• Nenhum resultado encontrado

Escolhendo o tema da visão da mulher na obra romanesca de Eça de Queirós e de Machado de Assis, convém desde logo explicitar que a expressão «visão da mulher» pode ser entendida nos sentidos objetal e subjetal, isto é, a mulher enquanto objeto da visão de outras personagens ou do narrador e a mulher enquanto sujeito dessa visão, respetivamente. Como ficou já demonstrado, os estudos queirosianos e machadianos têm incidido muito mais no estudo objetal da personagem feminina, e sempre de forma parcelar.

Feito este esclarecimento inicial, a perspetivação comparativista de autores como Eça de Queirós e Machado de Assis, unidos por traços temáticos, contexto histórico-social e tendências estéticas, leva-nos a traçar um caminho lógico que permite analisar com rigor, profundidade e exaustividade a visão da mulher encarada nos sentidos objetal e subjetal, de modo a que seja possível responder no final a estas questões: seria importante a visão da mulher nos romances de Eça e de Machado, entendida aquela como sujeito de ação e de reflexão? Ou será a mulher

82 Sempre que durante a nossa tese forem dados exemplos desta obra, os mesmos serão apenas seguidos do

número da página, sendo que a edição utilizada será a seguinte: Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro, Edição Crítica das obras de Eça de Queirós, Carlos Reis (coord.), Carlos Reis e Maria do Rosário Cunha (ed.), Lisboa, IN-CM, 2000; Idem, A Tragédia da Rua das Flores, Lisboa, Livros do Brasil, s/d.

83 Sempre que durante a nossa tese forem dados exemplos desta obra, os mesmos serão apenas seguidos do

número da página, sendo que a edição utilizada será a seguinte: Eça de Queiroz, O Conde D’ Abranhos e a

Catástrofe, Lisboa, Livros do Brasil, 2000.

84 Sempre que durante a nossa tese forem dados exemplos destas obras machadianas, os mesmos serão

apenas seguidos do número da página em corpo de texto, sendo estas as edições utilizadas: Machado de Assis, Ressurreição, Rio de Janeiro – Belo Horizonte, Garnier, 1988; Idem, A Mão e a Luva, Vila do Conde, QuidNovi, 2011; Idem, Helena, Lisboa, Universitária, 1999; Idem, Iaiá Garcia, Rio de Janeiro – Belo Horizonte, Garnier, 1988; Idem, Quincas Borba, Porto, Lello & Irmão, 1984.

85Sempre que durante a nossa tese forem dados exemplos destas obras machadianas, os mesmos serão

apenas seguidos do número da página em corpo de texto, sendo estas as edições utilizadas: Machado de Assis, Quincas Borba, Porto, Lello & Irmão, 1984; Idem, Dom Casmurro, Alfragide, Dom Quixote, 2009;

17

apenas pertinente enquanto objeto de consideração destes autores pela mediação dos respetivos narradores e/ou personagens? Essa importância terá igual peso e tonalidade nos dois autores? E haverá evolução nessa visão da mulher?

Em primeiro lugar, pretendemos identificar todas as personagens femininas do corpus romanesco delineado, independentemente do seu relevo diegético. Sobre este material narrativo muito abrangente, como é típico do romance, classificaremos os tipos femininos mais focados: a mulher burguesa, a prostituta, a empregada, a beata, entre outros. Havendo exceções a estes tipos sociológicos, tentaremos descobrir as causas subjacentes à inserção dessas personagens femininas. Após tal classificação, será realizado um trabalho de apuramento do seu relevo diegético, procurando, deste modo, ver quais os romances que dão um maior peso às personagens femininas. Para apurar o relevo diegético dessas personagens será aferido o número de páginas dedicadas em cada romance a cada personagem feminina, de acordo com os critérios já definidos por Phillipe Hamon em ―Pour un statut sémiologique du personnage‖ e entretanto desenvolvidos por Cristina Vieira no seu ensaio de 2008. Este será um trabalho inicial que estará na base de tudo o resto. É a partir daqui que analisaremos, em termos comparativistas, o peso e a forma como os dois autores introduzem a visão das personagens femininas acerca do mundo em que estão inseridas. Assim, verificaremos que personagens têm direito a uma visão do mundo, que espaço narrativo é dado a essa mesma visão, em termos quantitativos e qualitativos, isto é, se o espaço narrativo dessa visão é curto, médio ou extenso, tendo por termo de comparação o das personagens masculinas e se a essa visão é dada credibilidade ou se, pelo contrário, tal visão é votada à indiferença ou mesmo ao desdém (tratar-se-á de ―tristes palavras ao vento‖86, para

