de 2001. Perante a estupefação e incredulidade, um absurdo brutal tornou-se um risco permanentemente possível em qualquer lugar e em qualquer país. O sentimento de uma nova e enorme vulnerabilidade passou a ter o sabor amargo da incompreensão e da impotência.” (Vilar, 2006: 16 in Meirinho (coord.), 2016: 25)

O mundo, no geral, tem hoje um pensamento e uma percepção completamente diferentes em relação ao terrorismo, comparativamente com o século transato. E, como temos vindo a analisar neste ensaio, o grande propulsor desta mudança foi sem dúvida, o 11 de Setembro de 2001. O terrorismo, fenómeno que, apesar de tudo, não era de todo, uma novidade, não tinha, até então, captado a atenção da opinião pública mundial, da sociedade civil, dos governos mundiais e da comunidade académica espalhada pelo mundo. Este acontecimento, por um lado, vem romper com tradição do terrorismo até à data, adicionando-lhe uma componente islâmica transnacional, como também, capta, de forma generalizada, todos os actores acima

mencionados. Isto deveu-se à complexidade do ataque em si, por ter sido bem-sucedido, e sendo sobretudo contra a maior potência global, mas também, ao tremendo impacto da comunicação mundial ao nível difusão de informação relativa aos acontecimentos no mundo inteiro, algo que não acontecia noutros séculos. Poucas horas ou minutos depois de os ataques terem acontecido, grande parte do mundo já estava a ter conhecimento desses mesmos ataques, dada a rapidez e fluidez na difusão da informação, quer na televisão, quer na internet, ou noutras plataformas. Ora, para além desse acontecimento, o desenrolar desta especificidade deste fenómeno no mundo, continua activamente, a captar atenção da opinião pública mundial, devido aos numerosos ataques que têm acontecido pelo mundo fora. O conceito e a atenção captados começam sobretudo através das acções da Al-Qaeda e das sucessivas declarações31 de Guerra de Osama Bin Laden e desenvolvem-se a partir das acções

retaliadoras dos Estados Unidos para dar lugar a um novo leque de actores contemporâneos, com foco principal para o Estado Islâmico, embora não exclusivamente.

Hoje, o Terrorismo é maioritariamente islâmico e transnacional, sendo esta última um componente recente nos últimos anos. É um conceito que está muito vivo e muito actual. Há que notar, contudo, que muitas vezes, o conceito deste tipo específico de terrorismo é confundido com fundamentalismo islâmico (Silva, 2016: 127) e que, cada vez mais há suspeitas relativamente aos muçulmanos por parte da opinião pública generalizada ocidental. No geral, parece claro notar-se uma grande fatia da opinião pública mundial a associar todos os muçulmanos a terroristas, bem como fazer confusões com as especificidades de conceitos desta matéria. É também certo que, o Terrorismo Islâmico Transnacional se afigura cada vez mais complexo com o passar dos anos, não se resumindo, ao que possa parecer a uma única organização terrorista. Há cerca de dez anos atrás, seria eventualmente mais assertivo poder assumir este risco, atribuindo à Al-Qaeda esse estatuto. Actualmente, há por um lado, um número em crescendo de organizações terroristas activas e com capacidade para perpetuar ataques em inúmeros territórios no globo, como também existe uma variedade de células a cooperarem entre elas e também em conformidade com outras organizações terroristas. Para

além destas, há os também emergentes “lobos solitários”32, capazes de levar a cabo sérios

31 A jihad global contra o Ocidente

32“Pessoa que age por si própria sem ordens ou quaisquer ligações a uma organização. (…) Distingue-se do

operacional adormecido, na medida em que se encontra infiltrado na sociedade ou organização alvo e

permanece dormente até que a organização ou grupo a que pertence dê a ordem para a acção. Em contraste, o lobo solitário é um operacional que por sua iniciativa se infiltra na sociedade ou grupo alvo e é capaz de se activar por vontade própria” (Burton e Stewart, 2008 in Meirinho (coord.) 2016: 29)

ataques em qualquer território doméstico ou estrangeiro. Desta forma, embora o Estado Islâmico seja o foco principal dos governos ocidentais em matérias de política externa e defesa e segurança, há igualmente uma complexidade paralela de actores a actuar conjuntamente e em separado, tornando a ameaça em si, cada vez mais complexa, imprevisível, perigosa e, evidentemente, mais difícil de eliminar.

