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Capítulo 1 Trabalho e criação no contexto de produção capitalista

1.3. O trabalho educativo na dimensão do trabalho capitalista

As instituições de uma forma geral, incluindo a escola, nos moldes de produção capitalista, são compreendidas a partir de um modelo empresarial, voltando-se às necessidades do mercado e/ou mundo do trabalho. De fato, “o trabalho educativo está posto na mesma dimensão do trabalho capitalista, numa perspectiva produtiva, ou seja, decorre de uma atividade passível de ser explorada e contabilizada no amplo espectro dos seus desdobramentos sociais” (Parra, 2008, pp. 2021-2022).

Nessa direção, Cardozo (2010) ressalta que, em um contexto capitalista, o trabalho pedagógico tem como finalidade central o disciplinamento para a vida social e produtiva, tendo como foco atender as necessidades dos modos de produção presentes. Santos (2004) denunciou o fato de que, em consonância com o desenvolvimento do capital, a educação contemporânea se tornara alvo de instâncias multilaterais, obedientes à lógica global, reguladas por vários programas e projetos encabeçados por órgãos de financiamento, como Banco Mundial20 (BID e BIRD) em cooperação com o Fundo das

20 O Banco Mundial foi criado, em 1944, em uma reunião cuja finalidade era redefinir política e

economicamente o cenário mundial pós-guerra. Mais especificamente, a formação da instituição tinha, em sua concepção, o objetivo de reestruturação do continente europeu que havia sido assolado pela guerra. Porém, a partir de 1950 passou a incluir os países periféricos entre os destinatários de suas intervenções, tornando-se um instrumento para disseminar práticas e ideias capitalistas/anticomunistas por meio de programas de auxílio e concessão de empréstimos (Loureiro, 2010).

Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Essa constatação nunca esteve tão presente como nos dias atuais (Canan, 2016).

De fato, os organismos internacionais não só financiam como traçam diretrizes orientadoras para políticas e projetos educacionais em vários países periféricos. Entre as orientações do Banco Mundial estavam: 1. a elaboração de currículos atrelados às demandas e tendências do mercado; 2. a centralidade de recursos para educação básica, limitando os gastos com ensino superior; 3. o foco na avaliação do ensino, principalmente nos produtos da aprendizagem e na relação custo-benefício dos programas educacionais; 4. a ênfase na formação de docentes em serviço, em detrimento da formação inicial; 5. busca de maior autonomia das escolas, envolvendo e tornando suas famílias mais participativas; 6. desenvolvimento de políticas compensatórias direcionadas para alunos com necessidades educacionais especiais e para as minorias culturais.

O objetivo de tais políticas era buscar soluções, no campo educacional, à crise estrutural do capitalismo que emergiu na década de 1970, no sentido de formar uma nova geração de trabalhadores que se adequasse às novas exigências (produtivas e organizacionais) decorrentes da reestruturação dos processos produtivos (crise do fordismo e advento do toyotismo) (Torres, 1996; Júnior & Maués, 2014).

De acordo com Galvanin (2005), na medida em que as diretrizes do Banco Mundial passaram a orientar as políticas educacionais, as relações e os princípios capitalistas neoliberais são, paulatinamente, incorporados ao cotidiano escolar. Os critérios de eficiência, produtividade e eficácia, bem como conceitos de empregabilidade e competência reforçam a cultura do desempenho mencionada e se tornam norteadores das instituições escolares, direcionando-as na preparação para o mercado de trabalho.

Nesse contexto, estimula-se a meritocracia e a competitividade, e se justifica o favorecimento de características e atributos individuais na organização dos espaços escolares em detrimento de ações coletivas. A criatividade é um desses atributos (Dudová & Cíba, 2015; Jónsdóttir, 2017; Klimenko, 2008).

Configuram-se, então, políticas de descentralização das ações estatais no campo educacional e são incorporadas formas de gestão adotadas na rede privada, o que exige reformas estruturais nas políticas educacionais nos países financiados por tais órgãos.

Sobre essa questão dos impactos do neoliberalismo na esfera educacional, Moore (2015) destaca alguns apontamentos realizados por Dave Hill, um marxista britânico clássico, acerca da temática. O autor explica que, para Hill, existem três planos educacionais centrais no contexto do capitalismo que estão interligados, a saber:

a) a produção e reprodução da força de trabalho, formando cidadãos e um conjunto de consumidores aptos para o capital;

b) a produção de lucros diretos por meio da especulação da educação; e

c) o aumento das privatizações das escolas e indústrias de apoio, propiciando maior investimento por parte de empresas multinacionais.

