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O UNIVERSO E O HOMEM NAS VISÕES DE HILDEGARD

No manuscrito conservado em Lucca, na Biblioteca governativa, duas miniaturas de página inteira chamam a atenção: elas representam um homem de pé, braços estendidos, destacando- se sobre o círculo que simboliza o mundo. Muito curiosamente, essa imagem tornou-se familiar; foi até um pouco vulgarizada, servindo à publicidade de uma empresa (Manpower) — pelo menos numa forma bem mais recente, devida a Leonardo da Vinci.

Mais de três séculos antes do nascimento de Leonardo, esta visão do homem, braços abertos sobre o globo da Terra, está presente na obra da pequena abadessa das margens do Reno. Entretanto, quanto mais Leonardo da Vinci é estudado, pesquisado, enaltecido e divulgado, nos tempos clássicos e modernos, mais a obra de Hildegard — e a de sua época em geral — são esquecidas e pouco conhecidas. Acontece que esta imagem, que põe o homem no centro do universo, já era familiar desde o século XII e resume o que Hildegard nos revela em relação ao cosmo.

O essencial da obra de Hildegard, sem dúvida o que ela tem de mais tocante, está aí nessa percepção do mundo por meio de suas visões. Sobre esse assunto ela se expressa, sobretudo em sua terceira obra, considerada a mais acabada, a mais completa, a mais extraordinária também, O livro das obras divinas. Hoje felizmente ao nosso alcance, graças ao magnífico trabalho de Bernard Gorceix. Mencionaremos apenas as principais dessas visões cósmicas, que nos revelam um universo acima de tudo aceitável, face às descobertas de nossa época — principalmente quando se pensa na concepção de um universo fechado e

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limitado, que prevaleceu desde o século XVI até o século XIX. Não vamos tentar, porém, esclarecer as possíveis implicações científicas dessas visões. Elas se expressam em um registro totalmente distinto do que é próprio da ciência pura; sua origi­ nalidade, sua força poética tornam-nas por si mesmas cativantes e, acreditamos, suficientes para suscitar interesse.

O livro das obras divinas abre-se sobre uma imagem

suntuosa que foi, recentemente, reproduzida diversas vezes: a de um personagem de pé, com três cabeças e quatro asas coloridas em tons de escarlate. Essa imagem é acompanhada de um comentário que é essencial citar para introduzir a obra e também para penetrar no conjunto das visões que ela desenvol­ ve. “Contemplei, então, nos segredos de Deus, no coração dos espaços aéreos do Sul, uma figura maravilhosa. Tinha a aparên­ cia humana. A beleza e a claridade de seu rosto eram tais que teria sido mais fácil olhar o sol do que olhar esse rosto. Um grande círculo de ouro cingia-lhe a cabeça. Nesse círculo, um segundo rosto, o de um velho, dominava o primeiro; seu queixo, sua barba roçavam o topo do crânio. De cada lado do pescoço da primeira figura, destacava-se uma asa. Essas asas se elevavam e se juntavam acima do círculo de ouro. A parte extrema da curvatura da asa direita trazia uma cabeça de águia; seus olhos de fogo refletiam qual espelho o esplendor angélico. A parte correspondente da asa esquerda trazia uma cabeça de homem que brilhava como cintilam as estrelas. Os dois rostos estavam voltados na direção do leste. De cada espádua da figura descia uma asa até os joelhos. Uma roupagem que tinha o fulgor do sol a revestia. Nas mãos carregava um cordeiro que brilhava como um dia transbordante de luz. Com o pé, calcava um monstro de aspecto aterrador, virulento e negro, e uma serpente. A serpente trincava com sua mandíbula a orelha direita do monstro. Seu corpo se enrolava em torno da cabeça do monstro, e sua cauda descia até os pés do monstro, pelo lado esquerdo da figura.

