• Nenhum resultado encontrado

Observa¸c˜ oes solares interferom´ etricas

O in´ıcio da hist´oria das observa¸c˜oes solares interferom´etricas em r´adio se confunde com o in´ıcio da hist´oria da pr´opria interferometria de ondas de r´adio. A primeira observa¸c˜ao em r´adio que fazia uso do princ´ıpio interferom´etrico foi realizada por

McCready et al. (1947), que utilizaram uma antena instalada no alto de um pe- nhasco na costa para observar o Sol nascendo sobre o mar. Atrav´es da observa¸c˜ao do padr˜ao de interferˆencia formado pela radia¸c˜ao proveniente diretamente do Sol e a sua reflex˜ao no mar, foi poss´ıvel mostrar a presen¸ca de uma intensa fonte de ondas de r´adio nas vizinhan¸cas de um grande grupo de manchas solares.

Os diversos instrumentos dedicados a observa¸c˜oes solares produziram, ao longo de mais de 50 anos, resultados que contribu´ıram de forma importante para o avan¸co do conhecimento sobre os fenˆomenos solares. Por exemplo,Sawant et al.(1982),Kundu et al.(1986) utilizaram observa¸c˜oes interferom´etricas para estudar, respectivamente, as posi¸c˜oes das fontes de emiss˜ao associadas a explos˜oes do tipo II e a associa¸c˜ao en- tre emiss˜ao em raios-X duros e explos˜oes em r´adio nas bandas m´etrica e decam´etrica. Entre estes instrumentos, podem ser citados os j´a desativados r´adio heli´ografos de Culgoora (LABRUM, 1972) e Clark Lake (KUNDU et al.,1983), e os r´adio heli´ografos em opera¸c˜ao ataualemte em Nan¸cay – NRH (KERDRAON; DELOUIS, 1997) –, No- beyama – NoRH (NAKAJIMA et al.,1995a) – e Gauribidanur – GRH (RAMESH et al.,

1998;RAMESH et al.,2006), al´em do “Owens Valley Solar Array” – OVSA (HURFORD; GARY, 1989).

No entanto, a evolu¸c˜ao da F´ısica Solar resultou na necessidade de se estudar os fenˆomenos solares com maior resolu¸c˜ao (KUNDU; WHITE,2003), levando diversos as- trˆonomos solares a realizar observa¸c˜oes com os grandes interferˆometros (com linhas de base & 10 km e resolu¸c˜oes de segundos de arco),com o objetivo de investigar deta- lhes morfol´ogicos destes fenˆomenos em compara¸c˜ao com outras bandas do espectro eletromagn´etico (por exemplo UVE e RXM) onde se costuma obter resolu¸c˜oes desta mesma ordem de grandeza.

Uma caracter´ıstica importante que pode ser inferida a partir de observa¸c˜oes em r´a- dio, sobretudo na regi˜ao m´etrica e decim´etrica, ´e a forma¸c˜ao de feixes de el´etrons com distribui¸c˜ao n˜ao-t´ermica, conforme discutido na Se¸c˜ao 1.1.1, em explos˜oes so- lares nas diversas escalas de energia liberada associadas `as explos˜oes. Por exemplo,

Kundu et al.(1980) utilizaram o R´adio Heli´ografo de Clark Lake para procurar por explos˜oes em r´adio do tipo-III associadas a fontes de raios-X compactas identificadas em imagens da miss˜ao Skylab.

Estas fontes de raios-X s˜ao denominadas XBPs (“X-ray Bright Points”) e est˜ao associadas a campos magn´eticos bipolares. Naquele estudo, no entanto,Kundu et al.

(1980) encontraram uma associa¸c˜ao de apenas 10% entre XBPs e explos˜oes do tipo- III. Mais tarde, utilizando imagens em raios-X moles obtidas com o experimento SXT, a bordo do sat´elite Yohkoh e imagens em r´adio obtidas com o NRH em 5 frequˆencias fixas no intervalo 150–450 MHz, Kundu et al. (1994) obtiveram uma correla¸c˜ao maior, indicando que as XBPs s˜ao capazes de acelerar el´etrons a energias n˜ao-t´ermicas, sugerindo um mecanismo semelhante ao de libera¸c˜ao de energia das explos˜oes solares, e uma poss´ıvel associa¸c˜ao entre estes fenˆomenos.

