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Objetivos e Procedimentos Metodológicos

No documento Relatório de Exame de Qualificação (páginas 38-61)

Parte III: Resultados e Considerações Finais

Capítulo 1 Objetivos e Procedimentos Metodológicos

Objetivo Geral

O objetivo desta dissertação é analisar as especificidades que fazem dos jogos digitais artefatos diferenciados dentro do contexto das tecnologias digitais e como estas especificidades fizeram dos videogames este fenômeno midiático. Ao mesmo tempo, este trabalho busca analisar como se aproveitar das principais potencialidades dos videogames no contexto educacional, em busca de uma Educação crítica, capaz de preparar os educandos para a vida no século XXI.

Objetivos Específicos

Para atingir o objetivo geral deste trabalho, três objetivos específicos devem ser atingidos: compreender o que são os jogos digitais, analisar as possíveis aproximações entre videogames e Educação e realizar um estudo analítico sobre uma das abordagens educacionais baseada em videogames, a criação de jogos digitais por parte de educandos.

A investigação sobre a natureza dos jogos digitais se trata de uma compreensão sobre como os jogos digitais podem ser entendidos como sistemas construídos através de regras (JUUL, 2005; SALEN; ZIMMERMAN, 2012a; 2012b; 2012c; 2012d), capazes de carregar significados, incentivar a reflexão e modificar comportamentos (BOGOST, 2006; 2007; 2011) através de uma experiência de aprendizagem (GEE, 2003; SQUIRE, 2011). Para entender

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como os videogames são capazes de motivar um público tão grande e diverso, compreendendo como se estruturam os componentes destes sistemas, de modo a despertar em seus jogadores diversão e imersão (KOSTER, 2005).

Em um segundo momento, é preciso realizar uma análise das possibilidades de aproximação entre os jogos digitais e a Educação, tendo em mente as características do meio digital (PAPERT, 1991). Da mesma forma, será analisado o histórico dessa relação, especificamente apontando como as diferentes correntes dentro do contexto educacional se apropriam dos jogos digitais e quais aproximações apresentam-se como mais produtivas de acordo com a potencialidade dos jogos digitais.

Por fim, é proposto um estudo analítico sobre um tipo de abordagem que vem ganhando muitos adeptos dentro da relação entre jogos digitais e Educação: a produção de videogames por parte de educandos (BUCKINGHAM; BURN, 2007). A partir deste estudo, pretende-se demonstrar como este tipo de abordagem faz um aproveitamento satisfatório do potencial educacional dos jogos digitais, bem como favorece o desenvolvimento de habilidades necessárias para a vida no século XXI por parte dos educandos.

A partir destas três etapas, será possível realizar uma reflexão, baseada tanto em levantamentos teóricos quanto em resultados empíricos sobre o potencial dos jogos digitais na Educação.

39 Procedimentos Metodológicos

A conceituação dos jogos digitais foi realizada a partir de extenso levantamento bibliográfico. Primeiramente, foi realizado um estudo teórico a partir de autores que buscaram investigar a relação entre as atividades lúdicas e a cultura, como Huizinga (2010), Caillois (1989) e outros. Este entendimento das relações entre atividades lúdicas e outras esferas, como cultura e sociedade, foram importantes na segunda etapa deste estudo teórico, quando foram agregados referenciais do campo dos jogos digitais, como Salen e Zimmerman (2012a), Juul (2005), Crawford (1984), Bogost (2006; 2007; 2011) e outros. A partir deste levantamento bibliográfico e da organização destes conceitos, bem como da comparação entre as conceituações pré-digitais e digitais sobre jogos digitais, foi criado um referencial teórico apontando quais as características básicas de um jogo.

Após este entendimento sobre a natureza de um jogo, buscou-se uma maior compreensão sobre os jogos digitais: quais os elementos fundamentais na composição de um videogame e quais as relações existentes entre estes componentes. Para atingir este objetivo, primeiramente foi necessário compreender, através de análise da literatura sobre os meios digitais (MURRAY, 1999) e do referencial composto a partir da etapa anterior, como os jogos encontraram no meio digital um terreno fértil para seu desenvolvimento. A partir deste entendimento, buscou-se compreender como os jogos digitais podem ser decompostos diferentes em elementos a partir de duas ópticas diversas: do criador (game designer) e do jogador. Para isso, foram analisadas especialmente obras relacionadas ao campo de criação de videogames (Game Design), como as de Schell (2008), Fullerton, Hoffman e Swain (2008), Koster (2005), Rollings e Morris (2004), entre outras, assim como material referente à fruição dos jogos digitais, como Bogost (2007; 2011), entre outros. Desta maneira, foi criada uma estrutura teórica capaz de sustentar a continuidade do estudo, definindo assim quais os

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elementos básicos um jogo deve conter e qual deve ser a atitude despertada no jogador a partir da interação com aquele jogo.