“A figura falou nestes termos: ‘Sou eu a energia suprema, a energia ígnea. Eu é que inflamei cada centelha de vida. Nada de mortal emana de mim. Toda a realidade, eu a decido. Minhas asas superiores envolvem o círculo terrestre; da sabedoria sou a

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ordenatriz universal. Vida ignescente de essencialidade: pois, se Deus é inteligência, como poderia não obrar? Pelo homem Ele assegura o florescimento de suas obras todas. O homem, de fato, Ele o criou a Sua imagem e semelhança; nele inscreveu com firmeza e medida a totalidade das criaturas. Por toda a eternida­ de a criação dessa obra — a criação do homem — estava prevista em Seus desígnios. Uma vez terminada dita obra, ele retomou o trabalho do homem, a integralidade da criação, a fim de que o homem pudesse agir com ela, da mesma maneira que Deus modelara sua obra, o homem. Assim, pois, sou servidor e sustentáculo. Por mim, realmente, toda a vida se acende. Sem origem, sem término, sou esta vida que idêntica perdura, eterna. Esta vida é Deus. Ele é perpétuo movimento, perpétua operação, e sua unidade se apresenta numa tríplice energia. A eternidade é o Pai; o Verbo é o Filho; o sopro que reúne os dois é o Espírito Santo. Deus a representou no homem: o homem de fato tem um corpo, uma alma e uma inteligência. Minhas chamas dominam a beleza dos campos: a terra é a matéria graças à qual Deus modelou o homem. Se eu penetro as águas com minha luz, a alma penetra o corpo inteiro, como a água com seu fluxo penetra a terra inteira. Se digo que sou ardor no sol e na lua, é uma alusão à inteligência: pois as estrelas não são as inúmeras palavras da inteligência? E, se meu sopro, vida invisível, protetor universal, acorda o universo para a vida, trata-se de um símbolo: o ar e o vento, com efeito, mantêm tudo o que cresce, tudo o que amadurece, e nada escapa aos dados de sua natureza.”

“Então ouvi a mesma voz. Do céu ela se dirigia a mim nestes termos: ‘Deus, o criador do universo, fez o homem a Sua imagem e semelhança. Nele figurou toda criatura, superior e inferior. E o animou de tal amor que lhe reservou o lugar do qual fora expulso o anjo decaído. E lhe atribui toda a glória, toda a honra que dito anjo havia perdido juntamente com sua salvação. Eis o que te mostra o rosto que contemplas. A magnífica figura, que percebes ao sul dos espaços aéreos e no segredo de Deus, e cuja aparência é humana, simboliza de fato esse amor do Pai dos céus. Ela é o amor: no seio da energia da deidade perene, no mistério de seus dons, ela é uma maravilha de insigne beleza. Se

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ela tem a aparência humana, é porque o Filho de Deus se revestiu de carne para arrancar o homem da perdição, no serviço do amor. Eis porque esse rosto é de tal beleza, de tal claridade. Eis porque te seria mais fácil contemplar o sol do que esse rosto. A profusão de amor com efeito irradia, cintila de uma luminescência tão sublime, tão fulgurante, que ultrapassa, de maneira inconce­ bível para nossos sentidos, todo ato de compreensão humana que, de hábito, assegura na alma o conhecimento de assuntos os mais diversos. Aqui o mostramos por um símbolo que permite reconhecer na fé o que os olhos exteriores não podem realmente contemplar.’”

Hildegard abre suas visões pela Santíssima Trindade; a Eternidade, o Verbo, o Sopro são figuras que aí significam que Deus é Vida e é Amor. A energia suprema, a energia ígnea suscitou a criação do homem, o qual nasce corpo, alma, espírito. Tudo procede dessa vida que libera uma tríplice energia de amor, da qual o homem é reflexo. O conjunto é expresso com uma vivacidade em que a visionária ressalta que ela se encontra no limite daquilo que o homem pode contemplar. Ela mesma, no quadro que a representa sob a imagem de página inteira, tem os olhos extasiados, abertos para esta visão.

Uma segunda evocação desenvolve a primeira. E ao mesmo tempo mais complexa e mais detalhada. Retomando a imagem trinária da “visão em forma de ovo”, que havia desenvolvido em sua primeira obra, Hildegard descreve o homem no centro do mundo. E com uma precisão rigorosa: o homem está situado no centro de uma série de círculos, um de fogo negro, o segundo de fogo claro, duas vezes mais largo do que o primeiro; no interior, um círculo de umidade, sob o qual aparece um outro, branco e denso; seis círculos formam assim uma espécie de roda gigante em torno do homem.

