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UMA NOVA CASA PARA UM CLIENTE CEGO | ITÁLIA

No documento Habitar sem ver (páginas 166-173)

UMA NOVA CASA PARA UM CLIENTE CEGO | ITÁLIA

A criação de uma nova casa para um cliente cego, poderá ser um dos maiores desafios para um arquiteto. Neste caso, o projeto trata-se de uma reabilitação, daquilo que foi um ‘lar’, durante cinquenta e cinco anos, para a cliente com cegueira. Este projeto de reabilitação foi elaborado pelos arquitetos So & So Studio, em 2018, e localiza-se em Thiene, Vicenza, Itália.

Inicialmente, o objetivo dos arquitetos passava por conseguirem projetar um espaço que pudesse tornar a vida diária desta cliente, um processo autónomo, minimizando os seus medos, criando desse modo uma casa inteligente, elegante e acima de tudo, intuitiva. Para conseguirem alcançar este objetivo inicial, toda a fase projetual foi feita em paralelo com a cliente, de modo a perceber o seu dia a dia e a forma como esta navegava no interior da sua própria habitação e qual era o seu percurso desde que chegava até que saía. O dia a dia de um cego depende da apreensão que este consegue fazer do espaço, e caso esta seja facilitada, torna-se mais eficaz a sua movimentação no espaço.

A organização espacial nasce de uma inspiração no alfabeto glifo, e, em paralelo com as várias abordagens feitas com e ao cliente, surge um mapa com a finalidade de facilitar o movimento espacial do cego. Este mapa, manifesta- se no pavimento da habitação em vários símbolos, através de uma mudança de materialidade, sendo assim em telha de pedra texturizada (FIGURAS 60/61/62).

38.A informação referente a este caso de estudo está disponível em: https://www.archdaily.com/897946/

teaching-a-blind-client-how-to-read-her-new-home-so-and-so-studio. Consultado a 10 de Outubro de 2018.

O mapa é pensado após a organização espacial. Para tal, os arquitetos organizaram o espaço segundo uma lógica funcional e intuitiva para o cego, através da colocação de apenas um corredor que desembocasse em todos os outros espaços da habitação, visível na primeira ilustração da FIGURA 63. Este

corredor conectava os dois topos da casa, a cozinha e o quarto, e podia ser acedido através de três entradas, uma pela garagem, outra pela porta principal e ainda outra através do pátio. Ao longo deste surgem as restantes áreas da habitação, como se fossem ramificações de um tronco continuo sendo essas o quarto de hóspedes, a sala de estar e a casa de banho.

É através da organização espacial e da observação dos movimentos interiores feitos pela cliente que surge a colocação do alfabeto glifo criado pelos arquitetos, observado na segunda ilustração presente na FIGURA 63, que

vem por sua vez, dar resposta e facilitar a apreensão do espaço por parte do cego. O alfabeto glifo (mapa), foi elaborado em conjunto com a cliente, do

FIG. 62 | Interior da habitação (pavimento mapeado).

FIG. 63 | Ilustração do método de orientação usado pelos arquitetos (alfabeto glifo).

FIG. 61 | Interior da habitação (pavimento mapeado).

FIG. 60 | Interior da habitação (pavimento mapeado).

uma intenção específica para a cliente. Como pode ser observado na FIGURA 64,

existe um símbolo que indica que o cego deve parar, um que indica que este deve continuar, um que indica uma zona funcional, um que direciona o cego e um que indica várias direções, tal como também, e por último, um símbolo que demonstra várias zonas funcionais.

É através deste mapeamento no pavimento da habitação que a cliente se irá movimentar. Para além de possibilitar uma orientação espacial mais intuitiva, adquire também uma grande importância na apreensão que o cego faz do espaço, embora antes deste o ‘viver’, deva ter intrínseco na sua aprendizagem o significado deste código auxiliador (alfabeto glifo), daí ser fundamental manter um contato direto com o cliente durante todo o processo projetual. Contudo, a utilização deste elemento orientador numa habitação para um cego, segundo o Arquiteto Mourão Pereira, não deve ser generalizado em casos futuros, pois este afirma que este tipo de soluções não se torna intuitiva para o cego, no que toca à sua orientação espacial.

Para além disso, o mesmo afirma ainda que, a cozinha apresentada e

FIG. 64 | Legenda dos vários símbolos que compõem alfabeto glifo.

FIG. 66 | Interior da habitação.

cego, nomeadamente no ato de cozinhar, podendo ser derrubado qualquer elemento para o lado oposto da ilha.

SÍNTESE

SÍNTESE

O presente capítulo “A habitação e o verbo habitar”, surge como referenciado na nota introdutória, com o objetivo de dar a conhecer a esfera da habitação. Desse modo, a evolução de que foi alvo ao longo da história foi um carácter determinante para a sua contextualização, demonstrando as preocupações que foram surgindo e que ganharam um papel fulcral para aquilo que seria o ambiente doméstico atual.

A habitação, a casa e o lar compõem os três pontos da triangulação que compõe o espaço doméstico. A casa caracteriza-se como o elemento interno da habitação, e nesse mesmo sentido, o lar surge a partir de toda a envolvência entre os vários membros, permitida pela casa. Neste sentido, importa salientar a importância que a casa foi adquirindo para o conceito de família e para a criação de estigmas individuais e familiares. A casa, como descrito ao longo do capítulo é caracterizada como uma terceira pele do próprio indivíduo (MIGUEL,

, e desse modo, para que tal se verifique, deve ter a capacidade de ser

FIG. 69 | Vista para a cozinha a partir do exterior.

FIG. 68 | Exterior da habitação (entrada).

pensada à sua imagem, introduzindo-se assim, a habitação inclusiva.

Importa reter, para o capítulo que se seguirá, a importância de uma casa pensada para todos e não apenas para um grupo reduzido de pessoas com as mesmas características. Apesar disso, é fulcral a introdução de determinados elementos que respondam ao maior número de pessoas, sendo por isso, introduzido um caso prático que, embora tenha sido elaborado e pensado para um cliente específico, poderá ser uma ponte conclusiva para aquilo que a arquitetura deverá incutir no seu espaço habitacional, a fim de responder às necessidades de um cego.

Apesar da afirmação anterior, esta não anula a premissa inicial da investigação, apenas clarifica uma possível conclusão, apoiada na inclusão, não só ao nível da sociedade como também da arquitetura e dos espaços que esta oferece.

Intimamente ligado com todo o capítulo apresentado, surgiu o verbo habitar, clarificado num dos pontos, como uma das principais ações que permitem a vivência do espaço arquitetónico, que começa no espaço habitacional e envolve toda a restante esfera da arquitetura.

No documento Habitar sem ver (páginas 166-173)