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O Objeto do Desejo como Produto e Referencial Humano:

No documento O gosto da embalagem (páginas 52-57)

Reiterando, pretende-se neste trabalho estudar um tipo de lubrificador da comercialização que é a embalagem. Enfeita-se o produto com a finalidade de colocá-lo em evidência em relação aos demais. No senso comum costuma-se dizer que a propaganda é a alma do negócio. A embalagem é a representação da propaganda, pois ela exerce a função de interligação entre o mundo concreto e o mundo emocional.

No mundo concreto a embalagem satisfaz condições técnicas específicas de cada produto, contribuindo na sua conservação e distribuição. No mundo emocional a embalagem é a cristalização do esforço de divulgação do produto e de convencimento do consumidor da "força" e da qualidade daquilo que ela vende.

A embalagem faz a interligação entre estes dois mundos, colocando condições técnicas necessárias de cada produto (e intrínsecas ao conteúdo alimentar embalado) em diálogo com as condições emocionais externas a ele (localizadas no universo de compradores), sendo assim, o resultado da combinação entre exigências e expectativas.

Entendida como um conjunto tecnológico, ao ser apresentada ao público, vai sendo revelada por uma série de pressupostos construídos ao longo do tempo como noções de qualidade e superioridade. Estas noções deverão ser assimiladas causando efeitos no comprador (aparentemente paradoxais) - de contemplação e ação imediata - acompanhando o ato de realização/venda da mercadoria.

O papel exercido pela embalagem entre os diversos tipos de mercadorias pode ser ponderado pela sua efetiva finalidade. Ao se embalar eletro-eletrônicos, artigos de vestuário, e outros duráveis ou semi-duráveis, ela exerce funções de proteção mecânica ou embelezamento temporário como veículo de auxílio à circulação da mercadoria.

Nestes casos, e principalmente no caso dos eletro-eletrônicos, a embalagem final é a própria caixa permanente do produto. O design é fundamental e permanece junto ao produto acompanhando-o em suas funções básicas. Uma geladeira, por exemplo, tem como função básica conservar com eficiência os alimentos e seu design deve transmitir esta eficiência, de preferência permanecendo associado à mercadoria enquanto acontece a sua depreciação.

Os automóveis por sua vez se constituem em suas próprias embalagens. O carro de passeio sugere sempre ser convenientemente "vestido" pelo seu comprador, que deve ocupar o seu cock-pit23 com todo o conforto e segurança.

No caso específico da indústria de alimentos o fenômeno embalagem deve ser trabalhado com especial cuidado, pois envolve desde a conservação do produto, observando ainda questões relativas à higiene e saúde, até a possibilidade de ser um veículo adequado para utilização como imagem, pelas agências de publicidade e propaganda. A embalagem no caso dos alimentos é exigida em sua plena potencialidade, demonstrando toda sua elasticidade, aplicabilidade e condição de incorporar a “alma” do produto.

Ela chama para sí toda a responsabilidade pelo armazenamento e circulação da mercadoria sendo quase uma expressão do valor agregado ao produto. Exatamente por este motivo pretende-se realizar neste estudo uma análise da dinâmica da embalagem no segmento de mercado de produtos alimentícios. Ela deve dar sinais de diferenciação para produtos semelhantes - afinal, massas de tomate são todas idênticas à vista dos olhos. Pode-se observar diferenças de importância no papel realizado pela embalagem no setor de alimentos vis-a-vis outros setores, como segue:

Características Esperadas

Motivos Principais

Aparência É fundamentalmente importante que a embalagem seja considerada bonita e de design atraente, com formas, cores e indicativos que distinguam produtos similares e substituíveis entre si.

Durabilidade O consumidor deverá sentir-se garantido de que a utilização do alimento pode ser postergada para o momento que lhe aprouver portanto a embalagem deve mostrar que suporta armazenamento.

Inviolabilidade Este conceito está associado à questão de qualidade, e a embalagem deverá satisfazer plenamente esta exigência, sob pena de ser punida pelo insucesso da mercadoria.

Praticidade A embalagem deve oferecer ao comprador um sentido maior de conforto e comodidade, de maneira que o conteúdo possa ser utilizado com menor esforço.

Segurança Problemas decorrentes de riscos com o manuseio doméstico do produto devem ser contemplados pelas embalagens, se fazendo acompanhar sempre de noções de segurança e bem estar.

