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5 PROPOSTAS PARA A MITIGAÇÃO DAS EXTERNALIDADES NEGATIVAS

5.1 O TRATAMENTO DIFERENCIADO E SUAS EXTERNALIDADES NEGATIVAS

A fim de propor mitigações às externalidades negativas geradas em decorrência das cláusulas de tratamento diferenciado, este trabalho promoveu uma ampla análise, no Capítulo 2, das deficiências da OMC em abarcar interesses de todos os seus membros de maneira igualitária e ampla. Este presente capítulo tem por intuito discorrer a respeito das possíveis alternativas de tratamento diferenciado. Pretende-se enumerar as principais conclusões tiradas da análise daquelas cláusulas, adequando esta análise a uma conjuntura mais ampla, exposta no capítulo anterior.

Deve-se reiterar que o tratamento especial e diferenciado aos países em desenvolvimento é, acima de tudo, um princípio. Ou até mesmo um subprincípio, derivado do princípio maior da isonomia. Sua ideia central, desde seus primórdios, foi auxiliar aqueles países a estimularem seu crescimento industrial, por meio do acesso preferencial a mercados de países desenvolvidos e pela limitação da reciprocidade de seus compromissos comerciais. Como já se debateu neste trabalho, tal princípio surgiu para convencer mais países a aderirem ao SMC, uma vez que ele começou como um verdadeiro “clube das nações industrializas”.

Durante o GATT/1947, houve uma escassa criação normativa com o intuito de se efetivar tal princípio. A ótica desenvolvimentista daquele momento, encabeçada pela UNCTAD, buscava alterar as relações comerciais Norte-Sul e garantir um processo decisório mais equitativo no seio das Organizações Internacionais. O principal âmbito de ação daqueles países para promover seu desenvolvimento, naquele período, foi o das políticas de substituição de importação154, o que posteriormente se mostrou ineficaz, principalmente

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Promover exportações e alcançar rápido desenvolvimento têm sido os objetivos gerais das políticas econômicas dos países em desenvolvimento. Várias foram as perspectivas quanto à forma para se alcançar tais objetivos: entre elas, as políticas de substituição de importações calcadas no protecionismo e as políticas de fomento a exportações (CELLI JR, 2008, p. 3).

157 devido à crise do petróleo (1973), que gerou uma grande insolvência desses países e a consequente estagnação de sua industrialização.

Naquele momento, as normas de tratamento diferenciado eram facultativas e subsidiárias, tendo, portanto, um caráter limitado. Elas tinham, não obstante, um viés simbólico que contribuiu para a continuação dos trabalhos, no âmbito do GATT/1947, para se buscar alternativas para a efetivação desse princípio.

Em relação ao advento da OMC, há autores, como Welber Barral (2006, p. 31), que afirmam que ela afastou o espírito desenvolvimentista da Carta de Havana, por ter sido criada sob o contexto das vantagens inquestionáveis do livre mercado.

Nas negociações da Rodada do Uruguai (1994) teriam ficado perdidas as tentativas de efetivação do princípio do tratamento especial e diferenciado, o que teria causado maior disparidade de interesses entre os membros da Organização.

Há, no entanto, regras incorporadas ao GATT/1994 que preveem a concretização desse princípio. Como já foi dissertado, elas podem se dar em seis situações: a) melhora de oportunidades de comércio e acesso ao mercado; b) medidas de salvaguarda; c) flexibilidade de compromissos; d) prolongamento de períodos de transição; e) assistência técnica e capacitação; f) assistência especial para países menos desenvolvidos (SOUSA, 2006, p. 70).

