• Nenhum resultado encontrado

4. A NÁLISE DOS D ADOS

4.2. Análise Qualitativa dos Dados

4.2.3. Princípios de Hopper

Os princípios de Hopper (1991) suplementam os parâmetros de Lehmann, por enfatizar os estágios mais iniciais do processo, e acentuam o caráter gradual da mudança, pois identificam os estágios, mais ou menos gramaticalizados, do elemento em questão. Desses princípios, alguns servem para explicar a emergência de agora que e outros para explicar o surgimento de já que.

Segundo o princípio da estratificação, quando novas “camadas” emergem dentro de um domínio funcional, as formas antigas não são necessariamente substituídas, mas podem continuar a existir e interagir com as mais novas. Isso é bem claro com a emergência de agora

que e já que dentro do paradigma dos conectores causais. As perífrases coexistem com outras tantas formas que relacionam oração causais, como porque, visto que, pois, uma vez que. A formação desses conectores não descarta os antigos, mas concorre com eles.

A divergência refere-se ao fato de que a unidade-fonte de um processo de gramaticalização pode preservar suas propriedades originais e passar por outros processos de mudança. Dessa maneira, consoante esse princípio, agora e já continuam a existir como itens autônomos e é possível que apresentem outras trajetórias de gramaticalização, em direção a marcadores discursivos, casos como (25) e (26):

(25) Doc.: agora Lucas eu gostaria que você me conta::sse alguma coisa que aconteceu com alguém::... e que alguém te contou... (AC-011)

(26) é::... eu já acho que começou errado desde o início porque::... quando o Brasil foi descobe::rto... é:: o pessoal que vinha pra cá na verdade vinham nas embarcações são pessoas que vinham da da Europa eram ladrõ::es... (AC-035)

Com a gramaticalização, as escolhas dentro de um domínio funcional estreitam-se e os elementos selecionados passam a assumir significados mais gerais. Nesse princípio da

especialização, está uma pequena diferença entre agora que e já que, visto que as funções semânticas de agora que são menos gerais do que as de já que, construção gramatical que está mais gramaticalizada. Uma das provas da especialização de já que é a sua maior freqüência de uso. Outro indício de que as funções semânticas de agora que são menos gerais é o seu maior aproveitamento polissêmico, haja vista que grande parte dos exemplos (35%) têm nuances temporais e causais/explicativas.

O princípio da persistência, como o próprio nome já diz, consiste na permanência de algum significado anterior A na forma gramaticalizada B, o que influencia seu funcionamento. No novo estatuto gramatical de agora que, nota-se a persistência de traços dêiticos de agora, visto que a função dêitica do advérbio desdobrou-se numa função coesiva referencial catafórica da perífrase conjuncional. O valor dêitico do advérbio agora é retido na forma agora que, o que contribui para a sua função de referenciador no plano textual.

Hopper e Traugott (1993, p.178) pontuam que o recrutamento de dêiticos e outros demonstrativos para funcionarem como conectivos é típico de desenvolvimentos hipotáticos. Para eles, a motivação está na extensão da referência dêitica de entidades do mundo não- lingüístico em direção à anáfora e à catáfora de SN e, então, de anáfora e catáfora de proposições (orações). Em outras palavras, conforme Hopper e Traugott, dêiticos podem ser usados para funções metalingüísticas, que envolvem orações de referência, bem como para explicitar a ligação de orações.

Por outro lado, a função argumentativa do item-fonte já também está presente nos empregos de já que. Os exemplos abaixo ilustram essa persistência pragmática. Em (27), já assinala a divergência, do ponto de vista do locutor, entre o fato de a vítima querer falar e a precocidade em que isso acontece (“tão cedo” e “mas isso é só o começo”); assim, pode-se

afirmar que há uma avaliação subjetiva do falante em relação ao evento que acontece antes do

esperado, naquele contexto. Na ocorrência (28), já que também apresenta uma opinião do locutor, a qual funciona como a razão do que é expresso na oração nuclear:

(27) Carrasco: (Chamando a atenção do civil para os esforços da vítima que agora quer falar) Excelência. A vítima quer falar.