Os abrilhantamentos transientes em regi˜oes ativas (ARTBs), descobertos por Shi- mizu et al. (1992) atrav´es de observa¸c˜oes em raios-X moles, s˜ao uma outra forma de libera¸c˜ao de energia em pequena escala, tamb´em possivelmente associada `as ex- plos˜oes solares. A associa¸c˜ao destes eventos aos micro-flares descobertos por Lin et al. (1984) tem sido investigada atrav´es da busca de uma contrapartida n˜ao-t´ermica para os ARTBs, principalmente em ondas m´etricas e decim´etricas. Devido `a versa- tilidade do instrumento, Gary et al. (1997) utilizaram o OVSA para procurar por contrapartidas para ARTBs em diversas frequˆencias em r´adio, com uma cobertura espectral que inclui frequˆencias correspondentes a ondas m´etricas, decim´etricas e microondas. Naquele estudo,Gary et al. (1997) conclu´ıram que a emiss˜ao em parte dos eventos ´e o resultado de uma popula¸c˜ao n˜ao-t´ermica de el´etrons, indicando que

os ARTBs podem ser identificados como micro-flares, e portanto como extens˜oes de baixa energia da distribui¸c˜ao geral de explos˜oes solares.

Este problema, contudo, continua em aberto, e tentativas tˆem sido feitas porSawant et al.(2006) para encontrar contrapartidas para estes eventos em ondas decim´etricas utilizando o “Giant Metrewave Radio Telescope” – GMRT (SWARUP et al., 1991;

ANANTHAKRISHNAN; RAO,2002) –, em conjunto com observa¸c˜oes em raios-X duros do sat´elite RHESSI. At´e o momento, no entanto, n˜ao foi poss´ıvel concluir sobre esta associa¸c˜ao, devido `a baixa atividade solar do per´ıodo atual, e tamb´em devido `

a n˜ao-ocorrˆencia de eventos simultˆaneos dentro do campo de visada de ambos os telesc´opios.

A busca por fontes compactas, contudo, n˜ao ´e um objeto de estudo recente em F´ısica Solar. Kerdraon (1979) utilizou o NRH para obter perfis de brilho unidimensionais do Sol a uma cadˆencia de 0,02 s e resolu¸c˜ao angular de 1,2’ em 169 MHz. Mais tarde, o “Very Large Array” – VLA (THOMPSON et al., 1980) – foi utilizado por diversos autores e em diversas faixas de frequˆencia e configura¸c˜oes para produzir imagens do Sol com alta fidelidade (uma discuss˜ao sobre fidelidade das imagens interferom´etricas ser´a apresentada adiante neste trabalho), tamb´em buscando por fontes compactas associadas a uma grande variedade de fenˆomenos solares. Alguns exemplos de resultados obtidos nestas observa¸c˜oes s˜ao apresentados porGopalswamy et al.(1991), White et al. (1992),Zlobec et al. (1992),Willson (2000).

Buscando obter imagens solares em frequˆencias de ondas m´etricas e decim´etricas que combinassem alta resolu¸c˜ao e alta fidelidade, Mercier et al. (2006) realizaram observa¸c˜oes simultˆaneas com o NRH e o GMRT. Os dados resultantes destas ob- serva¸c˜oes foram combinados de forma pioneira, sintetizando o comportamento de um telesc´opio que re´une a alta resolu¸c˜ao e sensibilidade do GMRT (descrito em detalhes no Cap´ıtulo 3), ao imageamento solar de alta fidelidade alcan¸cado pelo NRH, resultando em mapas solares cuja fidelidade ´e cerca de 10 vezes melhor do que a previamente alcan¸cada em qualquer mapa solar de alta resolu¸c˜ao em ondas m´etricas.

Os trabalhos mencionados, assim como diversos outros estudos solares que fazem uso de observa¸c˜oes interferom´etricas em r´adio, mostram que a utiliza¸c˜ao de grandes interferˆometros tem grande importˆancia para o avan¸co do conhecimento atual sobre os problemas atuais da Fisica Solar. Contudo, conforme discutido na Se¸c˜ao 1.2.1 a

seguir, ainda h´a dificuldades quanto `a calibra¸c˜ao e a fidelidade das imagens solares obtidas por estes grandes telesc´opios, que ap´os superadas permitir˜ao a obten¸c˜ao de resultados ainda melhores a partir destes instrumentos.

