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CAPÍTULO II - A FORMAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES SOCIAIS ENTRE

2.4 A FORMAÇÃO DO NOVO SINDICALISMO ENTRE OS PEQUENOS

2.4.2 A organização social no campo brasileiro

Foi a partir da década de 1950 que passa a existir uma organização mais contundente e

tem início uma efervescência política no meio rural brasileiro. É bem verdade, que em

períodos anteriores já haviam ocorrido muitos conflitos pela terra, numa clara demonstração

85 O Estatuto do Trabalhador Rural foi criado pela Lei nº 4.214, de 2/3/1963. Copiava o modelo do sindicalismo oficial urbano brasileiro: exigia “carta de reconhecimento” assinada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social (art. 119), criava a “contribuição sindical” (art. 135), estabelecia como deveres dos sindicatos a

colaboração com os poderes públicos e a manutenção de serviços de assistência para seus associados (art. 116), etc. COLETTI, 1998, Op. cit., p. 53.

de rompimento das relações de dominação e dependência pessoal dos índios, dos negros, dos

pequenos agricultores e dos posseiros contra os grandes proprietários e o Estado.

Como exemplos de conflitos pela terra no Brasil, podemos citar a defesa do seu

território pelos índios na região das Missões no RS, os negros unindo a luta pela liberdade

com a da terra, construindo quilombos, o principal deles, o de Palmares, o movimento de

Canudos, com Antônio Conselheiro; do Contestado, com Monge José Maria; do Cangaço,

com Lampião, e diversas lutas regionalizadas.

Neste sentido, José de Souza Martins

86

observa que “o messianismo e o cangaço foram

as primeiras formas de resistência dos camponeses contra a dominação dos coronéis,

indicando uma situação de desordem nos vínculos tradicionais de dependência no sertão”.

Foi entre 1950 e no início da década de 1960 que ocorreu a organização do movimento

camponês enquanto classe e as lutas atingiram um estágio organizativo mais elevado. Foi

neste período que surgiram as Ligas Camponesas no nordeste, a União dos Lavradores e

Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTABs) organizadas pelo Partido Comunista Brasileiro

(PCB) em vários estados do sudeste e o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), que

tinha o apoio do governador Leonel Brizola, no Rio Grande do Sul.

Com a formação das Ligas Camponesas começava a romper-se a subordinação política

e ideológica dos pequenos trabalhadores rurais ao poder das oligarquias rurais do nordeste

brasileiro. Conforme descreve Coletti

87

, em 1955, no Engenho Galiléia, no município de

Vitória de Santo Antão (PE), surgia a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de

Pernambuco, mais tarde denominada Liga Camponesa da Galiléia, reunindo 140 famílias e

quase mil pessoas.

Consideramos importante enfatizar que nesse processo de rupturas e mudanças a

organização e a luta do campesinato demonstravam uma forma que começava a inquietar

setores das classes dominantes. Segundo Bernardo Sorj

88

, “havia a tarefa de renovar a

estrutura de dominação no campo a partir de um papel ativo do Estado”. Os sindicatos oficiais

do campo cumpririam essa função.

A inquietação social no campo, nos anos 1950 e 1960, manifestadas pela formação de

alguns movimentos sociais, representou um momento importante de resistência do

86 MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil – as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. 4.ed. Petrópolis: Vozes. (1.ed. 1981), p, 62-3.

87 COLETTI, Op.cit., p. 41.

88

SORJ, Bernardo. Estado e classes sociais na agricultura brasileira. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980, p. 76.

campesinato brasileiro às práticas autoritárias e concentradoras das oligarquias agrárias que

normalmente tinham a seu favor o aparato ideológico do Estado.

Neste contexto de organização dos trabalhadores do campo, além das Ligas

Camponesas e do PCB, a Igreja Católica foi uma terceira força a interferir neste processo de

organização social no campo.

