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5 PROPOSTAS PARA A MITIGAÇÃO DAS EXTERNALIDADES NEGATIVAS

5.3 PROPOSTAS DE MITIGAÇÃO DE EXTERNALIDADES NEGATIVAS

RELACIONADAS AO TRATAMENTO DIFERENCIADO

Este trabalho buscou aliar propostas para se mitigar as deficiências e as externalidades negativas provocadas pelo tratamento diferenciado no âmbito da OMC. O que este autor inferiu foi que, para se concretizar o princípio, deve-se atuar por meio de duas estratégias: a primeira seria induzir os países desenvolvidos a cumprirem essas normas sem aplicarem retaliações contra países em desenvolvimento, além de seguirem as disposições dos relatórios

163 dos Grupos Especiais quando vencidos em uma controvérsia por aqueles países. A segunda seria proporcionar um acesso efetivo dos países em desenvolvimento ao OSC.

Em relação à primeira questão, o que se observa é uma falta de monitoramento das práticas comerciais dos países desenvolvidos, uma vez que os países menos desenvolvidos não têm condição de promover investigações a fim de averiguar se estão ou não sofrendo por alguma prática desleal. Observa-se, também, pouca disposição dos países desenvolvidos em cumprir normas de tratamento diferenciado, pois sabem que retaliações comerciais de países economicamente pouco expressivos dificilmente afetarão sua economia.

A primeira deficiência pode ser atacada por meio de uma instituição de monitoramento multilateral. Ela poderia ser apenas uma agência dentro do âmbito da própria OMC, ou poderia ser estabelecida, fundada e administrada independentemente do Secretariado da OMC, à luz do que propôs Chad Bown (2010, p. 11-12). Tal instituição teria o intuito de monitorar as ações de exportadores de países desenvolvidos em todos os países em desenvolvimento que a ela aderissem, promovendo as investigações necessárias para que, eventualmente, o país afetado possa reclamar no OSC. Com isso, far-se-ia provas que estes países, isoladamente, não teriam condições de fazer, ou por desconhecimento das regras de defesa comercial e solução de controvérsias da OMC, ou por falta de recursos financeiros para tanto.

Caso esta instituição fosse uma agência vinculada à própria OMC155, ela poderia ser coordenada por representantes de países em desenvolvimento. Isso estimularia um senso de solidariedade e ajuda mútua entre estes, reduzindo eventuais tensões surgidas entre eles, como já se debateu ao longo deste trabalho. Com maior coesão, eles podem fazer frente aos interesses do mundo desenvolvido de maneira mais efetiva.

Caso tal instituição fosse independente da OMC, ela poderia ser fomentada pelos países emergentes, que já têm condições de assumir tal liderança. Neste caso o papel dos BRICS seria fundamental. Como já se apontou neste estudo, eles têm investido na infraestrutura de países menos desenvolvidos de maneira acentuada, buscando aumentar sua influência global. Em aliança com outros países emergentes, que também têm uma intensa

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Neste caso, ela poderia ser o próprio Comitê de Comércio e Desenvolvimento da OMC, mas teria que expandir seus objetivos para além dos interesses da própria Organização.

164 participação na OMC, eles podem fomentar tal instituição e propiciar um controle paralelo da legalidade no sistema multilateral do comércio.

Outro papel que tal instituição multilateral de controle paralelo do sistema multilateral do comércio seria criticar eventuais falhas no próprio processo decisório da OMC, como a falta de transparência. Poder-se-ia fazer pressão para se desestimular certas práticas, como as reuniões em salas verdes (green rooms). Além disso, ela poderia auxiliar não só no monitoramento de eventuais práticas desleais do comércio, mas também fornecer informações aos setores produtivos dos países afetados, tornando-os mais próximos e familiarizados com as normas da Organização.

Tal instituição também poderia ter um viés científico, promovendo estudos acerca da melhor inserção dos países em desenvolvimento no comércio internacional e da promoção de seu desenvolvimento sob esta perspectiva.

A questão do cumprimento das normas de tratamento diferenciado e a retaliação por parte dos países desenvolvidos é mais complexa, uma vez que envolve interesses comerciais de grandes potências que têm praticado o protecionismo em áreas de seu interesse, e, portanto, apresentam pouca disposição de cumprir, voluntariamente, determinações que lhes sejam prejudiciais.

Mônica Teresa Costa Sousa (2006, p. 79) propôs uma solução interessante para tal questão: deveria haver um trabalho conjunto entre a OMC e outras agências internacionais, uma vez que aquela não é capaz, isoladamente, de resolver distorções do SMC, por não ser esta a sua atividade principal. A própria organização reconhece, no art. 39 da Declaração de Doha, que há necessidade urgente de se coordenar de maneira eficiente a prestação de assistência técnica de capacitação com o Comitê de Assistência para o Desenvolvimento da OCDE e com instituições governamentais e regionais.

A partir desta rede de cooperação institucional, a OMC poderia sanar de maneira mais eficiente problemas de desigualdade, reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento de seus Membros. O grande problema da pouca vontade, por parte de países desenvolvidos, em aderir à disciplina de tratamento diferenciado seria a falta de punição efetiva para suas ações. O sistema de créditos compensatórios é falho, justamente por não surtir efeitos, dependendo da expressão econômica do país que os aplica. Uma rede de cooperação com outras instituições

165 poderia surtir mais efeitos, por promover maior pressão política, estimulando todos os Membros da Organização a seguir seus preceitos.