“No centro do peito da figura que eu havia contemplado no seio dos espaços aéreos do Sul, eis que surgiu uma roda de maravilhosa aparência. Continha os signos que a reaproximavam dessa visão em forma de ovo, que eu tive há dezoito anos e que descrevi na terceira visão do meu livro Scivias. Sob a curva da concha e na parte superior, aparecia um círculo de fogo claro que

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dominava outro, de fogo negro. Esses dois círculos estavam unidos como se não formasse mais que um. Sob o negro, aparecia um que se assemelhava a puro éter, tão espesso quanto os dois primeiros juntos. Em seguida vinha um círculo que era como que de ar carregado de umidade, tão espesso quanto o de fogo luminoso. Sob este círculo de ar úmido, aparecia um de ar branco, denso, cuja consistência lembrava a de um tendão humano; tinha a mesma espessura do de fogo negro. Esses dois círculos estavam igualmente ligados entre si, formando apenas um. Enfim, sob esse ar branco e firme, apresentava-se uma segunda camada aérea, tênue, que parecia estender-se sobre todo o círculo, provocando nuvens, ora claras, ora baixas e sombrias. Esses seis círculos estavam ligados entre si, sem espaço intermediário. O círculo superior inundava com sua luz as outras esferas, enquanto o de ar aquoso impregnava todos os outros com sua umidade.

“A figura do homem ocupava o centro dessa roda-gigante. O crânio no alto, e os pés tocando a esfera de ar denso, branco e luminoso. Os dedos das duas mãos, direita e esquerda, esten­ didos em forma de cruz, em direção à circunferência, assim como os braços.”

Toda essa visão vai ser sacudida por sopros que emanam dos quatro grupos de cabeças de animais: o leopardo, o lobo, o leão, o urso; em seguida um caranguejo, um cervo, uma serpen­ te, um carneiro.

“Acima do principal dessa figura, postavam-se frente a frente os sete planetas: três no círculo de fogo de luz, um na esfera de fogo negro, três no círculo de puro éter. Todos os planetas reluziam em direção às cabeças de animais e à figura do homem. [...] O círculo de fogo luminoso englobava dezesseis estrelas principais, quatro entre as cabeças do leopardo e do leão, quatro entre as do lobo e do leão, quatro entre as do lobo e do urso, quatro entre as do urso e do leopardo. Oito delas ocupavam uma posição intermediária e se assistiam umas às outras: estavam situadas entre as cabeças e enviavam reciproca­ mente seus raios, que atingiam a camada de ar fino. As outras oito, ao lado das outras cabeças de animais, atingiam com seus

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raios as nuvens que se estendiam em frente a elas. Na parte direita da imagem, duas faixas, distintas uma da outra, forma­ vam como que dois riachos que se derramavam sobre a roda e sobre a figura humana. O mesmo acontecia à esquerda: era como um borbulhar de água corrente.”

Como vemos, o universo evocado não é absolutamente estático; ações e interações se opõem, e até se equilibram, assim como a energia ígnea é temperada pelo círculo úmido. Percor- rem-na, sobretudo, os ventos; a cabeça de leão é símbolo do vento sul, o principal, acompanhado de dois ventos anexos às cabeças de serpente e de carneiro. Esses ventos “mantêm a energia do universo inteiro e do homem, que contêm a totalidade da criatura. Êles a protegem da destruição; quanto aos ventos anexos, eles sopram todo o tempo, ainda que docemente, qual zéfiros. As energias terrivelmente poderosas dos ventos princi­ pais não são solicitadas. Só o serão quando do Julgamento de Deus, no fim do mundo, para que se exerça o último castigo. [...] O vento sul traz a canícula e provoca grandes inundações, o vento norte traz o relâmpago e o trovão, o granizo e o frio”. Na continuação do texto, as paixões que agitam o homem são elas mesmas comparadas aos ventos. Logo que o vento começa a soprar, seja naturalmente, seja em virtude de uma inspiração divina, ele penetra o corpo do homem sem que nada o detenha, e a alma, ao recebê-lo, naturalmente o guia até o interior dos membros, quaisquer que sejam, correspondentes a sua natureza. De modo que seu sopro ora conforta, ora frustra o homem.