O âmbito de incidência deste princípio nas normas materiais da OMC, não obstante, tem caráter excepcional e são insuficientes. O principal problema seria a falta de obrigatoriedade dessas normas. Devido ao fato de o poder de barganha dos países em desenvolvimento ser menor, eles não têm, em sua maioria, como impô-las a outros Membros. Enumeram-se as principais externalidades negativas associadas ao tratamento diferenciado:

a) Submissão de todos os membros a um mesmo regime jurídico: essas cláusulas mascaram a falta de representatividade dos países em desenvolvimento no seio da Organização e os impede de promover políticas de desenvolvimento de acordo com suas necessidades;

b) Falta de obrigatoriedade no cumprimento destas normas por parte dos países desenvolvidos;

158 c) Retaliações por parte dos países desenvolvidos: estes divergem do entendimento de que a reciprocidade possa ser desrespeitada em prol do desenvolvimento de outros países.

Destas externalidades, entende-se que a que gera consequências mais gravosas aos países em desenvolvimento é esta última, uma vez que ela deturpa o principal objetivo do tratamento diferenciado e agrava a situação daqueles países, perpetuando sua situação de dependência econômica e impossibilitando seu crescimento. Ela revela, ainda, uma contradição entre a retórica do liberalismo e a prática protecionista das grandes potências.

Uma consequência deste cenário seria a dificuldade de abrir os mercados de países ricos aos produtos em que os países menos desenvolvidos são mais competitivos, excluindo estes países dos benefícios do SMC. Tal cenário revela que os ganhos advindos da institucionalização do comércio internacional não são homogêneos.

A primeira externalidade apontada também tem suas consequências nefastas. Como pôde se observar ao longo desta pesquisa, acordos como o GATS e o TRIMS limitam a capacidade dos Estados de promover seu desenvolvimento, por exigirem amplas reformas legislativas de países em desenvolvimento e engessar suas políticas públicas de acordo com os interesses dos investidores estrangeiros. Mesmo o TRIPS tem sido uma questão problemática, uma vez que a proteção exacerbada da propriedade intelectual tem alijado as populações do planeta do acesso aos avanços científicos. Felizmente, neste setor, aqueles países têm tido vitória nas negociações, com destaque para a área da saúde pública.

Outro problema amplamente apontado pelos autores seria a falta de transparência no processo decisório da OMC. Maior exemplo disso são as reuniões sigilosas nas salas verdes (green rooms), que abarcam apenas um pequeno número de representantes especializados atuando em defesa de seus próprios interesses, mas que ainda assim exercem grande impacto posterior, durante as negociações formais.

No âmbito processual das normas da OMC, o princípio do tratamento diferenciado também se faz presente. Embora tais regras tenham contribuído para que países em desenvolvimento tivessem mais confiança no OSC, elas têm suas deficiências. A mais prejudicial de todas, segundo o ponto de vista deste autor, seria a ausência de meios de implementação das decisões: em diversas controvérsias apontadas, dificilmente os Membros cumpriam os relatórios emitidos pelo Grupo Especial quando o reclamante era um país em desenvolvimento, uma vez que o meio de efetivação último das decisões seria uma retaliação

159 comercial do próprio país afetado (créditos compensatórios). Dessa forma, países com pequena expressão econômica jamais poderiam aplicar retaliações que desencorajassem outro Membro a prosseguir com alguma prática desleal do comércio.

Outra deficiência do sistema de solução de controvérsias seria a falta de transparência e fornecimento de informações a entes privados por parte da OMC. Os custos para se entabular uma disputa e a necessidade de embasamento jurídico, econômico e político específicos desestimulam muitos países em desenvolvimento a recorrerem ao OSC. Seus produtores internos, por sua vez, não têm como estimularem seus governos a ajuizarem demandas na Organização, por não saberem se estão sofrendo com alguma prática comercial desleal de outro Membro.

Outro problema levantado pelos autores seria o prolongamento indefinido da duração das controvérsias, que podem levar anos para que se chegue à fase do Órgão de Apelação. Tal situação agrava os custos de ajuizamento de disputas no OSC. Observa-se, portanto, que embora tenha havido um aumento significativo de países em desenvolvimento atuando no OSC, a situação está longe de ser satisfatória.