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2. A A RTICULAÇÃO DE O RAÇÕES

2.3. O tratamento funcional das construções causais

As orações causais, objeto de estudo desse trabalho, estão inseridas, segundo a proposta de Halliday (1994), no grupo das orações hipotáticas que expandem a oração nuclear, realçando-a com a circunstância de causa. De modo similar, Matthiessen e Thompson (1988) tratam dessas orações como um tipo específico de combinação de orações hipotáticas que codificam as relações núcleo-satélite. Dik (1997), por sua vez, considera que a oração causal é um satélite e, funcionando como um constituinte adverbial, acrescenta informações ao enunciado a que está relacionada.

De acordo com Neves (2006), tais orações satélites, ainda que sensíveis às determinações do discurso, são termos opcionais, isto é, estão estritamente relacionados às escolhas que o falante faz para alcançar as funções comunicativas do seu enunciado. Conforme Decat (1999, p.316), as cláusulas adverbiais, por constituírem opções de organização discursiva, referem-se à maneira como o usuário decide transmitir as proposições implícitas e relacionar as explícitas.

Sob esse ponto de vista, Meyer (2000) afirma que atribuir causas é parte de um fenômeno discursivo, um meio de criar relevância no discurso. Ele acredita que as explicações de um fato são guiadas pelos interesses comunicativos das pessoas, uma vez que as explicações que nós estamos dispostos a dar ou a aceitar como ‘causa’ não são de fato as causas de um evento, mas abrem uma negociação para a sua explicação. Para o autor, estabelecer a causa de um evento não é um procedimento que avalia a verdade, mas antes um processo de interação social no qual interesses divergentes devem ser acomodados e a partir do qual diferentes conseqüências (ou até mesmo obrigações) podem surgir.

Meyer (2000) aponta essa questão como o problema que filósofos e cientistas têm encontrado no exame da causalidade. Estes estudiosos concluem que não há como encontrar uma única caracterização lógica, mecânica e física de um estados-de-coisas para ser considerado intuitivamente a “causa” de um certo evento. Desse modo, não existe ‘a’ causa ou ‘conjunto de causas’ de um evento; a causalidade emerge como um fenômeno discursivo, visto que as causas de um evento apresentam algum tipo de concorrência discursiva.

Paiva (1996, p.64) apresenta o enunciado seguinte como forma de ilustrar o fato de que causa é muito mais uma condição favorável do que uma condição determinante para uma dada conseqüência. No exemplo (09), a chuva, embora necessária, não é uma condição suficiente para a ocorrência da enchente, outras condições também podem ter sido responsáveis pela inundação, como o entupimento dos escoadouros de água.

(09) Houve uma enchente na cidade do Rio de Janeiro, porque choveu muito.

Noordman e Blijzer (2000), por sua vez, concebem a causalidade como um importante princípio de ordenação da percepção e da experiência humana, sendo, por isso, uma categoria central da cognição. Para os autores, ela é fundamental tanto para a representação do conhecimento humano quanto para outros processos cognitivos, como previsão, explicação e compreensão. Eles afirmam que as relações causais são representadas como pares ordenados de causa-efeito, em que a causa precede, temporalmente, o efeito. Segundo Neves (1999, p.461), somente a relação causal stricto sensu, que diz respeito à conexão causa-conseqüência, ou, pelo menos, causa-efeito entre dois eventos, implica subseqüência temporal.

Assim, a representação da relação causal, estreitamente entendida, origina-se em nossas experiências no mundo, haja vista que, na base de co-ocorrência de eventos, são inferidos relações de causa. De acordo com Michote (1954, apud NOORDMAN & BLIJZER, 2000), nós temos uma tendência em interpretar as seqüências de eventos em termos de relação de causa e conseqüência, mesmo quando não há causalidade real envolvida. Porém, Neves (2000) adverte que as expressões lingüísticas de elo causal não se restringem a esse tipo de indicação, que decorre de uma relação de “causa real”, ou “causa efetiva”, com subseqüência temporal.

As construções complexas causais podem ser relacionadas pelas conjunções

porque, como, pois, porquanto, que (= porque). Algumas conjunções são compostas, isto é, constituem o que se denomina locuções conjuncionais, que têm, normalmente, o elemento que como constituinte final; dentre elas: já que, uma vez que, dado que, desde que, visto que, visto

De acordo com Halliday e Hasan (1976, p.227), a conjunção funciona como um guia em direção a um tipo de relação semântica, que não é um tipo que procura instrução, mas sim uma especificação do modo como o que segue é conectado, sistematicamente, com o que foi dito anteriormente. Na descrição de conjunção como um mecanismo coesivo, os autores enfatizam a função das relações semânticas de conectar elementos lingüísticos que ocorrem em sucessão, mas não são relacionados por significados estruturais.

As relações denominadas conjuntivas, conforme pontuam Halliday e Hasan (1976, p.228), podem aparecer em diferentes formas estruturais; por exemplo, a sucessão no tempo pode ser expressa de diferentes maneiras, o que é notado nas sentenças abaixo que possuem a mesma relação lógica temporal:

(10) a. A snowstorm followed the battle. (The battle was followed by a snowstorm.)46

b. After the battle, there was a snowstorm. c. After they had fought a battle, it snowed. d. They fought a battle. Afterwards, it snowed.

O falante da língua reconhece que o mesmo fenômeno pode aparecer de diferentes formas e tamanhos estruturais, e torna-se consciente de que certos tipos de fenômenos são, freqüentemente, ligados uns ao outros por certos tipos de relações de significado, conforme ressaltam Halliday e Hasan (1976, p.229).

Segundo Thompson e Longacre (1994, p.181), em algumas línguas, que usam simplesmente um morfema subordinativo como “quando” para as orações temporais, esse morfema pode também sinalizar causa. Não é difícil compreender por que: dois eventos que são mencionados juntos como sendo simultâneos ou adjacentes no tempo são,

46 a. Uma nevasca seguiu a batalha. (A batalha foi seguida por uma tempestade de neve)

b. Depois da batalha, houve uma nevasca.

c. Depois de eles terem disputado a batalha, nevou. d. Eles lutaram uma batalha. Depois disso, nevou.

freqüentemente, inferidos em relação de causalidade. Como exemplo, os autores citam a seguinte sentença do inglês, em que telling (dizer) causou o fit (desmaio):

(11) When he told me how much money he lost, I had a fit.47

Sobre essa questão, Meyer (2000, p.29) declara que, quando narramos eventos relacionados temporalmente, eles devem ser relevantes entre si, uma vez que as seqüências de eventos narrados são, freqüentemente, conectadas de modo causal também. Ao informar as causas de um certo evento, a oração preenche as necessidades básicas da comunicação humana. Assim, o autor conclui que uma relação causal é mais informativa que uma temporal, já que uma relação de causa implica uma relação temporal e adiciona mais informações a ela.