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5 PROPOSTAS PARA A MITIGAÇÃO DAS EXTERNALIDADES NEGATIVAS

5.2 O TRATAMENTO DIFERENCIADO E AS POTÊNCIAS EMERGENTES

A aplicação do princípio do tratamento especial e diferenciado, como se observa, apresenta muitas falhas e incongruências. Tal situação é agravada se analisarmos o caso das potências emergentes, uma vez que elas usufruem dos mesmos benefícios que os países menos desenvolvidos. Devido à maior expressão de suas economias, elas podem causar danos a outros parceiros comerciais pelo uso deste princípio.

As cláusulas do tratamento diferenciado estabelecem que deva ser aplicado na medida das necessidades financeiras e comerciais de cada país. No entanto, é uma tarefa muito insólita quantificar os benefícios de um membro em detrimento de outro, mesmo porque os países emergentes ainda sofrem com deficiências estruturais gravíssimas e não podem competir plenamente com as potências estabelecidas sem sofrer desvantagens significativas.

160 Eles têm o interesse em administrar suas próximas etapas de desenvolvimento econômico, bem como em proteger sua estabilidade política no âmbito interno.

Observa-se uma cisão de interesses não só entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, mas dentre os próprios países em desenvolvimento. Um comportamento que pode se observar entre países menos desenvolvidos seria uma completa submissão aos interesses comerciais de grandes potências. Eles dificilmente acessam o OSC para defender seus interesses e têm maior interesse em promover acordos de preferência comercial com países desenvolvidos. Os países emergentes, por sua vez, têm um papel mais assertivo nas relações internacionais, pois pretendem alcançar, de fato, a mudança de regras do sistema a seu favor, e têm aumentado sua capacidade de alavancagem nas instituições.

São as potências emergentes quem efetivamente acionam o OSC para proteger seus interesses comerciais. Um comportamento que também se nota é que normalmente quando recorrem ao Órgão, fazem reclamações contra países desenvolvidos, em especial os EUA e a UE. Eles têm trabalhado, também, em coalizões em âmbito internacional para reformular a liderança global. Uma das mais emblemáticas delas, como exposto no capítulo anterior, são os BRICS.

O que se observa no comportamento dos BRICS nesta conjuntura é que, embora eles carreguem uma poderosa simbologia de mudança e pretendam representar os interesses dos países em desenvolvimento, como um todo, têm priorizado seus próprios interesses nacionais. Eles têm causado, contudo, algumas mudanças relevantes no seio da OMC. Embora não tenham trabalhado como um grupo de interesses específicos na Organização, eles participaram em grupos de negociação em coordenação com outros países em desenvolvimento, inclusive apresentando propostas conjuntas.

Os BRICS defendem a concretização do princípio do tratamento especial e diferenciado a países em desenvolvimento. Em relação ao GATS, por exemplo, eles propuseram o aumento da participação dos países em desenvolvimento por meio da negociação de compromissos específicos, visando à promoção do desenvolvimento.

Isoladamente, cada um dos BRICS também teve uma atuação relevante nesta questão: a) o Brasil, por exemplo, propôs que houvesse diminuição do ônus da prova de países em desenvolvimento que estivessem em litígio contra países desenvolvidos, em relação ao ASMC; b) a China, por ser reiteradamente acionada no OSC, propôs uma Emenda ao

161 Entendimento de Solução de Controvérsias para limitar as queixas de países desenvolvidos a países em desenvolvimento a apenas duas por ano; c) a Índia foi a potência emergente que mais defendeu interesses do mundo desenvolvido em suas controvérsias no OSC, como no caso da flexibilização do acordo do TRIPS em prol de questões de saúde pública e nas críticas ao SGP europeu.

Um problema que se aponta é que a articulação dos BRICS na OMC foi limitada, principalmente devido ao fato de não terem êxito em superar diferenças entre seus interesses comerciais. O que mais evidencia isso é a questão agrícola: embora eles tenham contribuído conjuntamente para o lançamento do G-20 agrícola, fazem, concomitantemente, parte de coalizões diferentes neste âmbito, sendo o Brasil e a África do Sul parte do Cairns, que propõem ampla liberalização do setor agrícola, enquanto a China e a Índia são parte do G-33, grupo que defende o protecionismo em prol do pequeno agricultor. A concorrência entre os BRICS, portanto, pode ofuscar suas possibilidades de cooperação ampla no âmbito da OMC.

Deve-se apontar uma reflexão neste tópico: teriam as potências emergentes, com sua postura assertiva no âmbito da OMC e a partir de sua maior expressividade no plano internacional, tornado a disciplina do tratamento especial e diferenciado a países em desenvolvimento defasada?

Em um primeiro plano, a resposta seria afirmativa: os países em desenvolvimento já não compartilham, há muito, a mesma situação econômica. Eles apresentam interesses distintos, e mesmo entre as potências emergentes, que a princípio compartilham de um mesmo status, há diferenças gritantes, como níveis socioeconômicos, tamanho da economia, inserção internacional e influência regional. Não se pode, também, culpar os países do G7 por todos os males presentes no SMC. Eles têm enfrentado dificuldades econômicas e políticas nos últimos anos, em decorrência da crise econômica e financeira de 2008, razão pela qual os países emergentes despontaram com tanta força no cenário internacional. Conforme afirma Ian Bremmer (2013, p. 82-83), os países desenvolvidos não podem mais resolver, sozinhos, problemas que demandam uma atuação transnacional conjunta.

No entanto, devem ser feitas ressalvas antes de se chegar a uma conclusão: a) a situação dos países emergentes ainda é delicada, e eles estão investindo em suas próprias etapas de desenvolvimento; b) não se podem considerar completamente defasadas as cláusulas de tratamento diferenciado no âmbito da OMC, uma vez que elas expõem, ao menos em nível

162 principiológico, a preocupação com um sistema multilateral do comércio mais justo e equitativo.

Elas ainda se fazem úteis ao se levar em consideração que, mesmo com o atual paradigma da readequação de hegemonias no plano internacional, os países mais assíduos no OSC, enquanto reclamantes, ainda são EUA, UE e Canadá. Outro fator que se deve apontar é que os países emergentes, embora tenham se utilizado com mais frequência do sistema de soluções de controvérsias, ainda têm dificuldade para acessar e atuar no mesmo. Evidência clara disso é a China que, embora seja considerada a segunda maior economia do globo, ainda depende da contratação de escritórios europeus e norte-americanos para acionar outros Membros no OSC.

Deve-se lembrar que a atual conjuntura das relações internacionais expõe uma fase de transição. Não se pode superestimar a atuação dos países emergentes. O SMC, embora esteja sofrendo mudanças, teve muitas características inalteradas. Os países em desenvolvimento, em especial os de menor desenvolvimento relativo, continuam ocupando uma posição completamente marginalizada no sistema, e mesmo os emergentes não estão, ainda, em condições de se equiparar aos países desenvolvidos.

Conclui-se, portanto, que a aplicação do princípio do tratamento diferenciado a países em desenvolvimento é, ainda, imprescindível para a continuação do sistema. Não se pode desprezá-lo. O que deve ser mudado é que haja uma real proporcionalidade em sua aplicação, ou seja, de acordo com as necessidades de desenvolvimento de cada um de seus Membros.