Tais planos refletem como a educação passou a se configurar, a partir do modelo de outras indústrias de serviços, como suporte para ampliação e extração de mais-valia. Embora, como prática social mais ampla, a educação se constitua em um processo essencial para formação e desenvolvimento humano, na sociedade capitalista ela é vista “como lócus para a formação da mão de obra, diminuindo o tempo e os custos das empresas em qualificação da sua mão de obra, ocultando seu real interesse, na busca de melhorias na qualidade da escola” (Medeiros & Pires, 2014, p. 44).

Por conseguinte, a educação escolar, nesse contexto, está atrelada às necessidades do mercado de trabalho, no sentido de formar um contingente de indivíduos com as competências exigidas pelo sistema produtivo neoliberal, cumprindo um duplo papel:

. . . de um lado ela incrementa a capacidade produtiva dos futuros trabalhadores, e, de outro, ajuda a diluir e a despolitizar as relações de classe, contribuindo para a perpetuação das condições políticas, sociais e econômicas, pelas quais uma parte do produto gerado é expropriada. (Medeiros & Pires, 2014, p. 44)

Consequentemente, ressaltam Kuenzer e Caldas (2009), o trabalho do professor também está circunscrito ao âmbito da totalidade do trabalho capitalista, estando sujeito à sua lógica e contradições e exposto à dupla face desse trabalho, que se caracteriza pela produção de valores de uso e valores de troca. Na primeira situação, realiza-se um produto ou serviço (transforma-se a realidade) para atendimento de necessidades humanas sem o objetivo de produzir excedentes ou acumular riquezas. Na produção de valores de troca, o fim último é a acumulação de riquezas que se realiza por meio da produção de trabalho excedente, apropriado pelo capitalista.

Desse modo, sendo os meios de produção e a força de trabalho propriedades do capitalista, insere-se o trabalhador (incluindo o professor) em uma dinâmica na qual ele não detém de modo efetivo (detém apenas de forma aparente) o controle sobre seu trabalho, sobre os processos decisórios e, consequentemente, sobre seu produto ou resultado.

Conforme discutido por Silva (2012), essa pseudo-autonomia dos docentes, mesmo no cotidiano das escolas públicas, é engessada por um controle disciplinar rígido de tempo, espaço e por uma rotina que é circunscrita por obrigações, currículo extensos e compartimentados. O trabalho docente é regido por metas de desempenho, que envolvem pressões com relação ao conhecimento formal e ao letramento precoce (no caso

das séries iniciais). Ademais, os programas educacionais são elaborados por instâncias de planejamento sem a devida discussão e participação dos docentes, responsáveis por implementá-los.

Associado a essas questões, estão as condições físicas precárias; a escassez de recursos didáticos/ pedagógicos da maior parte das escolas; o pouco espaço para se pensar o pedagógico (coletivamente) no tempo escolar e as avaliações externas dos alunos usadas como forma de controle do desempenho dos professores (Mendonça & Silva, 2015). Na realidade, com o avanço do neoliberalismo e a redução da participação do Estado nos financiamentos de serviços públicos,

. . . os exames gerais ganharam importância como instrumento de controle e de reforma. Sua dimensão política de controle passou a prevalecer sobre a pedagógica. Os exames nacionais atendem bem as finalidades de medir a eficiência e a eficácia da educação segundo os critérios e as necessidades dos Estados neoliberais, em suas reformas de modernização, e do mercado, em seu apetite por lucros e diplomas (Dias Sobrinho, 2010, p. 202).

Estabelece-se assim, um processo de alienação não só entre o trabalhador (no caso o professor) e o seu produto/serviço, mas também entre os professores que, devido à própria estrutura e organização escolar, trabalham de modo isolado. Tal situação pode desencadear o que Menezes e Codo (2006) relatam como reações de desistência, acompanhadas de desânimo, apatia e um processo de despersonalização, a qual se apresenta, na prática docente, como a perda de sentido na relação com seu ofício.

Contudo, o trabalho docente, a partir de seu sentido ontológico, concebido como valor de uso (que produz bens úteis de ordem imaterial e simbólica), “como criador e mantenedor da vida humana em suas múltiplas e históricas necessidades” (Frigotto, 2010, p. 13) deveria enfatizar a criação e a autoria. Mas, muitas vezes, isso parece ser quase

impossível, já que os educadores se configuram como uma classe que também vende sua força de trabalho (assalariada), que sofre com processos de precarização, intensificação e proletarização, sujeitando-se ao controle e à perda de autonomia crescentes, conforme aprofundaremos no capítulo seguinte.