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Obra Literária: Messianismo e Utopia

A obra literária de Abel Tiago molda-se pela interpretação messiânica e utópica das profecias bíblicas, considerando estes registos presságios finimundistas e apocalípticos para a época. O escritor envolve o leitor num curioso jogo interpretativo, entre a época vivida pelo mesmo, ou seja, os anos seguintes à primeira Guerra Mundial (1914-1918), e os vaticínios previstos pelos profetas que construíram o Evangelho. Segundo o escritor estes anos imediatos à Grande Guerra, assinalam e coincidem com as previsões preditas pelas letras bíblicas.

A utopia na obra de Vasconcelos define-se como Quinto-Imperialista, pois defendia que o povo português juntamente com o povo judeu foram os dois povos eleitos pelo céu para as grandes realizações à escala da história da humanidade, reunindo as nações em torno de uma fé única. A Portugal estava destinada a missão de fazer a apoteose da história, fundando o Quinto Império da humanidade.

O Messianismo na obra do escritor é explícito na figura de Jesus Cristo que representa o grande “Messias” e a sua doutrina constitui “a única terapêutica” para a restauração social. A previsão através das práticas do grande “Messias” com os apóstolos, é analisada por Vasconcelos como o grande “juízo final” que irá definir o destino do mundo.

Com o pseudónimo de “Lusitanus”, que usou na sua produção literária, enquadra as suas reflexões sobre as profecias e tratados escatológicos na linha de autores como António Vieira, Sebastião da Paiva ou Fernando Pessoa, seu contemporâneo. Os seus estudos, como explica o especialista em História da Cultura José Eduardo Franco, atualizaram a tradição messiânica nacional de fundo Sebastianista, Quinto-Imperialista e Joaquimita.

Nas páginas seguintes apresentaremos as principais linhas de pensamento da misteriosa e inexplorada obra deste “ignoto” pensador da cultura portuguesa.

«Sinais dos Tempos» (1924) - Fim das Nações, o Império Universal e o Fim do mundo

“Lusitanus”, nesta obra, analisa as ocorrências que considera anormais no seio da humanidade na época por si vivida, enquadrada no pós-1ª Guerra Mundial. A época para o autor é “mórbida e inquietadora”, e ele faz prognósticos sobre o tempo que está para vir interpretando as crises mundiais profetizadas por Jesus Cristo e trazidas aos homens pelos Evangelhos de São Marcos, S. Mateus, e S. Lucas. Prevê para um tempo próximo futuras tempestades que define como “demolidoras dos alicerces sociais”196. O autor é perentório em afirmar que a 1ª Guerra Mundial ameaça os horizontes sociais e a própria humanidade, “Logo após o inicio da guerra passada, relanceamos os horizontes sociais, e lá topámos o gigantesco arcanjo do abismo, com um pé fincado no oriente, e outro no ocidente, subvertendo a sociedade e ameaçando a humanidade com as suas asas letais”197 . Os acontecimentos subsequentes castigariam a

196 Lusitanus (1924), Sinais dos Tempos, Imprensa Lucas & C. ª, Lisboa 197 Lusitanus (1924), Sinais dos... p. 12

humanidade: “Engolfados nos fenómenos alarmantes, desencadeados no seio social, acudiu-nos a ideia de que o digitus Dei feria a humanidade”.198

Esta ideia do autor, segundo a sua exegese das letras sagradas em que os acontecimentos posteriores à 1ª Guerra Mundial, são perspetivados pela Bíblia como terríveis para os tempos futuros, correspondem à principal vontade do mesmo em realizar esta obra nos anos subsequentes à guerra, culminando com a sua publicação em 1924: “Acudiu-nos também a ideia de que todos esses fenómenos e epifenómenos consecutivos deviam estar preditos nas letras sagradas - o que nos levou a fazer o estudo deste humilde trabalho, pouco depois dos desencadeamentos dessa Guerra, única nos anais da história da humanidade.”199 A assimilação da 1ª Guerra ao anúncio do fim do mundo, prossegue nas palavras do autor, “Irrompendo a conflagração universal, derramou-se um oceano de sangue; acumulou-se himalaias de ruínas; houve um compasso de espera entre algumas nações; conseguimos, quando muito a guerra na paz. Esta não reina, entre os homens, e sem ela não pode subsistir a sociedade.”200 Nesta ordem de ideias, o autor não tem a menor dúvida em apontar Deus como o verdadeiro regenerador do estado de calamidade presente. “Não nos resta a mínima duvida de que esse pandemónio infernal, essa Babel, observada, nas sociedades, é obra exclusiva do anjo do abismo, que paira sobre as nações, assumindo mais ampla liberdade, por consentimento de Deus, para, puni-las e regenerá-las.”201

O próprio título da obra Sinais dos Tempos encarna na hermenêutica do autor à Bíblia, pois analisa a prática de Cristo com os apóstolos Pedro, João, Tiago e André, no Monte das Oliveiras. O escritor vai dando conta através da sua análise dos sinais evangélicos, das atribulações da humanidade, do sentido figurado das parábolas, das provas do Apocalipse, vaticinando os tempos difíceis que estavam para vir.202

As “abominações da desolação” são um indicativo desses sinais do tempo, remetendo para práticas destrutivas de Jerusalém como são a idolatria ou as gentes muçulmanas que proliferavam neste local, considerados ímpios e profanos.203

As “tribulações como nunca houve nem haverá” correspondem ao “começo das dores” que se iniciarão muitos anos antes do apocalíptico juízo final. Na sua prática Cristo vaticinava “os tempos das nações” que modificarão a situação atual, através de uma grande batalha “cujo número de combatentes é como a areia do mar”, em que só governará um Imperador que terá o domínio universal.204

Com o fim das “tribulações” é previsto reinar um Quinto Império ou reino de Deus, sendo os seus fundadores, segundo o autor, o povo português e o judeu estando o cargo de Imperador Universal destinado a um português. São dois povos considerados pela hermenêutica de Abel Tiago como

198 Lusitanus (1924), Sinais dos... p. 12 199 Lusitanus (1924), Sinais dos... p. 12 200 Lusitanus (1924), Sinais dos... p. 12 201 Lusitanus (1924), Sinais dos... p. 13

202 Porto da Cruz, Visconde do (1953), Notas e... pp. 44-45 203 Lusitanus (1924), Sinais dos... p. 16

“prediletos do céu”, justificando como principal motivo a “proteção divina” nos cenários mais adversos e nas causas maiores destes povos, salvaguardando os heróis nacionais e as suas façanhas.205

O Grande “Messias” Jesus Cristo