• Nenhum resultado encontrado

O trabalhador rural e a emergência do Estado Desenvolvimentista

1 ESCRAVISMO, LATIFÚNDIO E FORÇA DE TRABALHO NO CAMPO

1.4 O trabalhador rural e a emergência do Estado Desenvolvimentista

A partir dos anos de 1930, configura-se, em um contexto de crise mundial, o Estado desenvolvimentista, cujo principal escopo era alavancar a construção do capitalismo industrial no país (SALLUM JÚNIOR, 1995). A crise internacional de 1929-1933 resultou na paralisia do mercado mundial, e no Brasil, as oligarquias agroexportadoras cafeeiras tornaram-se vulneráveis econômica e politicamente. Disso, resultou uma ascensão de oligarquias de setores que não estavam no núcleo do poder político, tais como do açúcar e do gado, entre outros, com destaque para os produtores de carne do sul, de onde surge a liderança política de Vargas (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).

A ascensão de Vargas ao poder, como cediço, deu-se por meio da Revolução de 30, que na verdade representou uma ampla coalizão de forças, da qual faziam parte, além das oligarquias agrárias citadas, um setor industrial emergente, que dispunha de uma agenda modernizadora, e que também contou com o apoio de segmentos militares, sobretudo tenentes. Desse modo, houve uma quebra da hegemonia do setor cafeicultor (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).

Sader (1999) aduz que, houve a ampliação dos setores da elite no poder, o que proporcionou o incentivo ao desenvolvimento industrial e abriu espaço para a

participação da classe média. No entanto, excluiu os camponeses, deferindo direitos sociais básicos, apenas aos trabalhadores da cidade, embora estes, não pudessem agir de forma independente do Estado. O autor salienta que o maior avanço foi a possibilidade de participação política de setores populares, com a renovação e ampliação das elites dirigentes.

Nesse contexto, ocorreu a reorganização do Estado, que passou a intervir nas relações entre capital e trabalho, a fim de impulsionar o desenvolvimento capitalista no país, com ênfase na estruturação e desenvolvimento do capital industrial. Uma diretriz fundamental, no período de 1930 a 1945, foi a busca pelo desenvolvimento industrial, via substituição das importações, com apoio no mercado interno, associando o crescimento da produção à expansão do consumo (NUNES; ROCHA, 1994).

A atuação regulatória do Estado visava mediar o conflito de classes transformando-o em colaboração entre classes. A regulação do trabalho também tinha como objetivo expandir o mercado interno, desenvolvendo uma massa urbana, capaz de servir de mercado de consumo para bens duráveis e principalmente alimentos, base para um mercado auto-sustentável, fundado no modelo fordista, mas com características próprias, considerando a relação de dependência do Brasil em relação aos países capitalistas centrais, numa espécie de fordismo periférico (LINHARES; SILVA, 1999). A intervenção do Estado nas relações de trabalho se deu, especialmente, de duas formas: através do controle do movimento sindical, atrelando-o ao Estado e ao mesmo tempo, pela edição de uma legislação que passou a regular os direitos sociais dos trabalhadores urbanos (NUNES; ROCHA, 1994).

A constituição de 1934 consagrou a competência do governo federal para regular as relações de trabalho, criou a Justiça do Trabalho, que entrou em funcionamento em 1941 e estabeleceu a jornada de oito horas para os trabalhadores urbanos, além de instituir o salário mínimo. Em 1943 foi editada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regulava as relações de trabalho e colocava o sindicato sob a vigilância do Estado, com o monitoramento do Ministério do Trabalho.

Não obstante, o trabalhador rural foi expressamente excluído da proteção social surgida nesse período, bem como, praticamente impedido de se organizar em sindicato, uma vez que, era necessária a edição de lei específica. Somente lhes eram aplicáveis poucos dispositivos da CLT, que se referiam a férias, salário mínimo, aviso prévio e remuneração, entretanto, tais garantias foram totalmente ignoradas pelos empregadores rurais.

[...] a restrição de preceitos legais aplicáveis aos rurícolas, associada a uma sistemática omissão administrativa do Ministério do Trabalho no tocante às relações sócio jurídicas do campo, a par da então modestíssima estrutura do ramo judicial especializado na aplicação das leis trabalhistas (a justiça do Trabalho), tudo contribuía para manter a zona rural como verdadeiro limbo trabalhista no contexto do mercado de trabalho do país (DELGADO, 2007, p.381).

É verdade que “[...] as transformações políticas e sociais que acompanham a crise dos anos de 1929-1933 e a II Guerra Mundial, de 1939-1945, criaram as condições propícias para uma transição para um sistema econômico em que predomina o setor industrial” (IANNI, 2005, p.129). Nesse sentido as decisões políticas sobre os rumos das políticas econômicas passaram a ser tomadas em função dos interesses da burguesia industrial, especialmente nas décadas de cinqüenta e sessenta (IANNI, 2005).