A somar a estes factos, há a questão da internet nos dias de hoje. Esta tem servido, desde logo, como meio de comunicação entre terroristas, na concepção de ataques, na captação de ideias e organização das mesmas, entre outras coisas, como também, como veículo de propaganda da jihad, movimentação de massas para a sua tão desejada luta contra o ocidente. Por outro lado, é também utilizada como método essencial no recrutamento de cidadãos de todos os cantos do mundo.

A jihad global contra o Ocidente não se inicia com o Estado Islâmico, mas sim com a Al- Qaeda, mais concretamente através do então líder Bin Laden, e actualmente está a ganhar novos contornos, com os sucessivos ataques e acções em variadíssimos territórios. É pertinente apontar algumas causas e razões desta luta, para fazer a ponte com a actualidade do fenómeno em estudo e perceber a complexidade da ameaça para o mundo ocidental. Desde logo, há uma relação estreita com os efeitos das colonizações europeias no mundo muçulmano ao longo do século XX. Estas fizeram muitos muçulmanos regressar ao caminho da religião (idem, 130), a movimentos nacionalistas, a independências e sucessivas migrações de muçulmanos para a Europa, alimentando, em muitos casos, o sentimento e vontade de islamização da Europa, que, os muçulmanos mais radicais consideram ser a forma mais ideal de alienar europeus “descristianizados” à sua religião, e os ocidentais, por sua vez, consideram que esta é uma forma de fazer crescer o terrorismo de matriz islâmica (ibid.). Paralelamente, há, por parte dos muçulmanos mais radicais, um desejo vivo de “reconquistar” a Europa, de aplicar, desejavelmente, no pleno, a lei da Sharia e reedificar o império muçulmano. Como refere Teresa de Almeida e Silva, alguns muçulmanos na Europa têm radicalizado acções contra os países que os acolheram, algo que é agradavelmente visto pelos muçulmanos radicais nos países de origem. E a questão não se prende única e exclusivamente com estes muçulmanos migrantes radicais em território Europeu: os seus descendentes são, por vezes, mais extremistas que eles próprios. Há, neste sentido, um problema interino corrente, presente nas comunidades e minorias muçulmanas residentes na Europa, que nasceu

e se foi desenvolvendo por razões histórias e de relações próximas entre alguns países Europeus e países muçulmanos. Repare-se que, por exemplo, existe um grande número de argelinos na França, ou marroquinos na Espanha, etc. Esta questão levanta um sério problema, com o qual é necessário ser-se cuidadoso: não se pode, em circunstância alguma, colocar tudo o que é muçulmano como sendo um problema para a Europa ou para o Ocidente porque pode, eventualmente, constituir ameaças para a segurança da Europa. Seria completamente errado. Porém, existem os que têm vindo a ser radicalizados e vocacionados para a defesa extremista do Islão, mesmo se tal tem implica a eliminação ou a guerra contra aqueles que, eventualmente não permitam que essa mesma visão seja implementada. E, como a autora diz, “esta luta (denominada pelos muçulmanos como jihad global contra o Ocidente) que tem vindo a ser travada um pouco por todo o mundo e com especial realce na Europa, demonstra que algumas comunidades muçulmanas radicadas no “velho continente” podem ser, efectivamente o rastilho de que o terrorismo necessita para se perpetuar.” (idem:132). Neste sentido, a ideia fundamental a ser retida é a de que, a componente transnacional do terrorismo islâmico está cada vez mais presente na actualidade, quer por um lado, pelo aumento significativo no recrutamento de pessoas, jovens ou adultas, oriundas não apenas da Europa, mas do Ocidente, por parte de organizações terroristas (nomeadamente e sobretudo o Estado Islâmico), as quais têm vindo a constantemente a viajar para Síria para fazer parte desta ou de outras organizações (algo que tem vindo a ser notícia por parte dos meios de comunicação ocidentais – ocidentais que se juntam ao EI e que viajam para a Síria quer numa fase ainda mais prematura para se fazerem muçulmanos , quer já numa fase mais avançada para se juntar efectivamente a grupos ou organizações, como também aqueles que têm sido identificados como potenciais jihadistas, sendo desde logo detidos atempadamente), quer por outro lado, pela presença de minorias muçulmanas radicalizadas na Europa, já existente, embora difícil de serem identificadas, com ligações aos grupos ou organizações islâmicas presentes noutros continentes, mas também na Europa, e já a operar nesse mesmo seio (europeu), seja através da organização, em grupo, seja pela forma solitária .