Em relação ao acesso dos países em desenvolvimento ao OSC, o que se observa é uma falta de preparo técnico e recursos financeiros para se acessar o Órgão. Neste caso, a criação de um órgão, no âmbito institucional da OMC, seria uma proposta interessante: ele efetivaria a cláusula que dispõe assistência técnica a países em desenvolvimento quando envolvidos em disputas. O problema do atual dispositivo é que ele confia tal tarefa ao Secretariado, que não tem interesse específico no desenvolvimento de seus Membros, mas tão somente pela adequação dos países às suas normas.

Tal órgão, que poderia ser denominado Comitê de Auxílio Técnico do Órgão de Solução de Controvérsias a Países em Desenvolvimento, deveria ser gerido por representantes desses países, além de também estar vinculado às demais organizações voltadas ao desenvolvimento. Isso estabeleceria uma ponte entre a OMC e aquelas, consubstanciando a proposta anterior da rede de cooperação institucional do comércio internacional. Com isso, haveria um controle de legalidade maior, pois abriria oportunidade para mais Membros acessarem o OSC. Busca-se, com essa proposta, que os países em desenvolvimento tenham uma assistência técnica mais voltada para seus interesses.

Em suma, enumeram-se as propostas apresentadas:

a) Criação de uma instituição multilateral de monitoramento de práticas comerciais: ela teria por intuito realizar investigações de práticas comerciais em países que não teriam condições de conduzi-las;

b) Trabalho conjunto da OMC com agências internacionais voltadas ao desenvolvimento: criar-se-ia uma rede de cooperação institucional em prol do desenvolvimento;

c) Estabelecimento de um Comitê de Auxílio Técnico do Órgão de Solução de Controvérsias: ele seria desvinculado do Secretariado e teria função de estimular o acesso dos países em desenvolvimento ao OSC.

Importante lembrar que este autor atribui grande importância a uma maior institucionalização internacional em prol do desenvolvimento, liderada pelas potências emergentes. Embora atualmente estas se encontrem, muitas vezes, em conflitos de interesse entre si ou com países menos desenvolvidos, pode-se considerar tal projeto viável: os BRICS,

166 afinal, têm por principal objetivo a readequação da conjuntura internacional em prol de seus interesses.

Tal institucionalização aumentaria sua esfera de influência sobre os países periféricos e eles compartilhariam a liderança global com as atuais potências, o que propiciaria uma ordem mais equilibrada. Tal visão foi apontada na V Cúpula de Chefes de Estado e de Governo dos BRICS:

Nós nos reunimos em um momento que exige que consideremos questões de interesse mútuo e de importância sistêmica, a fim de compartilhar preocupações e desenvolver soluções duradouras. Temos o objetivo de desenvolver progressivamente o BRICS em mecanismo completo de coordenação presente e de longo prazo, sobre ampla gama de questões-chave da economia e da política mundiais. A atual arquitetura de governança global é regulada por instituições que foram concebidas em circunstâncias em que o panorama internacional em todos os seus aspectos era caracterizado por desafios e oportunidades muito diversos. À medida que a economia global se transforma, estamos comprometidos a explorar novos modelos e enfoques com vistas ao desenvolvimento mais equitativo e crescimento global inclusivo por meio da ênfase em complementaridades e a partir de nossas respectivas bases econômicas156 (grifo nosso).

A fim de atingir seus objetivos, os BRICS estão trabalhando na criação de instituições de desenvolvimento em âmbito global. Às vésperas de sua IV Cúpula, em março de 2012, eles instruíram seus Ministros das Finanças a analisar a viabilidade de criação de um Novo Banco de Desenvolvimento, com vistas a levantar recursos para projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável não apenas nestes países, mas também em outras economias emergentes e países em desenvolvimento. Na V Cúpula, eles revelaram os resultados positivos destes estudos e consideraram que seria factível o estabelecimento deste Banco. Esse é um exemplo que evidencia que a institucionalização em prol do desenvolvimento encabeçada por países emergentes é uma alternativa viável para se lidar com os problemas da atual conjuntura.

As propostas sugeridas por este autor, a fim de se mitigar deficiências presentes na disciplina do tratamento especial e diferenciado, estão em consonância com o processo acima descrito. Elas estão adaptadas ao contexto do sistema multilateral do comércio, pois se prova

156

Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/v-cupula-do-brics-durban- 27-de-marco-de-2013-declaracao-de-ethekwini>. Acesso em: 18 dez. 2013.

167 que a simples transferência de recursos a países menos desenvolvidos não é suficiente para tornar o sistema mais igualitário.

Para que se concretize uma ordem internacional mais equilibrada, os BRICS, em atuação conjunta com demais países emergentes, devem expandir sua esfera de influência para fora de suas respectivas regiões, compartilhando a liderança global com as potências estabelecidas. Uma forma de alcançar tal objetivo seria justamente a institucionalização internacional, unindo esforços com as nações em desenvolvimento para a reformulação do atual quadro institucional.

No âmbito do Sistema Multilateral do Comércio, tais instituições teriam o intuito de assistir aqueles países de maneira mais efetiva, monitorando práticas de países desenvolvidos e propiciando uma assistência técnica autônoma, vinculada aos seus interesses. Isso atacaria o cerne do problema da concretização do princípio do tratamento especial e diferenciado, avançando para além do caráter simbólico e das boas intenções.

Deve-se fazer a ressalva, no entanto, de que a efetivação de tais medidas demandaria uma maior cooperação política e diplomática entre as potências emergentes, uma vez que elas ainda apresentam muitos interesses comerciais conflitantes. Os BRICS, especificamente, estão muito longe de conseguir unir interesses para uma atuação conjunta a tal nível, sendo que no âmbito da OMC eles ao menos se apresentam como uma coalizão de interesses específicos.

5.4 A NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO DO SISTEMA MULTILATERAL DO