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O valor didático dos manuais escolares

Capítulo 2 Fundamentação Teórica

2. Introdução

2.3 O valor didático dos manuais escolares

A investigação sobre os livros didáticos tem despertado nos últimos trinta anos a curiosidade dos investigadores transformando a história dos livros didáticos e das edições didáticas num domínio de investigação (Choppin, 2004). Segundo este autor, a análise do conteúdo ideológico e cultural dos manuais antigos tem dominado a investigação nos últimos vinte anos. No que diz respeito aos livros didáticos de Ciências, estes, à semelhança dos de história ou literatura, apresentam uma visão consensual e normalizada onde a controvérsia é eliminada evidenciando o estado da Ciência da sua época (Choppin, 2004) A análise destes instrumentos didáticos, considerados poderosos por influenciarem estudantes e professores na compreensão e comunicação do conhecimento científico, (Millar, 2011; Hatzinkita et al., 2007), pode contribuir para o debate sobre os desafios do ensino da Ciência, assim como ajudar a esclarecer o desempenho dos estudantes portugueses no PISA 2006.

Nos anos setenta, em virtude das dificuldades vividas pelos principais sistemas educativos ocidentais os investigadores a interrogaram-se sobre a finalidade do ensino, sobre os seus conteúdos e métodos e questionaram a distática e a epistemologia dos antigos manuais escolares. Nestes estudos é sobretudo privilegiada a análise de texto. Só a partir dos anos oitenta o livro passou a articular o texto com a imagem. Nos anos noventa foi crescendo a sua função instrumental, passando a despertar mais interesse junto dos educadores do que dos historiadores. O receio da análise pedagógica em detrimento da análise das características do próprio livro didático este comportamento (Choppin, 2004).

O “livro didático” possui, em diferentes línguas, diferentes designações e estas nem sempre explicitam as suas características. Mas a grande dificuldade é defini-lo. Afinal o que se entende por “livro didático” ou “manual escolar”?

O estudo histórico dos livros didáticos mostra que estes possuem quatro funções. A referencial, a instrumental, a ideológica ou cultural e a documental, que podem variar

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segundo o ambiente sociocultural, a época, as disciplinas, os níveis de ensino, os métodos e as formas de utilização (Choppin, 2004).

A função referencial diz respeito ao Currículo ou ao programa de ensino e expressa- se nos conteúdos educativos, conhecimentos, técnicas ou capacidades que um grupo social julga necessário transmitir às novas gerações e que o livro traduz de forma fiel. A função instrumental é a que põe em prática os métodos de aprendizagem, visível nos exercícios ou atividades propostas com o objetivo de facilitar a memorização dos conhecimentos e favorecer a aquisição de competências disciplinares ou transversais. A ideológica e cultural é a mais antiga e manifesta-se por ser veículo da cultura e da língua, assim como dos valores da identidade nacional, tendo tido por vezes papel político. Por fim acredita-se que o livro didático, ao fornecer textos ou um conjunto de documentos em diferentes suportes, permite ao aluno desenvolver o sentido crítico adquirindo assim uma função documental (Choppin, 2004).

O livro didático é hoje considerado banal e familiar, mas as suas quatros funções revelam que a sua conceção cumpre por ciclo ou ano de escolaridade a intenção de ser um guia para o professor, um veículo de conhecimentos e um meio de promover o desenvolvimento e avaliação de competências curriculares expressas nos programas de cada disciplina. Esta conceção é próxima do regime legal que regulamenta a avaliação, certificação e adoção de manuais escolares no nosso país, expresso na Lei nº 47/2006 de 28 de Agosto.

Esta Lei apresenta o conceito de manual escolar como “um recurso didático- pedagógico relevante, ainda que não exclusivo por ano ou ciclo, de apoio ao trabalho autónomo do aluno que visa contribuir para o desenvolvimento das competências e das aprendizagens definidas no Currículo Nacional para o ensino básico e para o ensino secundário, apresentando informação correspondente aos conteúdos nucleares dos programas em vigor, bem como propostas de atividades didáticas e da avaliação das aprendizagens podendo incluir orientações de trabalho para o professor” (Lei nº 47/2006 de 28 de Agosto).

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Definido o conceito oficial de manual escolar, importa lembrar que há outros conceitos, e que este, com a integração das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na Educação, iniciará um novo caminho (Relatório do grupo de trabalho dos manuais escolares, 2005). Este novo caminho resulta da era digital e da crescente influência da sociedade de informação onde as Tecnologias de Comunicação e Informação (TIC) têm destaque por terem revolucionado as nossas vidas e a cultura ocidental dos últimos vinte anos (Underwood, 2009).

O crescimento nos últimos seis anos do acesso generalizado à internet e às Tecnologias na escola por parte de professores e estudantes é a prova desta mudança. Os estudantes de hoje chegam à escola com experiências, formas de pensar e trabalhar diferentes das existentes há vinte ou trinta anos. A escola por seu lado continua a oferecer os mesmos materiais didáticos (Underwood, 2009). Segundo esta autora, a escola deve refletir sobre novos modelos de aprendizagem para dar resposta à nova geração de jovens. A investigação sugere também que o ensino das Ciências se modificou com a introdução das TIC (Osborne & Hennessy, 2003) e que as suas consequências continuam a ser objeto de investigação. Questões sobre se um ensino com as TIC é mais eficaz, se melhora o desempenho dos estudantes, se modifica as suas atitudes ou se é mais motivador são alguns exemplos das que têm ocupado a investigação (Underwood, 2009).