Buscou-se, então, analisar a relação entre jogos digitais e Educação. Para isto, foi preciso inicialmente estabelecer, através de um levantamento bibliográfico de referenciais do campo da Educação, como Vigotski (2008), Freire (1987; 2002), Dewey (1979), entre outros, um panorama sobre o papel da Educação. Da mesma maneira, ainda a partir do referencial de autores ligados à Educação, estabeleceu-se uma visão sobre a atual situação educacional. Da mesma maneira, buscou-se, a partir da interface entre Educação e Tecnologia, a partir de autores como Papert (1985; 1994), Valente (2005), Pretto (2010; 2011) e outros, demonstrar como as tecnologias digitais podem revolucionar a Educação, reaproximando-a de seu papel, preparar jovens para a vida na sociedade atual (DEWEY, 1979).

A partir desta constatação do potencial transformador das tecnologias digitais para a Educação e de outros levantamentos bibliográficos acerca do uso de jogos na Educação (SQUIRE, 2011; SHAFFER, 2006; KLOPFER, 2008; GEE, 2003; BUCKINGHAM; BURN, 2007 entre outros) bem como da concepção sobre os jogos digitais construída a partir das análises da literatura realizadas anteriormente, buscou-se demonstrar como os jogos digitais podem ser encarados como um elemento transformador da Educação, em busca de uma abordagem pedagógica mais efetiva e atualizada. Para demonstrar este potencial, bem como compreender os desafios na integração entre jogos digitais e Educação, foi realizada uma análise de literatura focando especialmente em exemplos práticos apresentados pelos autores (SQUIRE, 2011; KLOPFER, 2008; SALEN et. al., 2011, entre outros).

No entanto, a simples apresentação de diferentes exemplos poderia resultar em um esforço pouco organizado para apresentação destas informações. Desta maneira, para o melhor entendimento do potencial e das dificuldades na integração entre videogames e Educação optou-se por, a partir de categorização baseada na literatura analisada (LOPES;

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OLIVEIRA, 2013; EGENFELDT-NIELSEN; SMITH; TOSCA, 2008, entre outros), analisar as diferentes potencialidades e fraquezas de cada abordagem pedagógica baseada em jogos digitais. Novamente, após um trabalho de levantamento bibliográfico, procurou-se demonstrar como as diferentes abordagens pedagógicas apresentam diferentes possibilidades em relação à construção do conhecimento. Dentre os resultados obtidos, a criação de jogos digitais por parte dos educandos demonstrou-se como a abordagem com menor número de estudos e maior potencialidade a partir dos resultados encontrados na literatura.

Desta maneira, pretende-se, a partir de leituras e de um estágio de pesquisa em um dos mais importantes centros de pesquisa sobre o uso de tecnologia digital na Educação, o London Knowledge Lab, vinculado ao Institute of Education da Universidade de Londres, investigar a potencialidade e os desafios na implementação desta abordagem. Espera-se atingir este resultado a partir da participação como membro do grupo de pesquisas do Prof. Dr. Andrew Burn, responsável pelo software MissionMaker, que permite que leigos produzam seus próprios jogos narrativos sem grande conhecimento de programação e coordenador de diferentes projetos visando a disseminação desta abordagem pedagógica, como o projeto Playing Shakespeare (BURN, 2012). Através do levantamento de diferentes estudos sobre esta abordagem, da análise do software e do acompanhamento de educandos utilizando-se da ferramenta, bem como da participação em reuniões de grupo espera-se compreender mais sobre o uso pedagógico do game design, bem como reunir material para demonstrar os principais ganhos e desafios na implementação desta abordagem em escolas. Da mesma forma, pretende-se realizar uma reflexão, através da comparação entre a realidade inglesa e brasileira, buscando entender se esta abordagem pode ser adaptada à nossa realidade.