1.2.1 O problema de calibra¸c˜ao de dados interferom´etricos solares e sa- t´elites artificiais como fontes calibradoras

Quando se utiliza um interferˆometro de ondas de r´adio para realizar observa¸c˜oes solares, deve-se tomar cuidado especial com fatores operacionais que podem degradar a qualidade das observa¸c˜oes, conforme discutido por Bastian (1989). Os principais s˜ao:

• a necessidade de fontes de ru´ıdo com temperatura adequada para a calibra- ¸c˜ao da resposta do sistema receptor no regime de opera¸c˜ao correspondente ao das observa¸c˜oes solares;

• a necessidade de acomodar as grandes varia¸c˜oes de fluxo solar (& 103 Jy)

devido `as explos˜oes solares; e,

• a falta de fontes celestes calibradoras com fluxo compar´avel ao do Sol, para garantir que a calibra¸c˜ao das visibilidades seja feita em condi¸c˜oes de opera¸c˜ao semelhantes `as condi¸c˜oes das observa¸c˜oes solares.

Para garantir uma boa calibra¸c˜ao das visibilidades2 em amplitude e fase, ´e necess´ario incluir no projeto do telesc´opio fontes de ru´ıdo com alta temperatura e dispositi- vos dimensionados para n˜ao interferir nas fases das visibilidades. Os atenuadores e controladores autom´aticos de n´ıvel, por exemplo, devem ser especialmente projeta- dos para que sua opera¸c˜ao n˜ao insira flutua¸c˜oes de fase nas visibilidades medidas (BASTIAN, 1989).

No entanto, o problema da falta de fontes celestes calibradoras com fluxo compar´a- vel ao do Sol logicamente n˜ao pode ser resolvido atrav´es de altera¸c˜oes no projeto do interferˆometro. Neste contexto, surgiu a proposta (D. Gary e G. Hurford, comuni- ca¸c˜ao pessoal) de se observar sat´elites do “Global Positioning System” (GPS) como fontes calibradoras em observa¸c˜oes solares.

2Visibilidades complexas ´e o termo normalmente utilizado para designar as medidas complexas

de correla¸c˜ao entre os sinais das antenas de um interferˆometro, conforme descri¸c˜ao apresentada no Cap´ıtulo2.

Al´em dos resultados apresentados neste trabalho, apenas Liu et al. (2007) publi- caram resultados de observa¸c˜oes de sat´elites de GPS utilizando um interferˆometro. Tais observa¸c˜oes foram realizadas utilizando o prot´otipo do “Frequency Agile Solar Radiotelescope” – FASR (HURFORD et al.,1999), com o objetivo de testar os diversos sub-sistemas que integram o telesc´opio.

No caso do prot´otipo de 5 antenas do “Brazilian Decimetric Array” – BDA, as observa¸c˜oes de GPS em 1575 MHz foram realizadas pelo autor n˜ao s´o com o objetivo de testar o sistema de rastreio e as partes anal´ogica e digital do receptor do BDA, mas tamb´em de estudar as propriedades de recep¸c˜ao do sinal de GPS para validar a hip´otese de que estes sat´elites poderiam ser boas fontes para a calibra¸c˜ao dos dados de observa¸c˜oes solares interferom´etricas. As observa¸c˜oes foram ainda utilizadas para o desenvolvimento do m´etodo para calibra¸c˜ao utilizando sat´elites de GPS como fontes calibradoras que ´e proposto de forma pioneira neste trabalho.

As observa¸c˜oes de sat´elites de GPS s˜ao de particular importˆancia para o desenvolvi- mento do BDA pois s˜ao fontes puntuais para o feixe do prot´otipo do BDA (PBDA – detalhes ser˜ao apresentados no Cap´ıtulo6) que produzem franjas de interferˆencia com alta rela¸c˜ao sinal/ru´ıdo (& 10), ao contr´ario das fontes celestes mais intensas que se pode observar com o PBDA (Cygnus-A e Taurus-A), cujas franjas produzidas tˆem rela¸c˜ao sinal/ru´ıdo  10.