O “perigo da expansão comunista no campo” e a possibilidade de perda de sua

influência no meio agrário fizeram com que a Igreja Católica iniciasse seu trabalho

organizativo no campo por aqueles estados mais ameaçados pela expansão das Ligas e da

ULTAB. Coletti descreve como foi o trabalho da Igreja Católica em alguns estados:

Assim em 1960, o Serviço de Assistência Rural do Rio Grande do Norte criou um setor de sindicalização rural, cujo objetivo era a formação de sindicatos “cristãos” no campo. Em 1961, surgiram o Serviço de Orientação Rural de Pernambuco (Sorpe), a Equipe de Sindicalização Rural da Paraíba e a Equipe de Sindicalização de Planejamento da Arquidiocese de Teresina, no Piauí; em 1962 seria criado o Serviço de Orientação Rural de Alagoas. Em São Paulo, a partir de 1961, a atuação dos Círculos Operários na fundação de sindicatos.89

O Estado, que tinha concebido a legislação para a formação dos sindicatos urbanos na

década de 30, inicia um processo de extensão da legislação sindical ao campo através de uma

intervenção ativa do Estado Populista. Em 1962 o Ministério do Trabalho e Previdência

Social, através de duas Portarias (209-A) e (355-A) e do Estatuto do Trabalhador Rural, inicia

o processo de implantação da estrutura oficial do campo.

Com o objetivo de unificar as lutas dos trabalhadores do campo, o movimento sindical

rural e os sindicatos dos trabalhadores rurais, fundam, em 1963, a Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), que daria suporte para as reformas de base

propostas por João Goulart.

A fundação do maior número possível de sindicatos e federações oficiais no campo

seria disputada por três forças principais: a Igreja Católica, o PCB e a Ação Popular, que

originou-se da Juventude Católica.

Com a emergência da organização sindical dos trabalhadores do campo, Octavio Ianni

formulou a seguinte explicação:

[...] depois da fase excepcional das ligas [...] a sindicalização rural teve o caráter de uma reação modernizadora. Com ela se inicia a fase de burocratização da vida política do proletariado rural, ao vincular o trabalhador rural, o sindicato e o aparelho estatal, com ou sem a mediação dos partidos políticos.90

A criação dos sindicatos no meio rural no RS deu-se inicialmente através movimentos

de evangelização rural ligados à Igreja Católica. Na década de 1960, surgiu um movimento de

criação, organização e legalização sindical chamado Frente Agrária Gaúcha (FAG), que foi

responsável pelo crescimento numérico dos sindicatos e por ações de capacitação profissional

dos agricultores.

A ação da FAG, associação civil fundada em 1961 por iniciativa dos Bispos gaúchos,

pode ser considerada como decisiva, não só para a fundação dos sindicatos no RS, mas por

lançar as bases de um sindicalismo agrícola “verdadeiro e autêntico”. Os Sindicatos de

Trabalhadores Rurais assumiram um papel de implementação das políticas do Estado nas

áreas da saúde e previdência. A partir da criação do Fundo de Assistência ao Trabalhador

Rural (Funrural), os sindicatos tornam-se órgãos executores de políticas governamentais

específicas direcionadas à categoria, reforçando sua legitimidade junto aos associados, não

enquanto instâncias de representação política, mas, sim, enquanto agências de prestação de

serviços.

A fase em que o sindicalismo urbano melhor exerceu o seu papel de representar e

defender os interesses dos trabalhadores, antes do sindicalismo combativo dos anos 1980,

provavelmente tenha sido o sindicalismo pré-1964, especialmente na fase “Janguista”, pois se

caracterizava por ser combativa, com um alto poder de mobilização. Manfredi destaca que:

As greves e os movimentos deflagrados para pressionar a posse de Goulart em agosto de 1961, a greve de julho de 1962, contra a constituição de um gabinete ministerial antinacionalista e a greve em favor do plebiscito para reconduzir o país ao presidencialismo em setembro de 1962, e os manifestos de resistência de todo o movimento sindical à ameaça de estado de sítio em outubro de 1963, são exemplos da intensa mobilização do período pré-ditadura de 1964.91

90 IANNI, Octávio. Relações de produção e proletariado rural. In: SZMRECSANYI, Tamás; QUEDA,

Oriowaldo (Orgs.). Vida rural e mudança social. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1972, p.196.

91

MANFREDI, Silvia Maria. Educação sindical entre o conformismo e a crítica. São Paulo: Loyola, 1986, p. 37.

