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O TRABALHO E A RELIGIOSIDADE COMO VALORES VINCULADOS À

CAPÍTULO I - A PRESENÇA DOS COLONOS (I)MIGRANTES NO INÍCIO DO

1.3 O TRABALHO E A RELIGIOSIDADE COMO VALORES VINCULADOS À

FAMÍLIA

O trabalho a partir da unidade familiar e a religiosidade são aspectos que interagiram

com o modelo social pensado pelo projeto colonizador, inserindo-se como dimensões que

aglutinavam as ações no âmbito individual e no espaço social, construindo relações e conflitos

e, deste modo, contribuindo para a caracterização sociocultural do colono no início do século

XX.

Consideramos importante a análise da religiosidade e do trabalho, praticados pela

família do colono, por estarem relacionados ao papel que a religião exercia sobre as famílias e

por associarem-se a valorização da terra, como elementos cruciais para a reprodução

socioeconômica.

Neste sentido, buscamos elementos de análise acerca da dimensão do trabalho e da

religiosidade dos colonos, por colocarmos como uma hipótese possível, que o processo de

organização social construído pelos pequenos agricultores na região Alto Uruguai, a partir dos

anos 1980, está associado à religiosidade, pela aceitação ao trabalho realizado pelos setores

progressistas da Igreja Católica e ao trabalho e defesa da terra, pelas lutas e pelas

organizações que são criadas no meio rural nesta região.

Ao associamos o trabalho e a religiosidade, como aspectos que podem ter contribuído

para o processo de organização social na região Alto Uruguai, não consideramos estes

aspectos como uma exclusividade desta região, porque processos semelhantes ocorreram em

outras regiões do Estado gaúcho e do Brasil, como o sudoeste paranaense e o oeste

catarinense, entre outras regiões do país. Apenas salientamos que são elementos do campo

histórico que se relacionam com a trajetória dos pequenos agricultores desta região e de

algum modo contribuem para uma caracterização dos mesmos.

O trabalho desenvolvido pela unidade familiar tem um significado que normalmente

ultrapassa a esfera econômica, recebendo adjetivos como educação para o trabalho,

responsabilidade e comprometimento entre os membros da família. Esta conotação dada ao

trabalho fez parte das relações de produção que se estabeleciam dentro da propriedade pela

unidade familiar.

No entanto, geradora da própria renda, a unidade familiar não deixa de se submeter ao

capital, reproduzindo as relações de produção por ele determinadas. Deste modo, o trabalho, a

busca pelo aumento da produtividade, a obtenção do lucro e a defesa da terra como um capital

econômico, acompanharam a trajetória das famílias dos colonos desde o processo de

ocupação nesta região, que se justificava, primeiramente, pela necessidade de quitação das

dívidas pela compra da terra e, também, como forma de melhorar a sua condição de vida em

termos de alimentação e moradia. Para atingir a tais objetivos a família via-se forçada a uma

rotina rígida de trabalho e pela adequação as transformações capitalistas do meio rural, quanto

à produção e a comercialização dos produtos.

No sistema de colonização adotado nas colônias gaúchas, com a formação dos lotes

rurais, eram traçadas, ao mesmo tempo, uma ou mais vilas, que deveriam servir como centro

econômico-social da colônia. Embora estes centros se tenham desenvolvido, foi, no entanto, o

travessão – ou linha – o local de encontro dos imigrantes, possibilitando-lhes a reconstrução

do mundo cultural.

A formação das pequenas comunidades, como um espaço de participação, um ponto

de referência, de encontro para o lazer e a oração, como um espaço de diálogo, e às vezes de

conflito, que, de modo geral possibilitou a construção de uma identidade quanto ao modo de

se relacionar e como um espaço de debate sobre problemas do cotidiano.

A oração poderia motivar o colono para atingir seus objetivos, buscando motivação e

sacrificando-se através do trabalho para vencer as dificuldades que surgiam, conforme relata

Oro

49

: “Havia motivações mais profundas para o trabalho, entre as quais a aspiração de se

tornarem no Brasil, diversamente do que ocorria na Itália, donos de um pedaço de terra para

nela trabalharem, produzirem, constituírem família e progredir ou, então, de serem donos de

capital.”