42 Parte I: Os Jogos

Introdução à Parte I

Os videogames carregam uma tradição de vários tipos de jogos não digitais. Ao mesmo tempo, seu caráter digital faz com que sejam artefatos únicos (BOGOST, 2006), entre uma herança de mais de 3000 anos de história dos jogos e de menos de um século do mundo digital. Contudo, os jogos digitais não podem simplesmente ser considerados como uma soma destas heranças: na primeira parte deste trabalho, buscarei investigar as relações entre estas tradições e a sociedade para, então, compreender como os jogos digitais se transformaram em uma mídia única, capaz de cativar um público tão amplo e diverso.

Inicialmente, investigarei algumas definições sobre os jogos, especificamente acerca de como estas atividades foram relacionadas a outros aspectos da atividade humana. Através deste levantamento, pretende-se entender como as diferentes visões a respeito dos jogos se articulam e, a partir desta compilação, compreender quais características são destacadas como fundamentais para este tipo de atividade.

A partir desta análise, espera-se entender quais as características dos jogos fizeram com que estas atividades encontrassem ambiente fértil para sua disseminação nos meios digitais. Almeja-se ainda compreender o modo de operação dos jogos digitais, especificamente sobre como suas estruturas se organizam de modo a propiciar a experiência do jogo, bem como entender a relação entre as experiências propiciadas pelos bons jogos e o incremento do público dos videogames.

Por fim, através da compreensão da natureza dos jogos e do que os torna tão encantadores, espero refletir sobre como os jogos digitais são capazes de gerar significados para seus jogadores. No entanto, busco ainda ressaltar que este potencial só pode ser aproveitado a partir da compreensão do modo de operação dos jogos digitais.

43 Capítulo 2 – O que são os jogos?

Este capítulo é, ao mesmo tempo, uma investigação e uma reflexão sobre a natureza dos jogos, realizada a partir de trabalhos de diferentes autores, tanto pesquisadores clássicos, como Huizinga, Caillois e Sutton-Smith, quanto contemporâneos, como Salen e Zimmerman, Juul e Koster. A partir destes e outros referenciais, procurei traçar um breve panorama sobre a natureza dos jogos, buscando entender as características que constroem este fenômeno atemporal, inclusive comparando as diferentes visões entre pesquisadores de diferentes épocas.

Trabalhando com definições

Historicamente, os jogos sempre foram pouco teorizados (EGENFELDT-NIELSEN; SMITH; TOSCA, 2008), provavelmente por serem considerados inferiores a outras atividades mais “sérias” e “produtivas” (HUIZINGA, 2010). Contudo, a partir de meados do século XX alguns pesquisadores optaram por mergulhar mais profundamente neste campo, buscando compreender o que é o jogo e estabelecer relações entre estas atividades e outros campos do conhecimento. Dentre estes trabalhos realizados no século XX, talvez o mais famoso seja a obra escrita pelo filósofo Johan Huizinga em 1938, intitulada Homo Ludens.

Ainda que esta obra seja mais um estudo sobre o “espírito lúdico” inerente ao jogo do que sobre os jogos propriamente ditos (CAILLOIS, 1989), e o autor não tenha a preocupação em diferenciar atividades lúdicas de jogos4, é importante destacá-la por que apresenta

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É necessário fazer uma ressalva linguística: há uma diferença entre as principais línguas europeias e o português, já que nas primeiras utiliza-se o mesmo verbo (jugar, giocare, spiel, play, jouer) para designar tanto “jogar” quanto “brincar”. Assim,

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características importantes para a tentativa de compreender o que são os jogos. Huizinga (2010) destaca a atividade lúdica como uma necessidade primordial aos homens e como um elemento que é, ao mesmo tempo, influente e influenciado pela cultura.

Apesar do foco principal da obra ser apontar como o lúdico está presente em muitas esferas da cultura, é possível encontrar em alguns trechos definições daquelas que seriam as características formais do que Huizinga chama de jogo, como por exemplo:

(...) é uma atividade livre, conscientemente tomada como “não-séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, (...), praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais (...). (HUIZINGA, 2010, p.16).

A partir da definição de Huizinga, podemos destacar como o autor considera que o jogo ocorre em espaço e tempo separados da “vida real”, onde regras especiais se aplicam. Estas regras seriam específicas para este limite onde o jogo ocorre, e não teriam validade no “mundo real”. Assim, para participar da atividade lúdica (dentro do jogo), o jogador deveria, portanto, entrar nestes limites, aceitando as regras que são válidas neste domínio. Da mesma forma, ao desrespeitar as leis que regem a atividade, o jogador estaria rompendo com esta realidade, destruindo assim a experiência da atividade lúdica. Este conceito tornou- se conhecido entre os pesquisadores interessados em jogos como o “círculo mágico” (SALEN; ZIMMERMAN, 2012a; EGENFELDT-NIELSEN; SMITH; TOSCA, 2008; MÄYRÄ, 2008), termo retirado da própria obra de Huizinga (2010).

optei por utilizar na maioria das vezes a expressão “atividade lúdica” quando tratando de algumas obras que não tratam especificamente do jogo (“game”, em inglês), como a de Huizinga.