Civil: Já? Assim tão cedo? A vítima já quer pedir-nos piedade. Suas dores já são insuportáveis. Mas isso é só o começo. (CCI)

(28) Esse Príncipe Danilo, que para mim não é príncipe e muito menos o da Viúva Alegre, é uma das novas relações que fiz no agora chamado Pátio dos Milagres (quem ali está só o pode ser por um milagre, já que deveria estar no cemitério, que é o destino que aqui a todos nos espera). (AL)

Finalmente, o parâmetro decatecorização prevê que a mudança gramatical leva a uma diminuição de categorialidade da entidade, implicando uma perda da autonomia no discurso. Esse princípio é verificado na trajetória geral de gramaticalização das perífrases, quando se observa a mudança de estatuto categorial de advérbio para conjunção, bem como a passagem do significado mais concreto de tempo (nível da predicação) para o significado mais abstrato causal (camadas da proposição e dos atos de fala). Portanto, há uma modificação sintática, bem como semântica, com reflexos na camada da estrutura subjacente da oração.

De acordo com Gonçalves et al. (2007), a forma que está sofrendo a mudança tende a perder ou neutralizar as marcas morfológicas e os privilégios sintáticos que caracterizam a forma menos gramaticalizada e a assumir atributos das categorias mais gramaticais. Isso é notado no desenvolvimento de agora que e já que, haja vista que o processo sintático-semântico de focalização afeta os advérbios agora e já, como em (29)-(32), mas não ocorre com as perífrases:

(29) De certa forma, estava vivendo através dele e permitindo que manobrasse minha maneira de ser. Só agora que terminou posso enxergar com clareza. (CH)

(30) Ainda mais agora que saiu o novo plano de classificação do Dasp e ele tá a três anos da aposentadoria. (OM)

(31) Porque prometi que iria, afasto a moleza e começo a operação maquilagem, sentindo desde já preguiça por ter que retirá-la na volta, antes de dormir. (CH) (32) O velho de voz estrídula retrucou que o melhor era que cada um desde já começasse a arrepender-se de seus pecados, a orar e a fazer boas obras. (TV)

Além disso, outra característica sintática que é perdida no novo domínio funcional é a possibilidade que os advérbios agora e já têm de escopar sintagmas adjetivais, por exemplo (33)-(36):

(33) Mas eis que de novo o olhar de minha mãe volta, agora úmido de pranto, a escrutar-me a dois palmos do meu nariz, como se eu fora uma cisterna vazia e cheia de sombras. (AL)

(34) Voou para o banheiro, escovou os dentes com frenesi e sorriu triunfante,

agora seguro e feliz. (BH)

(35) Os discípulos voltaram no final da tarde. Cada um trazia o pouco conseguido através da caridade alheia: frutas já podres, pães duros, vinho azedo. (HPP)

(36) Eu poderia, bem sei, perguntar ao criado ou à criada que me servem todos os dias, ou mesmo o próprio gerente do hotel, ou ainda à sua jovem esposa tão louçã e já tão vesga, o tempo exato em que aqui me encontro e o mês e o ano em que porventura estamos vivendo nesta fria noite de chuva. (AL)

A decategorização de agora que e já que pode ser ilustrada no esquema abaixo, que apresenta as alterações sofridas ao longo do processo de gramaticalização:

significado: concreto (tempo) abstrato (causa) estatuto categorial: advérbio conjunção;

mobilidade na oração: – fixa + fixa marcas morfológicas e

privilégios sintáticos: + focalização – focalização adv. + [SAdj] conj. + [SV]

Nível da oração em camada: predicação proposição / atos de fala83

A aplicação desses princípios e parâmetros funciona como evidência de que essas unidades passaram ou ainda passam por trajetórias de gramaticalização, reiterando as hipóteses primeiras desta pesquisa.