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O valor de um instrumento de avaliação comparada como o PISA

Capítulo 2 Fundamentação Teórica

2. Introdução

2.2 A avaliação em literacia científica realizada pelo PISA 2006

2.2.2 O valor de um instrumento de avaliação comparada como o PISA

O PISA representa um compromisso assumido pelos governos de monitorizar regularmente os sistemas educativos, com o objetivo de obter evidências comparáveis internacionalmente sobre o desempenho dos estudantes de modo a ajudar na definição das políticas educativas “ (OCDE, 2008).

Neste parágrafo, a OCDE explicita os seus propósitos e os seus meios. De acordo com Carvalho (2009), o PISA é um instrumento com “ vocação política” na medida em que permite definir objetivos educacionais. O programa é instrumento de avaliação comparada que propõe monitorização dos sistemas educativos com base em indicadores e standards,

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através de um trabalho colaborativo entre os vários agentes políticos, de modo a proporcionar informação relevante à decisão politica (Carvalho, 2009).

Não sendo uma novidade no âmbito da OCDE a avaliação comparada (Carvalho, (2009; Costa, 2009), o PISA assinala uma mudança de visão na intervenção da organização a partir dos anos 50. Esta mudança regista-se sobretudo com a produção de instrumentos de monitorização cujo objetivo é o “governo da educação”, justificado pela necessidade de eficácia dos sistemas educativos na produção de mão-de-obra necessária ao mercado de trabalho (Carvalho, 2009; Canário, 2006). Os resultados destes instrumentos de monitorização passaram a ter impacto público. Passaram a ser olhados com significado regulador e consequentemente a possuir valor na decisão política para reformar o sistema educativo (Costa, 2009).

A compreensão do papel desempenhado pelas agências internacionais na construção de instrumentos de diagnóstico permite compreender um conjunto de modificações, influências e interdependências transnacionais. Estas organizações providenciam assistência técnica aos governos e emitem recomendações, tendo em vista a legitimação de opções políticas internas sustentadas na visão da “ sociedade baseada no conhecimento” (Costa, 2009). O contexto da chamada “sociedade baseada no conhecimento” é atualmente pertinente. Cada vez mais as decisões e opções políticas estão sujeitas ao questionamento, o que obrigou os políticos a posicionarem-se no campo da produção de conhecimentos (Costa, 2009). São exemplo do que se acaba de referir as reformas educativas implementadas em Portugal pelo XVII Governo Constitucional legitimadas pelos resultados portugueses no PISA (Afonso & Costa, 2009).

O PISA é um instrumento que representa uma forma de olhar e agir na educação, baseada num ambiente cultural e político marcado pela ideia de competitividade económica global e pela importância dada à educação na ascensão do desenvolvimento. Por esta razão representa um modo específico de pensar a “realidade educativa” (Carvalho, 2009). Surge no seio da OCDE da convergência da política educativa centrada na competitividade da economia nacional face à globalização. Mas o PISA é sobretudo valorado pelos seus resultados e por ser uma organização multilateral onde a informação obtida é veiculada como credível, livre de pontos de vista políticos, validada por especialistas e

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consequentemente assente em conhecimento, e portanto pertinente. Estes aspetos conferem- lhe autoridade ainda que a publicação dos resultados suscite controvérsia e debate público no domínio científico (teoria educativa, método, o conceito de literacia) em articulação com os aspetos políticos (equidade, desigualdade social, migração), económicos e culturais.

