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2.1 Moda: uma instituição moderna

2.5 O tipo blasé

A teoria sociológica sobre a modernidade de SIMMEL (2005) trata de questões miúdas, de práticas do cotidiano chamadas pelo autor de "fatos urbanos". O autor traz à tona problemas como o dinheiro, a moda, os estilos de vida na cidade, entre outros101. Louis WIRTH (1999), por exemplo, apresenta categorias específicas para pensar a cidade, entre as quais: os grupos secundários, a segmentação de papéis, a mobilidade social. O comportamento do habitante da metrópole moderna, designando-o como o tipo blasé. Para o autor, a especialização funcional do indivíduo torna-o objeto de diferenciações cognitivas e sensoriais ilimitadas porque são estas subordinadas à vida própria dos grandes centros urbanos. Ou seja, a metrópole extrai do homem uma quantidade de atenção diferente daquela da vida do campo ordenada pelos ciclos da natureza. O fundamento dessa abordagem sobre a

99 SINGER, Ben. Modernidade, hiperestímulo e o início do sensacionalismo popular. In: CHARNEY, Leo e

SCHARTZ, R (Orgs.) O Cinema e a Invenção da Vida Moderna. - 2. ed. - São Paulo: Cosac e Naify, 2004, p. 117.

100 BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. – São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 224.

101 Louis WIRTH e Georg SIMMEL pertencem à Escola de Chicago, EUA. SIMMEL, G. A Metrópole e a Vida

recepção é, portanto, fisiológico. Há, segundo os diversos estudos que esta tese reúne, uma conformação das bases sensoriais e sensuais do indivíduo aos estímulos e à massa de objetos que o rodeiam.

Nesse espaço de organização e controle social o ritmo da vida e o conjunto das imagens mentais fluem cada vez mais céleres, levando o corpo e o psiquismo a desenvolverem estratégias para preservar a vida interior ou subjetiva. Uma das técnicas ativadas pelo indivíduo urbano é o controle da atenção. A racionalização da experiência, o modo frio e distanciado com que o indivíduo se relaciona com o outro e com os objetos é a essência dessa diferenciação da mente. A contraditoriedade das duas tendências faz-se notar já que o blasé é, por um lado, impessoal e, por outro, possuidor de uma vida interior intensa. Esse afastamento é necessário em função da forte agitação ou movimentação nos grandes centros. Resfriam-se as relações nessas condições de neutralidade emocional. Pode-se estender este aspecto da análise de SIMMEL (2005) aos rostos blasés dos outdoors de moda. Nessas imagens os rostos das ‘modelos’ transmitem sentimento de tédio, cansaço, melancolia. São estes os valores ou aspectos das imagens apontados pela pesquisa empírica discutida no capítulo 3. Questiona-se se esses rostos, que evidenciam um modo de atenção limítrofe, traduzem o tipo blasé.

A essência da atitude blasé consiste no embotamento do poder de discriminar próprio da atenção. Isto não significa que os objetos não sejam percebidos, mas, antes que o significado e valores diferenciais das coisas são experimentados como

destituídos de substância.Falta-lhes coloração, pensa SIMMEL (2005) e BENJAMIN

(1994) alerta para esse processo de descoloração do mundo, como a diminuição da capacidade do homem moderno de comunicar a experiência, praticando-se o distanciamento social102. É unânime entre esses historiadores da cultura, que a causa dessa diferenciação da percepção é o aumento da velocidade das interações e a intensidade dos estímulos. Nesse mundo pautado pela velocidade e a mudança o outro é visto como informação e está inserido na cultura do valor de troca. Para muitas pessoas a forma de salvaguardar a auto-estima é uma posição no universo social e, dá-se indiretamente, através do conhecimento do outro e da competência em administrar uma técnica da imagem oriunda, em parte, do conhecimento dos códigos da moda.

102 BENJAMIN, W. O narrador. In: Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da literatura.

Não por acaso as atividades de condicionamento físico ganham enorme aceitação, nas últimas décadas, por parte do homem urbano. Essas "técnicas do corpo", que incluem programas de emagrecimento e (re) modelagens do corpo, oferecidos pelas academias e pelos artigos de moda para construir repertórios in, evidenciam a necessidade de se satisfazer a essas novas demandas subjetivas. O homem nas sociedades "sabe servir-se de seu corpo"103 que é sempre o primeiro a ser solicitado pela regulação social e é suscetível às imposições culturalmente construídas. Cada sociedade cuida, pois, desses limites e códigos que depois se tornam práticas do sujeito. O corpo, hoje, é muito solicitado pela mídia e pela moda.

È perceptível a mudança na organização da vida mental do homem urbano. O indivíduo moderno desenvolve um comportamento dissociativo – ora como observador de imagens (ser da distração, da dispersão da atenção), ora como ser controlador da atenção (intensificando o contato consigo mesmo). Com palavras proféticas SIMMEL (1973) pontua: "(...) o homem é tentado a adotar as peculiaridades metropolitanas do maneirismo, capricho e preciosismo. O significado dessas extravagâncias está na sua forma de ser diferente, de se sobressair de forma notável e assim atrair atenção". 104 Nesses "maneirismos" representada a moda e demais práticas da aparência. No interjogo da espectação e dos gestos se arquiteta o conjunto das atividades da aparência.

No liame dessas imagens do cotidiano reside em duas tendências quase opostas, mas que se fortalecem em um compromisso mútuo: "a dedicação à totalidade social e a imposição da própria individualidade". 105 O indivíduo urbano subsume-se na generalidade fazendo uso de todas as facilidades da cultura de massa e, ao mesmo tempo, dela tenta diferenciar-se. Nessa arena do cotidiano surge a instituição da moda, para onde confluem os sentidos de permanência e transitoriedade, pertença e não-pertença, imitação e variabilidade.

103MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. –Tradução Paulo Neves. São Paulo: Cosac & Naif, 2003, p. 401. 104 SIMMEL, Georg. A Metrópole e a Vida Mental. In: VELHO, Otávio Guilherme (Org.) O Fenômeno Urbano. 2

Ed. Tradução de Sérgio Marques dos Reis. – Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973, p. 22.

105 SOUZA, J. e ÖELZE, B. Simmel e a Modernidade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2005, 2. ed., p.