Temos então, uma complexidade de actores que tornam a ameaça em si mais perigosa, volátil e incerta, e que constituem uma séria ameaça e um desafio tremendo ao mundo ocidental, e em particular à Europa, que parece ser , nos dias que correm o foco central dos radicais islâmicos perpetuarem os seus ataques, pelas razões que temos vindo a desmistificar. O velho continente e o resto do mundo ocidental nunca assistiram, na sua História, a níveis de

segurança tão elevados, pois claramente, a ameaça assim o obriga. Hoje em dia, em quase a cada canto considerado como eventual palco desta especificidade de ameaça por toda a Europa, está presente, no terreno e no backoffice uma série de forças de segurança e de vigilância, constantemente a supervisionar e a zelar pela defesa e segurança de pessoas e espaços, algo sem precedentes na história da Europa. E dia após dia, os meios de comunicação dão conta de relatos e notícias fidedignas de detenções de suspeitos terroristas e potenciais inimigos e muçulmanos radicalizados que pretendem desenvolver ataques ou que tencionam viajar para outros países ou continentes para levar a cabo as suas intenções ou acções. Paradoxalmente, contudo, há um clima de insegurança e medo substancialmente maior do que há uns anos atrás, mesmo quando própria ameaça em questão passou a ser prioridade dos Estados e dos governos ocidentais.

Inúmeros são os debates acerca da luta acesa contra o terrorismo islâmico transnacional no presente, e o esforço que têm vindo a ser desenvolvido no mundo ocidental parece não ser suficientemente eficaz para travar o aumento e a complexidade da ameaça. O centro das atenções dos sucessivos discursos e debates dos vários chefes de estado e chefes de governo mundiais parece ir para a questão da segurança das fronteiras, mas neste estudo, conseguimos provar que a questão vai, sem dúvida para além dessa questão, pelo que já não é suficiente centrar atenções apenas e só no controlo dos espaços fronteiriços europeus e do resto do mundo ocidental. A complexidade da ameaça obriga hoje a um foco ocidental mais interno, virado essencialmente para a questão das minorias islâmicas radicalizadas já presentes em territórios ocidentais, maioritariamente europeus, e a encontrar soluções para estes desafios. Uma das possíveis soluções, diz-nos a autora, para tentar evitar que estas comunidades ou minorias muçulmanas espalhadas pelo mundo se tornem focos de disseminação do terrorismo poderá passar pela adopção de políticas de integração desses imigrantes, por parte dos países de acolhimento (idem, 133), embora seja também certo que têm havido uma grande dificuldade a integração plena desses imigrantes, por razões económicas, sociais, por atitudes de resistência por parte de certas sociedades europeias quanto a esta integração, como também, por atitudes de resistência pelos próprios muçulmanos que, consideram, muitos deles, que os valores ocidentais são errados e até prejudiciais para a sua identidade e a dos muçulmanos mais jovens que os acompanham (ibid.). Há uma pretensão clara de fazer prevalecer os fundamentos mais puros do Islão, e isso afigura ser um claro entrave a eventuais relações entre certas comunidades e minorias muçulmanas e a Europa. Neste sentido, o

problema das fronteiras não pode ser esquecido pelos decisores europeus e ocidentais, é certo, como têm de existir políticas claras na gestão e na relação com as comunidades muçulmanas, sejam de acolhimento e integração ou o seu contrário, uma vez que as questões são extremamente sensíveis.