As reformas de base que poderiam significar algum avanço para os trabalhadores do

campo, não se concretizaram com o golpe militar de 1964, representando um retrocesso para

o movimento sindical, provocando uma ruptura nas formas de organização, mobilização e

atuação política da classe trabalhadora.

Foi durante os anos de regime militar que ocorre a consolidação do sindicalismo rural

no Brasil. A abrangência desse processo pode ser demonstrada através das estatísticas

92

oficiais relativas à fundação de sindicatos entre 1961 e 1980.

O controle estabelecido pelo Estado sobre os sindicatos durante o regime militar de

1964 foi uma ação direta e repressiva. Hirata

93

destaca que o esvaziamento das funções das

entidades sindicais resultou da adoção de um esquema direto de repressão, complementado

por uma estreita vigilância estabelecida através da adoção, por parte do Estado de um

conjunto de medidas de controle:

[...] à intervenção direta do Estado na arrecadação do imposto sindical e na fiscalização dos recursos provindos dessa fonte. Os sindicatos ficam obrigados a restringir o uso desses recursos à compra de imóveis e à assistência médico-dentária. O Estado possui também estreito controle do aparelho sindical, na medida em que vai peneirar, através da exigência de um ‘atestado de ideologia’, os possíveis concorrentes a cargos de direção. Tal medida fez com que, nos primeiros anos que se sucederam ao golpe, a maior parte dos ativistas que pleiteavam cargos para a direção dos sindicatos fossem oriundos, como já ressaltamos, das correntes não contestadoras da ideologia e do regime dominante; a proibição da greve através da lei n. 4.330, o que torna qualquer greve ilegal e, portanto, subversiva e sujeita à repressão militar.

Podemos constatar, em dados trazidos por Giannotti

94

, que “os governos militares

fizeram intervenções em 383 Sindicatos, 45 Federações e 4 Confederações, além de acabar

com a CGT.”

92

Ver: IBGE. Sindicatos: indicadores sociais. Rio de Janeiro: IBGE, 1989, p.40. Ricardo Antunes, no entanto, baseado em dados obtidos por meio de consulta realizada junto ao IBGE, ao Ministério do Trabalho e a CUT, calcula a existência no Brasil, até outubro de 1988, de um total de 7.426 sindicatos, 4.277 pertencentes a categorias urbanas e 3.149 sindicatos de trabalhadores rurais. Ver: ANTUNES, Ricardo. O novo sindicalismo. São Paulo: Brasil Urgente, 1991, p.79.

93 HIRATA, Helena. Movimento operário sob a ditadura militar (1964-1979). In: LÖWY, Michael ET AL.

Movimento operário brasileiro 1900/1979, do Coletivo “Edgar Leuenroth”, Belo Horizonte: Veja, 1980. p.

92-93. P. 92.

94

GIANNOTTI, Vito. Reconstruindo nossa história: 100 anos de luta operária. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 63-64.

As medidas repressivas interferiram no modo de atuação dos sindicatos durante boa

parte do regime militar e os sindicatos tornaram-se órgãos puramente assistenciais e de

colaboração com o Estado. Segundo Antunes:

Além da repressão aos principais dirigentes sindicais e da intervenção nos maiores sindicatos do país, fez-se cumprir a legislação sindical defensora da ‘paz social’ e da negação da luta de classes. Assim, ficou reforçado o papel do sindicalismo como mero órgão assistencialista e de agente intermediário entre o Estado e a classe trabalhadora.95

Foi a partir da crise política e econômica do regime militar, que a partir de 1975 o

movimento operário se reorganiza, num processo de retomada, mas sob efeito das

conseqüências de um período de estagnação e apatia.

De qual qualquer forma, a trajetória do sindicalismo, de 1930 até o surgimento do

novo sindicalismo, na segunda metade da década de 1970, tanto no meio rural quanto do meio

urbano, atendeu aos interesses do Estado, correspondendo com as funções a ele atribuídas.

Teve um papel subserviente e assistencialista, desenvolvendo apenas serviços jurídicos e

médico-odontológico, atuando também no apoio a modernização da agricultura com a

contratação de técnicos agrícolas, sem representar sua base social na luta por direitos.