A VIDA NO MOSTEIRO DE BINGEN
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mais corajosos na fé, muitos foram levados a um maior fervor e a confessar seus pecados. [...] No sábado santo, no momento em que era consagrada a água batismal, sob o sopro do padre que a derramara na pia com palavras que o Espírito Santo ensinou aos doutores da Igreja e à razão do homem [...], a mulher, que lá estava presente, tomada de um grande terror, pôs-se a tremer tanto que seus pés batiam no chão e a emitir vários sopros do horrível espírito que a oprimia. Imediatamente, em verdadeira visão, vi e ouvi a força do Altíssimo, que revestiu as pias batismais e as reveste ainda, dizer à corja diabólica que obseda- va a mulher: ‘Vá-te, Satanás, do tabernáculo do corpo desta mulher, e dá lugar ao Espírito Santo.’ Então o espírito imundo saiu do corpo da mulher em horríveis vômitos e desse momento em diante ela foi libertada e ficou sã dos sentidos, do espírito e do corpo, como vive ainda no século presente. Assim que as pessoas souberam disso, todas, em cânticos de louvor, e muitas, em toda a sorte de preces, diziam: ‘Glória a ti, Senhor’, recor dando o exemplo de Jó, sobre o qual Satanás não conseguiu um poder completo. [...] Dessa mulher que foi libertada do espírito maligno Deus não permitiu que a alma fosse atingida em sua boa-fé e que o inimigo se confundisse nela, porque ele não pôde desviá-la da justiça de Deus.” Assim se expressa o texto da Vida de Hildegard; e acrescenta que esta contava a história “doce e suavemente, com toda a humildade, não atribuindo nada a si mesma”.
Ao lado dessa história de exorcismo, que pode parecer a alguns pouco verossímil, a correspondência de Hildegard apre senta numerosos casos em que a visionária recorre a remédios de simples bom senso e alerta seus correspondentes contra todo exagero, mortificação excessiva etc. E o caso de Hazzecha, cujos distúrbios revelam uma simples instabilidade de caráter, ainda que tenha implorado insistentemente que Hildegard lhe trouxesse a cura. Hazzecha era, ela própria, abadessa de um mosteiro importante onde Hildegard parou, como veremos, a caminho de Colônia, em sua segunda viagem, por volta de 1160. É depois dessa passagem pelo mosteiro que Hazzecha lhe escreve. Visivelmente angustiada, ela comunica à visionária a
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inquietação em que se encontra e quer a todo custo que esta lhe dê uma luz que lhe falta.
“Desde que conseguiu”, diz ela, “com o socorro de Deus, ser ajudada pela vossa presença tão desejada e por vossa afabilidade, sinto-me refeita do medo do meu espírito e da primeira provação sofrida. E porque vossa palavra procede, estou certa, não de um espírito humano, mas dessa luz verdadei ra que vos iluminou mais do que aos outros homens, retardei até agora a realização do que havia proposto. Quero saber, senhora e irmã caríssima, que tanto desejei ver uma primeira vez — e não o desejo menos agora e, porque não o posso fazer pessoalmente, ligo-me sempre a vós pelo coração — e posto que, não o duvido, a caridade está em vós e vós na caridade, suplico-vos a caridade de não tardar a me escrever o que a Luz viva vos terá manifestado em espírito a meu respeito e que seja digno de ser corrigido ou adotado.”
A resposta de Hildegard é curta e sem rodeios: “Aquele que tudo vê diz: ‘Tu tens olhos para ver e olhar a todo o redor. Onde vires sujeira, lava-a e faz verdejar o que é árido, mas também torna saborosos os aromas que possuis. Porque, se não tivesses olhos, poderias ser excusada, mas tu tens dois, e por que não olhas a teu redor graças a eles? Mas tens o discurso fácil em tua racionalidade. De fato, muitas vezes julgas os outros nas coisas pelas quais não gostarias de ser julgada; contudo, às vezes dizes sabiamente o que exprimes. Muito cuidado, pois, ao carregar teu fardo, e junta toda boa obra na bolsa do teu coração, para que não te falte, porque na vida solitária que procuras, segundo teus dizeres, não podereis encontrar o repouso em meio a condições novas, difíceis, desconhecidas por ti, muito piores, então, do que as anteriores e até mais pesadas, como o lançamento de uma pedra. Imita, pois, a rola na castidade, mas procura diligente mente uma vinha seleta para que possas ver Deus com uma face honesta e pura.’”
Em outras palavras: Hazzecha está tentada a abandonar o mosteiro para levar uma vida solitária, e Hildegard a aconselha a zelar antes por seu estado atual do que a se expor a novas dificuldades que lhe surgiriam no isolamento, podendo levar a
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uma situação ainda pior do que essa em que se encontra. Sem dúvida, Hazzecha demonstra certa instabilidade, ao menos interior, contra a qual Hildegard a previne. Há uma outra carta (não publicada pela Patrologia, mas reproduzida por Peter Dronke) que parece proveniente da mesma Hazzecha, que se propõe tanto levar uma vida solitária como fazer uma peregrina ção a Roma. Hildegard novamente a adverte contra essa insta bilidade, que só lhe pode ser nefasta. E a exorta a rogar a Deus a Santa discrição: “O filha de Deus, vós, que solicitastes a esta minúscula mulher fósseis mãe no amor de Deus, aprendei a ter discrição, que no Céu e na Terra é a mãe de todas as coisas, pois graças a ela a alma é regulada e o corpo nutrido em uma santa austeridade.”
Em outras correspondências, Hildegard insiste várias vezes nessa discrição, à qual é preciso recorrer em todas as coisas, principalmente para evitar os excessos de penitência e de mortificação, que na realidade são erros, “erros diabólicos”. E sabe encontrar sonoridades imagéticas para convencer e tran qüilizar seus correspondentes: “Oh! imita a pomba em sua piedade” — escreve ela à abadessa de Santa Maria de Ratisbonne
— “quando teu espírito procura com inquietude compreender muitas coisas que não podes alcançar; então fica em repouso e aprende a moderação, porque a pomba também é estável e moderada. Quando te atormentar uma cólera veemente, olha a pura fonte da paciência e logo a cólera se apaziguará e a tempestade cessará e também a onda de ardor impetuosa, porque a pomba é paciência. [...] Vive segundo o exemplo da pomba e viverás para a eternidade.” A uma outra que ela suspeita de praticar excessivas privações recomenda: “Cuidado com o que tiras de tua terra na solidão, para que não a destruas de tal sorte que a viridez [vigor, verdor] das ervas e dos aromas das virtudes venham a gemer, fatigados que estão por força do arado. Vejo com freqüência que, quando se aflige o corpo com um excesso de abstinência, o desgosto surge nele, e pelo desgosto os vícios se multiplicam muito mais do que se tivessem sido contidos com justiça.” Conselhos semelhantes de moderação encontram-se