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Egenfeldt-Nielsen, Smith e Tosca (2008) fazem ressalvas em relação ao conceito de “círculo mágico”, realizando uma leitura especialmente crítica do conceito: para os autores, ainda que as ações e resultados de um jogo não tenham consequências diretas na vida real, é possível enumerar várias consequências indiretas, especialmente em relação a aspectos comunicacionais e comportamentais dos jogadores. Dentre estes, destacam-se a produção de novos significados ou a mudança de humor de acordo com o resultado de um jogo. Aceitar que o jogo não possui relação alguma com a “vida real” seria ignorar completamente o potencial dos jogos como mídia.

No entanto, a grande força desta definição de Huizinga está em apontar que, ao contrário do que pode parecer, as atividades lúdicas possuem uma lógica, ainda que seja uma lógica própria, válida apenas em seus domínios. A partir deste ponto de vista, o conceito de “círculo mágico” pode tornar-se útil quando ao se pensar na estruturação das regras de um jogo durante seu processo de criação, por exemplo.

Outro aspecto importante destacado pelo autor é a capacidade que o jogo tem de absorver os jogadores: em outro trecho, Huizinga (2010, p.33) defende que o jogo “é acompanhado de um sentimento de tensão e alegria”. A partir destas afirmações, podemos inferir que o autor procura estabelecer uma relação entre os sentimentos gerados nos jogadores a partir da participação da atividade lúdica e a “absorção” à qual os jogadores são submetidos.

Após Huizinga, outro pesquisador que se destaca por debruçar sobre o tema jogos é Roger Caillois: em sua obra Les jeux e les hommes, publicada originalmente em 1958, o filósofo, dialogando com o trabalho de seu antecessor, buscou estabelecer um caráter mais formal para a análise de atividades lúdicas e dos jogos. Sua obra ficou marcada por estabelecer que as atividades lúdicas possuem seis características básicas: são atividades voluntárias, separadas, incertas, improdutivas, regidas por regras e com um componente fantasioso (“faz-de-conta”) (CAILLOIS, 1989).

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Alguns pontos levantados por Caillois estão claramente relacionados ao trabalho de Huizinga (2010), como o fato de serem voluntários, improdutivos5, regidos por regras e ocorrerem em um limite de espaço e tempo definido, separados da “vida corrente”. Os dois últimos aspectos ressaltados neste parágrafo claramente nos remetem à ideia do círculo mágico.

Da mesma forma, o componente fantasioso também pode ser relacionado ao “círculo mágico” de Huizinga, pois para Caillois (1989, p.26) este “faz-de-conta” significa “a consciência de uma realidade diferente ou uma total irrealidade na comparação com a vida corrente”.

No entanto, a incerteza é um componente inovador na definição de Caillois. Para o autor (1989), a incerteza significa que a atividade não tem seu desfecho definido; este resultado depende das ações tomadas pelos jogadores. Mäyrä (2008) conecta a “incerteza” a consequências como a tensão, a empolgação e a capacidade que os jogos possuem de absorver os jogadores. Não é por acaso que estes sentimentos foram apresentados por Huizinga em sua definição; contudo, diferentemente de Caillois, ele não buscou apresentar como estes sentimentos são gerados pelos jogos. Desta forma, Caillois vai além de Huizinga ao apresentar a incerteza do resultado como uma característica fundamental dos jogos, de maneira a favorecer o engajamento no jogador ao mesmo tempo em que propicia sentimentos como tensão e alegria.

Se a definição de Caillois parece muito próxima da de Huizinga, é possível considerar que a inovação contida nesta obra está na proposta apresentada pelo autor: ele buscou

5 “(...) desligado de todo e qualquer interesse material, (...)”, em Huizinga (2010, p.16); em Caillois (1989, p.26) “(...) que não

cria bens, riquezas ou algum elemento novo e, salvo alguma aposta realizada por vontade própria dos jogadores, estes retornam a uma situação idêntica àquela do início da partida.”.

