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O tridimensionalismo dinâmico do direito: o fato, o valor e a norma em mútua

2 AS DESCRIÇÕES DO DIREITO SEGUNDO AS TEORIAS TRIDIMENSIONAL

2.1 A AUTODESCRIÇÃO DO DIREITO SEGUNDO A TEORIA TRIDIMENSIONAL DO

2.1.3 O tridimensionalismo dinâmico do direito: o fato, o valor e a norma em mútua

Dando continuidade a nossa exposição, trataremos agora de mais uma etapa da nossa fórmula guia de estudo. Dizemos que para Reale “o Direito é uma integração normativa de fato

segundo valores”. A opção de trabalhar com os três elementos em conjunto é coerente com a

proposta do tridimensionalismo que afirma que o direito é uma realidade que sempre haverá em conjunto fato, valor e norma, de maneira que “esses três elementos não se correlacionam apenas, eles se dialetizam. Há uma dinamicidade integrante e convergente entre esses três fatores” (REALE, 1993, p. 304).

Entender o Direito como uma realidade tridimensional em que se pode perceber uma perspectiva fática, juntamente com uma valorativa e outra normativa, não é uma novidade trazida por Miguel Reale. Expressões do tridimensionalismo jurídico podem ser encontrados diversas partes do mundo32. Segundo ele, as escolas tridimensionalista podem ser classificadas em tridimensionalismo abstrato (genérico)33 – que “procura combinar os três pontos de vista unilaterais e, mais precisamente, os resultados decorrentes de estudos levados a cabo separadamente” (REALE, 1999, p. 512) – e o tridimensionalismo específico – que “afirma, de maneira precisa, a interdependência dos elementos que fazem do Direito uma estrutura social necessariamente axiológico-normativa” (REALE, 1999, p. 539).

Com a ajuda de uma metáfora, Reale (2005) explica que é como se o tridimensionalismo abstrato aceitasse que o bolo é formado por três camadas; cada uma delas representando um dos elementos (fato, valor e norma) que constituem o bolo, mas essas camadas não se misturam. Já para o tridimensionalismo específico, o Direito é como se fosse um bolo com sabor necessariamente trino, em que não fosse possível distinguir o sabor de um elemento sem ter referência ao do outro34, o que não impede, entretanto, que se possa dar ênfase a cada uma das

32 Para ver o tridimensionalismo em pensadores alemães (REALE, 1994a, p. 23-7), italianos (REALE, 1994a, p.

27-32), franceses (REALE, 1994a, p. 33-35), na cultura do common law (REALE, 1994a, p. 35-39) e na cultura ibérica (REALE, 1994a, p. 39-44).

33 São exemplos de tridimensionalistas genéricos: o tribalismo de Lask (REALE, 1999, p. 515-519), de Radbruch

(REALE, 1999, p. 520-524), Santi Romano e Hauriou (REALE, 1999, p. 524-529), Legaz y Lacambra e Eduardo Garcia Máynez (REALE, 1999, p. 529-534) e Carlos Cossio (REALE, 1994a, p. 40-41).

34 “O que denominamos tridimensionalismo específico assinala um momento ulterior no desenvolvimento dos

estudos, pelo superamento das análises em separado do fato, do valor e da norma, como se se tratasse de gomos ou fatias de uma realidade decomponível; pelo reconhecimento, em suma, de que é logicamente inadmissível qualquer pesquisa sobre o Direito que não implique a consideração concomitante daqueles três fatores (REALE, 1999, p. 513).

suas três perspectivas (fato, valor e norma), quando os estudos do direito são realizados em seus variados ramos de pesquisa35.

Dentro do tridimensionalismo específico, Reale (1999, p. 539-542) destaca a teoria da Trilateralidade estática de Wilhelm Sauer (1932). Segundo essa trilateralidade estática, o Direito necessariamente precisa ser analisado por meio de suas três perspectivas (fato, valor e norma), no entanto, ela “não nos explica, com efeito, como é que os três elementos se integram em unidade, nem qual o sentido de sua interdependência no todo” (REALE, 1999, p. 542). Ou seja, falta em tal teoria, explicar como ocorre a dinâmica existente entre os elementos e como eles se relacionam com o decorrer do tempo. Em suma, “falta a seu trialismo, talvez em virtude de uma referibilidade fragmentada ao mundo infinito das ‘mônadas de valor’, o senso de desenvolvimento integrante que a experiência jurídica reclama” (REALE, 1999, p. 542).

Assim sendo, Reale desenvolve um tridimensionalismo específico, mas que pretende ser dinâmico, diferentemente do ocorre com a teoria de Sauer36. Esse novo desenvolvimento que Reale dá ao tridimensionalismo busca explicar como o direito é formado pelos três elementos, como esses três elementos se implicam entre si, como essa tensão existente entre cada elemento possibilita o dinamismo do direito e como isso explica o desenvolvimento do direito com o decorrer do tempo. Para tanto, o tridimensionalismo de Reale assume as seguintes premissas:

a) onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor; b) tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta; c) mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocamente, mas atuam como elos de um processo (já vimos que o Direito é uma realidade histórico- cultural) de tal modo que a vida do Direito resulta da interação dinâmica e dialética dos três elementos que a integram (REALE, 2001, p. 60-61).

35 Isso porque, “a palavra Direito pode ser apreciada, por abstração, em tríplice sentido, segundo três perspectivas

dominantes: 1) o Direito como valor, estudado pela Filosofia do Direito na parte denominada Deontologia Jurídica, ou, no plano empírico e pragmático, pela Política do Direito; 2) o Direito como norma ordenadora da conduta, objeto da Ciência do Direito ou Jurisprudência; e da Filosofia do Direito no plano epistemológico; 3) o Direito como fato social e histórico, objeto da História, da Sociologia e da Etnologia do Direito; e da Filosofia do Direito, na parte da Culturologia Jurídica” (REALE, 1999, p. 509).

36 Reale aponta diversas outras diferenças entre a sua teoria e a de Sauer. Podemos citar aqui o fato de que, para

Sauer, o tridimensionalismo possui um sentido universal-cósmico, enquanto, para Reale, o tridimensionalismo só pode ser entendido com referência à história e à cultura (REALE, 1999, p. 439-440). Outra diferença é que para Sauer, tanto a natureza, quanto a cultura, são estruturas trivalentes; enquanto que para Reale a tridimensionalidade se dá apenas em objetos culturais, já que a perspectiva valorativa só existe em decorrência da dimensão espiritual humana (REALE, 1999, p. 440).

Essa necessária dinâmica entre fato, valor e norma no direito é algo que precisaremos considerar, quando formos trabalhar com os processos de descrição, que levam à redundância e à evolução do sistema jurídico37. No entanto, por enquanto, é preciso ainda destacar que a

integração normativa de fatos, segundo valores não é uma característica somente do direito, mas, sim, de toda conduta ética. Seja ela religiosa, amorosa, moral, costumeira ou jurídica (REALE, 1999, p. 393). Por isso, para distinguir corretamente o que é o direito, segundo uma autodescrição do sistema através de Reale, é preciso fazer ainda uma diferenciação do modo de enlace existente entre os três elementos, que é o que irá diferenciar cada uma das facetas da conduta ética.