Por outro lado, a prevalência das minorias radicalizadas em território ocidental, como visto, acentuam o desafio aos decisores ocidentais, exigindo desviar, mas não completamente, o foco único das fronteiras e passar também a centrar atenções nos mais variados bairros e locais de residência destes mesmos actores. A ameaça do terrorismo islâmico transnacional de momento, é cada vez mais perigosa e exigente pelo quadro complexo a que temos vindo a analisar.

No fundo, e para enquadrar, o que está em aqui em causa vai de encontro às tendências perspectivadas e anteriormente analisadas neste estudo: o terrorismo islâmico transnacional parece estar a atingir o seu auge, pelos elevados números de ataques sucedidos em todo o mundo, algo sem precedentes históricos, como constatado no Gráfico 1 (Capítulo II). O Estado Islâmico e o Boko Haram são, actualmente, as organizações que mais mortes causam e

que mais ataques conseguem desencadear (GTI, 2015: 04); a Europa, não é, de forma alguma,

o palco principal do terrorismo nos dias correntes, ao contrário do que eventualmente possa

parecer.33 Países como o Iraque, o Afeganistão, a Nigéria, o Paquistão e a Síria, são hoje os

países mais afectados pelo terrorismo, estados extremamente vulneráveis a ataques e que lidam diariamente com esta ameaça. (idem: 09)

33 Esta ideia deve-se sobretudo ao tremendo impacto que um ataque terrorista pode causar (e fá-lo) em território ocidental, através da enorme influência dos meios de comunicação ocidentais – repare-se que o Ocidente chorou a morte das vítimas dos ataques no Bataclan, Paris 2015, de uma forma profundamente notória, onde a internet e as redes sociais rapidamente reagiram com fotografias alusivas à França, em sentimento de luto e respeito pela memória das vítimas e as suas famílias, bem como, pela Europa fora se iluminaram, pelos mais célebres monumentos, a bandeira da França. Um sem-número de ataques e atentados ocorreram e ocorrem também noutros países fora da Europa e não têm o mesmo impacto pelo mundo, precisamente pelo impacto que os media ocidentais lhe atribuem. Existiu, apesar de tudo, de um ataque ocorrido na Nigéria - o rapto de cerca de 200 raparigas na Nigéria - perpetrado pelo Boko Haram, em 2014, que lançou uma forte campanha solidária pelo mundo ocidental, onde um grande número de pessoas prestou a sua homenagem, com fotografias e lemas, com a mensagem “#bringbackourgirls.”

“The 2015 Global Terrorism Index highlights that terrorism continues to rise. The total number of deaths from terrorism in 2014 reached 32,685, constituting an 80 per cent increase from 18,111 the previous year. This is the highest level ever recorded. The significant majority of these deaths, over 78 per cent, occurred in just five countries; Iraq, Nigeria, Afghanistan, Pakistan and Syria. Dados de 2014 mostram que houve um aumento de 80% no número de mortes causadas por terrorismo, registando assim o nível mais alto de mortes. While terrorism is highly concentrated in a small number of countries, the number of countries which have had a terrorist attack is also increasing. In 2014 terrorism impacted more countries than ever before. Attacks were recorded in 93 countries, up from 88 in 2013. This continues the trend from 2011 with more countries experiencing terrorist attacks and deaths each year.

Furthermore, there was a 120 per cent increase in the number of countries that recorded over 500 deaths: in 2014 eleven countries, up from five countries in 2013. Nigeria experienced the biggest year-on-year increase in deaths ever recorded with 5,662 more people being killed, an over 300 per cent increase.” (ibid.)

Fig. 3 – Ranking dos países mais afectados pelo Terrorismo, 2015 - fonte: Global Terrorism Index.

Fig. 4 – Escala de impacto do terrorismo – fonte: Global Terrorism Index

11. Análise de Risco e Análise Estratégica face à Al-Qaeda

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