aplicar aqui a expressão de Camões em ―Sôbolos rios que vão‖).

Por outro lado, verificaremos a forma como é introduzida essa visão subjetal da mulher, vendo quais os procedimentos utilizados, aferindo a sua variedade ou a falta dela. Por exemplo, há personagens femininas narradoras nos textos ecianos e machadianos? São introduzidas na narrativa cartas escritas por personagens femininas que fazem o relato de determinada situação? Há personagens femininas cujos olhos são utilizados para focalizar a realidade? Há personagens femininas colocadas a recordar certos eventos? Damos aqui, como se vê, três exemplos de procedimentos introdutórios da visão da mulher sobre o mundo que a rodeia: a carta, o olhar, e a memória. Mais uma vez, Phillipe Hamon será útil nesta fase do trabalho tendo em conta a sua obra Introduction à l’analyse du descriptif87 e o seu estudo ―O que é uma descrição?‖88

Depois, é necessário analisar se as personagens femininas emitem uma opinião sobre qualquer assunto quando lhes é dada voz opinativa e se esta se restringe a determinadas matérias. E se isso acontece, trata-se de uma auto censura, de uma censura imposta por fatores exógenos ou de uma limitação natural de horizontes?

86 Cf. Luís de Camões, ―Sôbolos rios que vão‖, in Rimas, texto estabelecido e prefaciado por Álvaro da Costa

Pimpão, Coimbra, Almedina, 2ª ed., 2005, p. 106.

87 Cf. Philippe Hamon, Introduction à l’ analyse du descriptif, Paris, Hachette, 1981.

88 Cf. Philippe Hamon, ―O que é uma descrição?‖, Fernando Cabral Martins (trad.), in Françoise Van

18

Em segundo lugar, iremos analisar os campos temáticos da visão da mulher e a sua abrangência. São privilegiados os culturais, os económicos, os religiosos, os sociais, os estéticos ou os políticos? Por outro lado, analisaremos o alcance dessa visão, ou seja, estudaremos se a visão incide principalmente sobre elas próprias, sobre o meio que as rodeia ou se a sua visão extravasa este último. No sentido objetal, estudaremos os aspetos que são focados nas personagens femininas: beleza, preocupações económicas, aspetos religiosos, etc.

Em terceiro lugar, estudaremos o tópico da mudança, ou seja, queremos verificar se dentro de cada romance há uma percentagem relevante de personagens redondas, ou se, pelo contrário, dominam as personagens femininas planas. Por outro lado, queremos saber se existe uma evolução ou permanência da visão subjetal da mulher ao longo da obra romanesca eciana e machadiana. Caso haja evolução, queremos ver se esta é paralela nos dois autores. No sentido objetal, pretendemos verificar se existe uma evolução ou permanência da visão das outras personagens e do narrador sobre as personagens femininas e, se houver evolução, aferir se esta vai no mesmo sentido nos dois autores.

Em suma, a nossa tese será provar se há ou não uma relação entre as personagens femininas queirosianas e machadianas e a mulher oitocentista e, ainda, provar se existe ou não uma evolução da visão das personagens femininas na obra romanesca de Eça e de Machado.

Documentos relacionados