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propor uma categorização dos jogos em quatro tipos específicos principais e duas categorias básicas de acordo com a atitude dos jogadores em relação à atividade proposta.

Acerca dos tipos de atividades lúdicas, Caillois (1989) apresentou as seguintes categorizações: agon (competições), alea (jogos de azar), mimicry (imitação) e ilinx (jogos de vertigem, desorientação). Considerando a relação que os participantes podem ter com as atividades, o autor definiu dois pontos em um espectro: de paidia, a atividade lúdica livre, espontânea, até ludus, atividades formais, baseadas em regras.

Alguns pesquisadores (MÄYRÄ, 2008; EGENFELDT-NIELSEN; SMITH; TOSCA, 2008) destacam a importância da diferenciação entre as atividades dos tipos paidia e ludus, algo inexistente na obra de Huizinga. Podemos conectar as atividades do primeiro tipo ao que seria “brincar” na língua portuguesa, e as segundas ao que seria um “jogo”, facilitando sua diferenciação. Ainda assim, a categorização proposta por Caillois é alvo de críticas tanto por ser arbitrária (JUUL, 2005), como por não levar em conta que uma mesma atividade pode conter elementos de todos os tipos definidos sem que um deles sobressaia, inviabilizando assim as categorias (EGENFELDT-NIELSEN; SMITH; TOSCA, 2008).

Apesar da discordância em alguns aspectos, como, por exemplo, que os jogos são elementos constituintes da cultura, Caillois deve muito a Huizinga em sua obra, especialmente se compararmos as definições propostas pelos dois pensadores, especificamente em relação ao caráter improdutivo e alheio à “vida real” que os jogos apresentam para ambos. No entanto, como veremos mais adiante, esta visão não é única quando é analisada a relação entre os jogos e outros campos do conhecimento.

Ainda no campo da filosofia, é necessário ressaltar o trabalho de Bernard Suits, outro autor que procurou explorar este tema, focando mais especificamente nos jogos. Em sua obra The Grasshopper: Game, Life and Utopia, Suits (1978 apud MCGONIGAL, 2012) apresenta uma definição extremamente sucinta, porém acrescentando um novo componente

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na estrutura jogo: o desafio. Para Suits (1978 apud MCGONIGAL, 2012, p.31), o ato de jogar é “a tentativa voluntária de superar obstáculos desnecessários”.

Assim como nas definições anteriores, Suits também considera o jogo como uma atividade voluntária. Porém, ele define claramente um objetivo: para o autor, o objetivo do jogo é superar um obstáculo desnecessário. Assim, podemos concluir que Suits considera o jogo uma atividade autotélica, autoimposta. Contudo, um pouco mais adiante em seu pensamento, o filósofo explana mais profundamente sua definição, especialmente no que tange os meios utilizados pelo jogador para tentar superar o obstáculo autoimposto:

Jogar um jogo é se engajar em uma atividade dirigida para causar um estado específico de ocorrências, usando somente os meios permitidos por regras, as quais proíbem os meios mais eficientes em favor dos meios menos eficientes, e estas regras são aceitas somente porque possibilitam esta atividade. (SUITS, 1978, p.34 apud JUUL, 2003).

Suits destaca aqui um elemento também presente nas definições vistas anteriormente, porém não que ficou evidente em sua definição inicial sobre jogos, feita de forma mai s sucinta. Evidencia uma qualidade das regras que orientam a ação dentro de um jogo: elas devem favorecer os meios menos eficientes para que o objetivo seja alcançado. O autor, assim como Huizinga e Callois, salienta a necessidade de se aceitar as regras para que o jogo se inicie, assim como a inevitabilidade de se respeitá-las para que o jogo transcorra.

A importância da definição de Suits para este trabalho está no que considero um primeiro indício do que torna o jogo uma atividade tão encantadora: o prazer do jogo residiria em atingir o objetivo através das regras autoimpostas, como destaca Vigotski (2008) ao afirmar que o ato de se subordinar a regras e de renunciar a impulsos imediatos maximiza o prazer obtido em uma atividade como um jogo.

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Salen e Zimmerman (2012a) destacam que estas regras moldam a experiência de modo a transformar os jogos em atividades significativas para os jogadores. Desta maneira, podemos inferir, através da definição de Suits, que o prazer do jogo reside no desafio: em outras palavras, podemos considerar que jogamos por que gostamos de ser desafiados; além disso, gostamos de ser desafiados por nós mesmos.

No documento Relatório de Exame de Qualificação (páginas 38-61)

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