Como instrumento de avaliação, o PISA cruza duas realidades distintas, a social e a cognitiva. A primeira diz respeito às multiculturalidades que envolve e a segunda às escolhas e definições sobre o conhecimento e a aprendizagem (Carvalho, 2009)

A tradução prática destas ideias é expressa na noção de competência, que o PISA abraça. A adoção deste conceito numa perspetiva científica da aprendizagem associada à teoria cognitiva exige uma nova organização do processo de ensino/aprendizagem, o que legitima a reestruturação curricular por razões económicas (Carvalho, 2009). O enfoque na avaliação de competências permitiu ao PISA distanciar-se de outras avaliações comparadas cujo enfoque é o Currículo. Segundo aquele autor, estas opções implicam a própria escolarização no seu conjunto, por ligarem aprendizagem, contextos e modos de ensinar e aprender à escola, colocando-a no centro do problema. Passou-se a questionar as práticas de avaliação da escola e as modalidades tradicionais de organizar o processo de ensino/aprendizagem. Se o questionamento for visto como meio de promover a mudança de um modelo escolar para outro que se adapta melhor às lógicas da sociedade contemporânea, então o PISA pode ser entendido como força crítica e potencial de mudança (Carvalho, 2009). Por fim, o PISA exemplifica o exercício da “governança”3 e da “regulação soft4, pois os seus resultados revelam a enorme capacidade das organizações internacionais na condução e formação do processo de decisão da política nacional (Costa, 2009). O modo como a partir dele se obtém o conhecimento explica, em parte o seu uso político (Mons &

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Segundo Yves Dutercq (2005, p.10 citado por Costa, 2009), a principal diferença entre as noções de governo e governança prende-se com o lugar que se atribui ao Estado: o termo ”governo” tem implícito o Estado como único regulador, ao passo que o termo ”governança” implica um conjunto de outros atores com quem o Estado partilha o papel de regulador.

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Regulação que assenta em formas explicitas de negociação, onde há coordenação entre os actores intervenientes na regulação (Costa, 2009 p. 40)

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Pons, 2009) na legitimação de medidas educativas que foram tomadas após os seus resultados em muitos países europeus.

Costa (2009), no seu trabalho de investigação sobre o PISA como instrumento de regulação, refere que se trata de um instrumento de regulação multidimensional, que atua circularmente por diferentes espaços de regulação (global, nacional e local), envolvendo vários atores, interligados de modo multidirecional.

A realidade educacional do PISA como instrumento de regulação é aceite pela comunidade científica, que manifesta recetividade aos dados e resultados por entender que a sua utilização noutros contextos de pesquisa pode ser importante (Costa, 2009; Duit & Treagust, 2010). Por este motivo é considerado um instrumento de investigação produtor de conhecimento em educação. Estimula e facilita a circulação de conhecimento para a Política e para áreas como a Medicina, Economia, Sociologia ou Educação, contribuindo deste modo para a sua própria credibilização e para a credibilização da investigação desenvolvida em seu torno. O aumento do número de textos publicados em revistas científicas mundiais de diferentes domínios, nos últimos dez anos, são disso prova (Costa, 2009), afirmando-o como instrumento que se baseia no conhecimento e que produz conhecimento.

De acordo com Jenkins (2001), o grande envolvimento da investigação nas avaliações internacionais comparadas em Educação em Ciência exige que se questione se os resultados publicados justificam a própria Educação em Ciência. Do seu ponto de vista, podem conduzir a enganos. Para o autor, para além dos resultados há muito por conhecer, sobretudo os aspetos que relacionam desempenho dos estudantes com a escola. Jenkins (2001) possui uma visão céptica dos resultados do desempenho dos estudantes nas avaliações internacionais comparadas. Sugere que o mais importante é compreender o que está por detrás deles, pois é aí que está a verdadeira explicação.

O conhecimento científico proveniente da estrutura conceptual de avaliação de competências em literacia científica do PISA deverá, ou não, estar presente nos manuais escolares que professores e estudantes utilizam? Em que medida os manuais que seguem o Currículo Nacional, cujo objetivo é desenvolver competências e promover a literacia

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científica nos estudantes, já o fazem? Que vantagens haveria nesta aproximação? Ao procurar saber de que forma o conhecimento científico é adquirido através do uso dos manuais esperamos dar resposta a estas e outras questões que o ensino da Ciência coloca atualmente ao professor e ao sistema educativo em geral.