Mas, muito embora, houvesse uma subordinação econômica e política da agricultura à indústria, as oligarquias rurais agroexportadoras continuaram proprietárias de grandes extensões de terras e produzindo para exportação, mas sem deter a hegemonia anterior. Contudo, foi forjada uma aliança entre a burguesia industrial, que passou a deter o poder político, e as antigas oligarquias rurais, que, desse modo, conseguiram se manter como classe social (STEDILE, 2005).

Houve ainda, o surgimento de um setor industrial vinculado à agricultura, dedicado à produção de insumos agrícolas, como ferramentas, adubos químicos, agrotóxicos, entre outros. Assim como o desenvolvimento da chamada agroindústria, dedicada ao beneficiamento de produtos agrícolas (STEDILE, 2005). Logo, os setores industrial e agrário mantiveram uma relação de complementaridade e interdependência.

Mas, como ressaltam Linhares e Silva (1999), a maior e mais importante mudança iniciada após a segunda Guerra foi a inversão na relação campo/cidade, com a

população rural passando de 64% do total do país em 1950, para 33% em 1980. Desde o fim da década de quarenta, verifica-se um forte êxodo rural, que tem como origem, em grande parte, o monopólio da terra, traduzido no latifúndio, a precariedade da vida no campo e especialmente a inexistência de emprego no setor agrícola.

Como assinala Martins (1999a), desde a crise do escravismo, no final do Século XIX, os escravos haviam sido substituídos por camponeses24 pobres, que mantinham uma relação de quase servidão com o proprietário da terra, mas a partir da década de cinqüenta, o capital impulsiona drásticas transformações nessas relações, levando à expulsão dos camponeses e sua proletarização completa. O autor divide o país em três grandes regiões, para efeito de análise das transformações nas relações de trabalho, quais sejam: o Nordeste canavieiro, as fazendas de café do sudeste e a Amazônia.

De acordo com o estudo referido, as transformações começaram a ocorrer nos canaviais do Nordeste, a partir da década de cinqüenta. Nessa região, desde o final da escravidão, o trabalho era realizado, em regra, por trabalhadores que residiam nas grandes propriedades e que cultivavam seus próprios produtos de subsistência. Todavia, a reanimação da economia do açúcar provocou a elevação do número de dias que os trabalhadores deveriam prestar gratuitamente aos fazendeiros, a fim de poderem continuar a produzir os gêneros alimentícios para seu sustento. Deu-se, então, início às lutas sociais na região. Em período subseqüente, os proprietários passaram a expulsar os trabalhadores da terra para ocuparem uma área maior com cana-de-açúcar e extinguiram a possibilidade de cultivo de produtos alimentícios para subsistência (MARTINS, 1990).

De outro lado, nas fazendas de café do Sudeste, especialmente em São Paulo, durante a década de sessenta, também ocorreu a expulsão maciça de trabalhadores. Tal fato se deu em razão de vários fatores, entre os quais: a política governamental de erradicação do café para as áreas de baixa produtividade e sua substituição por outras culturas, mais modernas e mecanizáveis, ou sua substituição por pastagens. Em ambos os casos, houve grande expulsão de trabalhadores

24

Optamos por manter o termo camponeses tal qual utilizado pelo autor, apesar da discussão acerca da extensão que tal denominação suscita conceito.

residentes nas propriedades. Martins (1990) também destaca que, a mecanização e a utilização de produtos químicos, em certas fases da produção agrícola, tornaram desnecessária a utilização da mão-de-obra permanente. Passaram a ser utilizados trabalhadores avulsos na época da colheita. Por outro lado, os proprietários se apropriaram das terras que eram utilizadas pelos trabalhadores para produção de subsistência, utilizando-as para a produção dirigida à comercialização (MARTINS, 1990).

Em ambos os casos: a cana-de-açúcar no Nordeste e o café no Sudeste, as mudanças importaram na formação de uma massa de trabalhadores miseráveis, itinerantes e desenraizados que migravam em busca de trabalhos sazonais.

Registra que, na década de setenta, a expulsão de trabalhadores chegou aos seringais da Amazônia, não em razão de mudanças no processo de trabalho, mas motivada pela derrubada das matas para implantação de grandes pastagens e substituição da economia extrativa de borracha e castanha-do-pará pela agropecuária. Isto, como conseqüência da política de incentivos fiscais do governo militar, para que o grande capital se expandisse para a Amazônia (MARTINS,1990).