A religião atuou como elo de união entre as famílias, pois quase na totalidade

confessavam-se católicas. A esse respeito Manfroi assim descreve:

49 ORO, Ari Pedro. Mi son talian: considerações sobre a identidade étnica dos descendentes de italianos do Rio Grande do Sul. In: DE BONI, Luis A. (Org.). A presença italiana no Brasil. v. III, Est/Porto Alegre:

A expressão religiosa, em suas manifestações cotidianas e festivas, era o sinal mais significativo do universo cultural dos imigrantes italianos. Era a referência primeira e indispensável de filiação ao grupo. [...] Foi através da religião católica que o imigrante italiano se encontrou consigo mesmo e com os outros.50

As visitas ocasionais do domingo, quando vizinhos há pouco chegados encontravam-

-se para fugir da solidão, rezar o terço e comentar os fatos da vida, foram aos poucos se

institucionalizando e o grupo acabou sentindo a necessidade de construir uma capela, como

ponto de referência, ao redor do qual passa a girar não só a vida religiosa, mas também a vida

social. Cada linha via-se obrigada a construir a sua capela. Não tê-la equivalia a uma situação

de inferioridade ante os vizinhos. Organizá-la devidamente era condição primeira para sonhar

com elevação de status, o que seria obtido quando se conseguisse um padre e, acima de tudo,

quando a capela fosse constituída como paróquia.

Figura 12 – Membros da comunidade de Souza Ramos, antiga Formigas, no município de Getúlio Vargas, reunidos em um dia de festa em frente a capela em 1947.

Fonte: Acervo pessoal de Nestor Seminotti

Num ambiente em que o único sistema de referência é o sagrado, em que as normas e

valores profanos legitimam-se pelas normas e valores religiosos, compreende-se a

importância que adquiriu, para cada linha, a construção da capela. Daí a multiplicação delas,

por vezes aparentemente desnecessária, e em certos casos apesar da oposição formal da

50

MANFROI, Olívio. Emigração e identificação cultural – A colonização italiana no Rio Grande do Sul. In: Estudos Ibero-americanos, Porto Alegre, 2(1): 227-74, 1975, p. 258.

autoridade eclesiástica. Daí, também, o fato de as grandes disputas sociais girarem em torno

do local de construção, do material a ser empregado na obra, do santo escolhido como

padroeiro da capela, entre outras decisões de cada comunidade que se constituía.

Surgiu a bodega, o salão de festas, a cancha de bocha, o cemitério e também a escola.

Mais tarde, mudando-se os costumes, providenciou-se igualmente um campo de futebol. O

grande dia local era a festa do santo padroeiro, comemorado com uma novena ou tríduo de

cerimônias religiosas, excluindo-se destas, quase sempre, o baile.

Famílias de pequenos proprietários, vivendo do trabalho da terra, esses colonos

pareciam oferecer as mais propícias condições para o trabalho de padres e religiosos de outras

congregações. Criou-se um clima de cristandade, onde a participação massiva dos fiéis nas

cerimônias da vida religiosa, a frequência aos sacramentos e a internalização de um código de

ética católica faziam parte do cotidiano das famílias cristãs.

Em terras gaúchas, diversas congregações religiosas, em decadência na Europa,

vieram para o RS e procuraram construir suas casas de formação vocacional entre os

imigrantes. Os colonos presos a terra, em pequenas propriedades policultoras, pouco tinham a

oferecer aos filhos, além de uma vida semelhante à que levavam, a não ser que estes

seguissem uma vocação eclesiástica. Num ambiente sacral, onde o padre e a freira eram

pessoas das mais consideradas, abria-se ao filho do colono a oportunidade de desenvolver

seus estudos e vestir o hábito religioso.

O trabalho de reorganização católica deveria atingir também a vida social das pessoas.

Neste sentido, além das paróquias, deveriam surgir também colégios católicos, a fim de

oferecer educação escolar aos filhos dos colonos, pois de modo geral, o Brasil era um país

com poucas escolas no início do século XX.

A religiosidade dos colonos foi um aspecto presente no seu cotidiano e vai se tornar

um elemento de sua cultura e da educação dos filhos. Deste modo, o contexto vivido pelas

famílias dos colonos, de oração, trabalho na terra e participação na comunidade é um terreno

fértil para o trabalho de padres e freiras. A participação na comunidade contribui para um

ambiente onde o colono desenvolve a capacidade de articulação e mobilização para os

trabalhos conjuntos, onde se colocam as diferenças e as trocas de experiências.

1.4 AS CARACTERÍSTICAS SOCIOCULTURAIS DOS COLONOS NA REGIÃO ALTO