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Este termo é normalmente utilizado para definir o espaço ocupado pelo piloto em veículos de competição, e que constantemente é associado com o espaço ocupado pelo motorista em veículos de passeio, em uma alusão à possibilidade de se transferir as emoções das pistas para o cotidiano.

Estes aspectos, em alguns itens, podem receber menor atenção em outros setores (como por exemplo o de eletro-eletrônicos ou vestuário, pois conforme já discutido anteriormente, naqueles casos o próprio produto exerce a função de embalagem), quando questões de saúde e higiene não se sedimentam em posições tão delicadas como no caso dos produtos da indústria de alimentos.

As noções de beleza, durabilidade, inviolabilidade, praticidade e segurança, provavelmente devem ser satisfeitas por serem expectativas gerais do conjunto de compradores, simbolizando o que gostariam que se generalizasse por todo o seu modo de vida. O consumidor espera ansiosamente e exige profundamente que algo em sua vida, muitas vezes bastante atribulada, possa transmitir sinais de confiança que serão acolhidos em sua alma e retribuidos na realização da compra. O processo de escolha do comprador pode ser baseado em mecanismos de apropriação e acumulação de bens, que embora vinculados, não apresentam clara delimitação econômica.

Conforme Lambin, "ideológicamente , para a economia de mercado como para o marketing, a procura egoísta de interesses pessoais serve ao interesse geral. Mesmo emendado de considerações sociais, esse princípio, já enunciado por Adam Smith, permanece o princípio diretor que orienta a atividade de uma empresa num mercado de 'livre concorrência'.

Com base nessa concepção, decorrem quatro conceitos cheios de implicações:

“- o indivíduo procura experiências gratificantes para ele (o interesse pessoal é motor de crescimento e determina o bem estar geral),

- o que é gratificante subjaz a escolhas pessoais que variam em função dos gostos, culturas, sistemas de valores...

- é pela troca voluntária (só acontecerá se geradora de utilidade para os dois parceiros) e concorrencial (limitação dos riscos de poder) que indivíduo e organizações realizarão melhor seus objetivos,

- há liberdade individual, pois o comprador é considerado soberano: 'o consumidor é rei'...

Eis as bases da filosofia mercadológica. A satisfação das necessidades da clientela deve ser o objetivo principal de toda a atividade da empresa ou outra organização, não por altruísmo, mas por interesse 'bem entendido'. Pois, está aí

considerado o melhor meio de obter crescimento e rentabilidade" ( Zozzoli, 1994:209)

Firma-se desde já posição que o consumidor - analisado constantemente pelo produto - representa o elo mais delicado da cadeia. Depois de lido e traduzido no campo de suas ansiedades e expectativas mais "guardadas", passará a ser desnudado e colhido por feixes de mercadorias (são feixes por atuarem quase em conjunto, como bebidas, queijos e embutidos), que o levarão ao pedestal de comprador. Os indivíduos são eleitos senhores de si pelas mercadorias, virtualmente com plenas possibilidades de opção, adquirindo as mercadorias que "racionalmente" julgarem mais oportunas e necessárias.

Pretende-se enfim, contemplar neste estudo as várias dimensões da mercadoria que a qualifiquem como um potencial objeto de realização de parte das necessidades do ser humano. Neste prisma observa-se que, cada vez com maior cuidado, a mercadoria é vestida e/ou travestida para ser consumida. A mercadoria será transformada em um objeto técnico (produto de diversas tecnologias associadas), preparada para suprir necessidades (reais ou virtuais) dos diversos possíveis compradores.

Cada objeto técnico, embalado e marcado para ser oferecido ao mercado de consumo, é um investimento ou uma aposta planejada na dinâmica social de um universo de compradores. O produto-alimento deverá se propor a preencher, na barriga e na alma, as lacunas pré- preparadas e convenientemente organizadas, colaborando para a satisfação dos indivíduos.

Com base nas colocações gerais até aqui apresentadas se propõe, neste texto, entender este movimento universal de desejos e satisfações, necessidades e realizações que contemplam objetos especiais - os produtos-alimento - marcados e embalados. Estas mercadorias acabam se constituindo em objetos do desejo (ou em objetos técnicos fabricados para conter e proteger alimentos), a serem cotidianamente realizados no ato mágico e bastante misterioso da troca de mercadorias.

No documento O gosto da embalagem (páginas 52-57)