Depois de enumerar tudo o que influencia o homem na natureza, o sol, a lua, os planetas, Hildegard faz uma observação ao próprio homem: “Quanto a ti, homem, que vês este espetácu­ lo, compreende que estes fenômenos concernem igualmente ao interior da alma.” Essas interações dos elementos naturais com as tendências do homem são reencontradas em outras obras de Hildegard, de cunho francamente medicinal. Aqui essas compa­ rações são levadas ao extremo: “Aos quatro ventos principais correspondem quatro energias no seio do homem: o pensamen­ to, a palavra, a intenção e a vida afetiva. Assim como cada vento pode enviar seu sopro para a direita ou para a esquerda, também

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a alma, escoltada por essas quatro energias, pode, pela ciência natural, atingir a parte que desejar escolhendo o bem ou o mal.” E põe-se a comparar o vento sul, que traz o calor, aos “pensa­ mentos bons e santos, que atiçam, graças ao fogo do Espírito Santo, o zelo de uma piedosa intenção”. Ao contrário, o vento oeste, que é frio, “designa os pensamentos desonestos e inúteis, que não esquentam o fogo do Espírito Santo, e as obras frias e desonestas”. O vento norte é o único “inútil a toda a criatura. Ele também tem duas asas, dirigidas uma para o oriente e a outra para o ocidente. Elas designam no homem a ciência do Bem e a ciência do Mal, graças às quais ele considera em sua alma, como em um espelho, o que é útil e o que é inútil. Assim como o firmamento, superior e inferior, rege a Terra”.

Portanto, esse conjunto de visões coloca a tônica numa espécie de unidade cósmica que rege ou influencia, ao mesmo tempo, o homem e o mundo em que ele vive. Assim é que o aquilão, o vento norte, “um vento perigoso, é nocivo a tudo quanto toca; seu frio e sua rudeza atingem também o sopro cálido que desce docemente do sol para depositar o orvalho e que produz na terra toda a viridez dos frutos silvestres”. Abor­ damos aqui uma das noções favoritas de Hildegard, a da viridez, do latim viridis (verde, vigoroso); aplica-se igualmente à natu­ reza e ao homem, designando essa energia interna que faz crescer as plantas e por meio da qual o homem se desenvolve.

“Todos esses fenômenos, sublinha Hildegard, estão em relação com a alma. A alma, com efeito, está presente no corpo, como um vento que não se vê e do qual não se ouve o sopro. Aérea, ela exala seu sopro à maneira do vento, seus suspiros, seus pensamentos; sua umidade, veículo de suas boas intenções para com Deus, é o que a assemelha ao orvalho. Como o clarão do sol, que ilumina o mundo inteiro e não esmorece nunca, a alma está toda presente na mínima forma do homem. Seus pensamentos permitem-lhe voar em todas as direções: as obras santas a elevam às estrelas pelo louvor a Deus; as obras más, de pecados, a precipitam nas trevas.”

E prossegue detalhando a quarta visão: “A alma razoável profere múltiplas palavras que ressoam como a árvore que

