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O VERBO HABITAR O CAMINHAR PARA UMA HABITAÇÃO INCLUSIVA

No documento Habitar sem ver (páginas 162-166)

O VERBO HABITAR - O CAMINHAR PARA UMA HABITAÇÃO INCLUSIVA

Ancorado nos ideais de Juhani Pallasmaa (2017), o verbo habitar surge como um despertar de emoções. O autor defende a ideia de que a arquitetura deve ser regida e fundamentada através de verbos e não de substantivos, a fim de criar essa mesma emoção no utilizador, exemplificando através do “ato

de se aproximar de uma casa, e não sua mera fachada; o ato de entrar, não a porta; o ato de olhar pela janela, não a janela em si; ou o ato de se reunir junto à mesa ou à lareira, mais do que tais objetos puramente” (PALLASMAA, 2017,

p. 23). Os verbos adquirem a capacidade inata de permitir que o utilizador

sinta mais aquilo que está a presenciar, provocando nele várias emoções que o próprio desconhecia. Uma mera parede ou um mero objeto, aplicando o verbo tocar ganha automaticamente um sentido diferente que não teria se o utilizador não a tocasse. A maioria dos verbos aplicados na arquitetura adquirem um significado bastante mais emotivo que a própria arquitetura sem

tempos verbais. O simples facto de olhar, tocar, ouvir, cheirar, atracado com a arquitetura e a sua vivência espacial, deixa de ser um ‘simples facto’, e passa a ser aquilo que permite criar o verdadeiro significado do objeto arquitetónico. Neste ponto de vista, o habitar aflora com o sentido de dar a conhecer a importância que este tem para toda a vivência espacial que pode e deve ser feita no espaço doméstico, a casa. Apesar disso, o verbo habitar não se aplica apenas à questão da habitação, adquirindo, portanto, bastante relevância aquando a sua aplicação nos restantes ambientes arquitetónicos, tal como na envolvência citadina. Contudo, Renato Franco e Cornelis van Stralen (2012)

defendem que, para que se consiga habitar a cidade, o homem deve habitar primeiro a casa, incutindo em si vivências essenciais para experienciar o espaço citadino.

Desde os seus primeiros momentos, como foi dado a conhecer anteriormente, a habitação simbolizava o abrigo do homem, a fim de se proteger das condições exteriores de que era alvo. Embora ao longo do tempo a noção de habitação tenha evoluído, nomeadamente o desenho do seu espaço interior e os princípios a que deveria obedecer, a ideia de abrigo continuou muito patente. Ainda que o abrigo tenha passado a ser interior, do próprio ser humano, a casca habitacional adquiriu ao longo dos tempos uma grande simbologia para o ser humano. Neste sentido, “a casa é um cenário concreto,

íntimo e único da vida de cada um” (PALLASMAA, 2017, p. 7), transparecendo toda a

imagem corpórea de quem a habita. Ou seja, o mesmo autor defende a ideia de que a casa “se converte em uma exteriorização e uma extensão” (PALLASMAA,

2017, p. 8) do próprio habitante, embora por vezes, este se tenha de acomodar

ao espaço, devido aos seus ideais e à cultura que tem vindo a desenvolver ao longo da sua vida.

O homem, em toda a sua vida, devido às condições que vai encontrando, vê-se obrigado a habitar vários espaços habitacionais. Neste seu percurso

experiencial, sente a necessidade de se adaptar a um espaço que não foi criado à sua imagem, muito menos à imagem das suas dificuldades. Tudo aquilo que foi interiorizado por ele ao longo de todas as suas experiências espaciais, constituem a sua imagem, identidade e por vezes as suas máximas culturais (RODRIGUES, 2013). A habitação, na maioria das vezes, é pensada para

um público alvo que abrange várias características. Todavia, ao longo dos anos, os projetistas consciencializaram-se de que, embora tivessem em conta uma esfera variada de possíveis utilizadores, não consideravam aqueles que continham alguma deficiência.

Pela intimidade que a casa possuí para aqueles que a habitarão, importa ter em conta que “A habitação influencia de forma determinante e sobre múltiplos

aspectos o dia a dia dos moradores, marcando profundamente a sua qualidade de vida, e as suas expectativas e possibilidades de desenvolvimento futuro.”

(PEDRO, 2000, p. 73), neste sentido, esta deve ocupar um papel inclusivo para todos

os indivíduos que a poderão vir a habitar. A casa deve estar, acima de qualquer outra finalidade, em harmonia com quem a vive (SARMENTO, 2018).

Surge desta ideia de habitar, como tema primordial, a ideia de habitação inclusiva. A carência verificada no dia a dia da maioria das pessoas com deficiência, nomeadamente na vivência de espaços habitacionais e no acesso a estes, tem vindo a ser um tema em análise ao longo de vários anos. A primeira preocupação relativa à acessibilidade data de 15 anos após a II Guerra Mundial, sendo que mais tarde, esta preocupação converteu-se nos sete princípios criados que compõem o Design Universal. Assim, é nos finais dos anos 60 que as pessoas com deficiência motora questionaram as dificuldades diárias que enfrentavam no acesso às suas próprias habitações (SIMÕES et al., 2010). Apesar da

tomada de atenção efetuada por estas pessoas, o processo tem sido gradual ao longo dos anos sendo, portanto, uma prioridade nos dias de hoje.

flexibilidade para poderem possibilitar a sua fácil adaptação a um maior número de pessoas.” (SIMÕES et al., 2010, p. 8). Para tal, os mesmos autores citados

defendem a importância e a necessidade de aplicar os princípios do Design Universal na projeção de habitações. Deste modo, salvaguardam a ideia de que “uma habitação com dimensões adequadas, que proporcione conforto,

autonomia, segurança e rivacidade é uma necessidade básica – e um direito essencial.” (SIMÕES et al., 2010, p. 4).

Importa, no contexto apresentado, sublinhar a ideia de que a casa deve ser o espelho de quem a habita, refletindo de certa forma, todos os seus habitantes, em todos os seus ideais (RODRIGUES, 2013), compondo assim, a esfera

íntima e identitária de toda a vida do Homem. Deste modo, a casa deve ser um dos primeiros campos arquitetónicos a ser pensado à imagem de quem a habita, embora, na maioria dos casos, a resposta deva ser bastante variada, devido à diversidade de utilizadores.

Os complexos habitacionais, tal como a maioria dos apartamentos, são exemplo disso. São pensados para um utilizador que seja a imagem e o modelo de todos os outros, a fim de responderem a qualquer necessidade. Contudo, quando o arquiteto tem a seu cargo o dever de pensar e projetar uma casa para um utilizador específico, deve ter em conta todas as suas necessidades, embora, o próprio utilizador muitas das vezes se veja obrigado a efetuar algumas alterações, de carácter decorativo.

Uma casa deve, portanto, idealizar todas as suas divisões em consonância com o Homem, em toda a sua identidade.

No documento Habitar sem ver (páginas 162-166)