O reconhecimento de que tempos diferentes exigem respostas diferentes, chegou aos manuais escolares. Os atuais manuais escolares, incluindo os utilizados nesta investigação, respondem a este desafio com a apresentação do “manual escolar virtual”. Nele constam recursos digitais diversos e sítios da WEB com o objetivo de promover a literacia científica da comunidade escolar. A sua apresentação em e-learning assenta numa proposta complementar à utilização tradicional do manual escolar com atividades de sala de aula e de estudo individual (Costa et al., 2010). Propõe em modalidade b-learning (aprendizagem hibrida) a construção, de um processo de aprendizagem em casa através do estudo e avaliação das aprendizagens presentes no manual escolar tradicional. A utilização deste recurso tecnológico, como de outros, tem potencial para modificar a prática letiva do professor (Underwood, 2009) ao poder antecipar os acontecimentos da sala de aula. Contudo, a evidência sobre o sucesso na adoção de um recurso tecnológico mostra que este

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está dependente da capacidade em desenvolver uma pedagogia apropriada e reconhecida pelo professor (Osborne & Hennessy, 2003). Os autores referem que na prática os professores só integram as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) se estas propõem atividades relacionadas com o Currículo.

Os manuais escolares são apontados pela literatura como instrumentos influentes no processo de ensino e aprendizagem da Ciência por exercerem um papel significativo na forma como os conteúdos são definidos e comunicados, ao mesmo tempo que influenciam os resultados da aprendizagem (Millar, 2011; Roseman, et al., 2001; Tyson, 1997). São ainda apreciados como o principal guia do Currículo na preparação das aulas e utilizados desde a primeira à última página por professores inexperientes ou sem tempo para planificarem as suas aulas (Roseman et al., 2001).

Significa este facto que cada manual transporta um modelo pedagógico “motor” da orientação, apresentação e comunicação dos conteúdos, que do ponto de vista dos seus autores é facilitadora das aprendizagens (Roseman, et al., 2010).

A existência de um Currículo Nacional, documento onde são expressos os conteúdos, objetivos e valores que regulamentam as aprendizagens de uma nação, é da maior importância e a sua estabilidade da maior conveniência (Oates, 2011). De acordo com o autor, uma revisão curricular não deve ser conduzida com base em considerações particulares e parciais dos problemas identificados, mas sim na compreensão profunda das funções do Currículo. Ainda segundo Oates (2011), a análise da avaliação internacional, comparada, com base na qual os sistemas educativos europeus têm sido avaliados, realça dois conceitos chaves para a compreensão do sucesso de alguns países. São eles a “coerência curricular” e o “controle curricular”. Quando Oates (2011) fala em “controlo curricular” não se refere ao exercido pelo Estado, mas sim ao relacionado com a “coerência curricular”. Por exemplo, nalguns sistemas educativos a ênfase está na alta qualificação exigida aos professores, enquanto noutros reside no controle dos materiais utilizados como os manuais escolares.

O termo “coerência curricular” tem um significado técnico preciso que consiste em definir os conteúdos curriculares com o objetivo de assegurar a relação progressão/idade e

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de os ajustar aos elementos do sistema educativo como os programas, a avaliação, as metas, a pedagogia, a formação de professores e os manuais escolares (Schmidt & Prawat, 2006).

Os resultados da avaliação comparada na perspetiva da definição de “coerência curricular” devem apenas ser utilizados para compreender as razões do sucesso e os elementos do sistema que são responsáveis por esse sucesso. Para Schmidt e Prawat (2006), a “ coerência curricular” numa avaliação internacional comparada aparece associada ao alto desempenho do sistema educativo. E um sistema educativo é considerado coerente quando há interligação entre os programas e respetivos conteúdos curriculares, o ensino, a pedagogia, avaliação os manuais escolares (Oates, 2011).

A existência de um Currículo Nacional é essencial mas não suficiente. São necessárias medidas controladoras da sua implementação entre as quais o seu alinhamento com os manuais escolares. No caso específico português este alinhamento encontra-se expresso no Decreto-Lei nº 261/2007 que reconhece que o manual escolar continua a ser fundamental ao ensino e à aprendizagem pelo que cabe ao Estado assegurar que nenhum manual seja desadequado ao Currículo e aos programas em vigor ou que possua erros ou deficiências. Para prevenir situações adversas às previstas na Lei, no processo de seleção/adoção, só devem constar manuais escolares certificados, isto é, avaliados e certificados por comissões de avaliação com autonomia científica e técnico-pedagógica, constituídas segundo o artigo 9º da secção II da Lei nº 47/2006 de 28 de Agosto.

Estão estas comissões de avaliação obrigadas a seguir seis critérios. Quatro deles espelham o objetivo da “coerência curricular”, uma vez que remetem para o “rigor científico, linguístico e conceptual, para o desenvolvimento de competências definidas no Currículo nacional, para a conformidade dos objetivos e conteúdos dos programas ou Orientações Curriculares e por fim para a qualidade pedagógica e didática designadamente no que se refere ao método, à organização, a informação e a comunicação” (Lei nº 47 de 28 de Agosto de 2006).

Aplicado o quadro legal de avaliação e certificação dos manuais e respetiva divulgação o processo de adoção segue nos órgãos de coordenação e orientação educativa

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das escolas ou agrupamentos de escolas. Este processo é registado em grelhas de avaliação elaboradas pelo Ministério da Educação cujo objetivo é fundamentar a adoção.

Neste contexto, o valor didático de um manual escolar encontra-se justificado e assegurado pela sua avaliação e certificação. Contudo nesta investigação o significado do “valor didático” que pretendemos investigar corresponde ao conhecimento do modo como é realizado o desenvolvimento de competências curriculares de modo a verificar a sua sintonia com a estrutura conceptual de avaliação do PISA.