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multiplica seus ramos, e, ass im como os ramos provêm da árvore, as energias do homem jorram da alma. Suas obras, quaisquer que sejam, realizadas em concerto com o homem, assemelham-se aos frutos de uma árvore. A alma, de fato, tem quatro asas: os sentidos, a ciência, a vontade e a inteligência.” Essas considera­ ções de Hildegard no tocante ao homem no seio da natureza levam-na a evocar o tempo da Criação. “Quando Deus conside­ rou o homem, gostou muito dele: pois não o tinha criado a Sua semelhança e segundo a textura de Sua imagem? Que o homem trate de proclamar, com o instrumento de sua voz de razão, a totalidade das maravilhas divinas! Porque o homem é a totalidade da obra divina, e Deus é conhecido do homem, já que Ele o acordou com o beijo do verdadeiro Amor e com a finalidade de celebrá-Lo e de louvá-Lo; mas ainda faltava ao homem uma parceria que lhe fosse semelhante; Deus lhe deu essa parceria no espelho que é a mulher. Esta contém todo o gênero humano a ser desenvolvido na energia da força divina: nessa energia Ele produziu o primeiro homem. Assim, homem e mulher se juntam para cumprir mutuamente a sua obra, porque o homem sem a mulher não será reconhecido como tal e vice-versa. A mulher é a obra do homem; o homem, o instrumento da consolação feminina; e os dois não podem viver separados. O homem designa a divindade; a mulher, a humanidade do Filho de Deus.” Todas essas visões reúnem assim, em uma unidade profun­ da, Deus e sua obra, quer se trate do homem ou do cosmo. E isso o que lhes dá um caráter grandioso. “A alma, quando está no corpo, sente Deus, porque ela vem de Deus, mas, enquanto cumpre sua tarefa nas criaturas, ela não vê a Deus. Logo que deixe a oficina do seu corpo e assim que estiver diante de Deus, ela conhecerá sua natureza e suas antigas dependências corpo­ rais. [...] Aguarda, pois, com avidez, esse último dia do mundo, porque perdeu as vestimentas que ama e que são o seu próprio corpo. Quando o recuperar, ela verá com os anjos a face gloriosa de Deus. [...] ‘O homem é a vestimenta que reveste meu Filho em sua real potência a fim de surgir como Deus de toda a criação e vida da vida.’ [...] Na forma do homem Deus consignou a totalidade de Sua obra” (Quarta visão).

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No seio desse universo, uma grande praça é destinada aos anjos. E a eles que pouco a pouco se consagra toda a sexta visão, que se apresenta de forma sensivelmente distinta das preceden­ tes. Desta vez a visionária percebe “como que uma grande cidade de forma quadrada, cercada por um muro ao mesmo tempo de esplendor e trevas, uma cidade adornada também de colinas e de figuras. No lado leste, erguia-se uma grande montanha de uma pedra branca e dura, que se assemelhava a um vulcão. No seu cume resplandecia um espelho cuja claridade e pureza pareciam até ultrapassar a do sol. Uma pomba surgiu nesse espelho, as asas abertas, pronta a alçar vôo. Dito espelho, que estava no lugar das maravilhas ocultas, projetava um clarão que se elevava e se expandia e no seio do qual se manifestavam numerosos mistérios e diversas figuras. Nesse esplendor, e em direção ao sul, aparecia uma nuvem, alva na parte superior, negra na parte inferior. Acima dessa nuvem, toda uma coorte angélica resplandecia. Uns flamejavam como fogo, outros eram inteiramente claridade, terceiros cintilavam como estrelas”.

Essa cidade aparecerá daí em diante em cada uma de suas visões. Entre seus quatro muros, ela encerra numerosos edifícios, igrejas, palácios, colunas, casas comuns, numa ordem que varia de uma imagem a outra. Asexta visão, como dissemos, desenvol­ ve-se principalmente sobre o papel dos anjos. “A multiplicidade de anjos no céu, ao lado de Deus, é um arcano que a luz da divindade penetra totalmente. Arcano obscuro para a criatura que é o homem, a menos que os signos luminosos permitam o seu conhecimento. Essa multiplicidade tem uma razão de ser que está mais ligada a Deus do que ao homem. Só aparece aos homens raramente. Todavia, alguns anjos que estão a serviço dos homens revelam-se por signos quando apraz a Deus: é que Deus lhes confiou funções diversas e colocou-os a serviço das criaturas.” Entre esses anjos, há aquele que “queria existir apenas por si mesmo”, Satanás, e os que ele arrastou em sua queda; mas há sobretudo “a grande coorte angélica, uns qual fogo, outros inteiramente claridade, os terceiros como estrelas. Os anjos de fogo contêm as energias mais vivas, nada os pode abalar. Deus desejou de fato que eles contemplassem sem cessara Sua face. Os

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