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A epidemia de peste bubónica levou ao Porto os mais conceituados médicos estrangeiros da época nas áreas da bacteriologia e higiene, representantes de quase todos os países da Europa e também dos Estados Unidos. Como delegados dos respetivos governos ou das instituições científicas mais representativas das suas áreas, estes observadores internacionais participaram nos trabalhos de diagnóstico e nos testes aos tratamentos disponíveis. A epidemia do Porto revelou-se um campo de estudo para colocar em prática os mais modernos métodos científicos da época, assim como demonstrou a capacidade dos médicos portugueses, que foi reconhecida internacionalmente, especialmente nos casos de Ricardo Jorge e Câmara Pestana, cuja ação para combater a epidemia foi elogiada nas obras e relatórios científicos publicados nomeadamente pelos médicos espanhóis e franceses382.

As visitas de estudo que estes médicos realizaram serviram também para o reconhecimento internacional de algumas instituições científicas portuguesas, as quais eles descreveram como bem organizadas e dirigidas, inovadoras e notáveis: “Os médicos alemães e espanhóis que estão no Porto visitaram ontem o Instituto Pasteur, devido à rasgada iniciativa e provada competência do Sr. Dr. Arantes Pereira. O Sr. Dr. Ferrán teve uma larga conferência com o diretor do Instituto sobre o tratamento profilático da raiva. Todos os médicos elogiaram a boa instalação do Instituto, apreciando muito o ser uma instituição particular”383. O médico espanhol Federico Montaldo descreveu-o na sua obra como um notável estabelecimento antirrábico384. “Quase todos os médicos estrangeiros que vieram a esta cidade, comissionados pelos

381

O Comércio do Porto, 30/09/1899, p. 2. 382

Calmette, A. Epidémiologie – la Peste Bubonique de Porto (Conférence faite à la Société de Médicine

Publi ue et H giène Professionelle). Paris, 25 Octobre, 1899. Calmette, A., A. Salimbeni. “La Peste

Bubonique – Etude de l’Epidémie d’Oporto en 1899”. Annales e l Institut Pasteur (1899): 865-936. Montaldo y Peró, Federico. La peste bubónica en Oporto (Portugal) 1899-1900: hecho epidemiográficos e

investigaciones clínicas recogidos personalmente y anotados por el Doctor F. Montaldo... que asistió en la epidemia, durante tres meses, como Delegado Médico del Gobierno de España: memoria oficial. Madrid:

Establ. Tip. de Portanet, 1900. Ferrán y Clua, Jaime, Federico Viñas y Cusí, Rosendo de Grau. Op. cit. 383

A notícia continuou com a descrição de alguns casos de doentes lá internados com raiva, O Comércio

do Porto, 12/09/1899, p. 2. Com esta houve seis notícias sobre doentes com raiva ao longo do ano, tanto

internados no Instituto Pasteur do Porto, como no Instituto Bacteriológico de Lisboa. 384

115 seus respetivos governos, estudar a doença reinante, não deixaram de visitar o Instituto Vacínico Portuense, sob a direção do ilustre clínico, Sr. Dr. Mário de Castro, ficando surpreendidos por haver em Portugal um estabelecimento científico desta ordem, tão bem organizado e dirigido, tanto mais quanto é de iniciativa particular, sem auxílio dos poderes públicos, a exemplo do que se faz nos seus países. No meio da sua admiração por verem inovações, tanto no modo da preparação da linfa vacínica, como em instrumentos da vacinação, pronunciaram e escreveram palavras que, se são muito lisonjeiras para o diretor de tão útil estabelecimento, são também motivo de orgulho para o Porto e em especial para a classe médica”385.

Para uma opinião pública que não acreditava na epidemia os médicos estrangeiros também tiveram a função de validar o diagnóstico e as medidas higiénicas colocadas em prática, se bem que alguns deles tivessem manifestado publicamente a sua discordância com o cordão sanitário, o que constituiu mais um argumento para defender a posição do Porto contra as diretivas de Lisboa. “Um dos médicos franceses declarou hoje a um jornalista que é realmente peste bubónica, mas muito benigna e pouco difusiva; quanto aos cordões sanitários, disse que eram contrários aos ditames da ciência”386. E dois dias depois: “o médico Dr. Calmette telegrafou hoje ao ministro da França, em Lisboa, manifestando-se contra a continuação do cordão sanitário, pois não tem conveniência sanitária para o Porto e para o país (…) por ser uma infração à convenção de Veneza, que o nosso governo firmou, e por ser contrário aos princípios que a ciência hoje admite geralmente...”387.

“Informações emanadas da repartição de higiene municipal dizem: os médicos italianos fizeram culturas no cadáver da mulher que morreu na rua Montebelo e encontraram, por meio do exame bacteriológico, o bacilo da peste bubónica; os clínicos franceses estudaram o bacilo que ao Dr. Ricardo Jorge serviu para constatar a existência da peste. Pelos exames feitos verificaram que esse bacilo era quase tão violento como o da cultura feita por eles em Alexandria”388.

“O médico americano Fairfax Irwin, chegado hoje, instalou-se no laboratório de higiene municipal, e protestou perante o governador civil contra o cordão sanitário, dizendo que o cordão é impotente para obstar à irradiação da peste bubónica. (...) sabemos que os médicos franceses ao presente no Porto apenas expressaram (...) a opinião de que, tendo desde domingo começado os seus trabalhos, haviam confirmado nitidamente o diagnóstico da peste, não tendo dúvidas de que a doença é 385 O Comércio do Porto, 29/09/1899, p. 2. 386 Diário de Notícias, 05/09/1899, p. 1. 387 Diário de Notícias, 07/09/1899, p. 1. 388 Diário de Notícias, 06/09/1899, p. 1.

116 muito virulenta, sendo para temer que, aumentando a miséria, em consequência da carestia dos géneros alimentícios, se manifeste uma terrível recrudescência depois das primeiras chuvas do outono. Julgam ainda indispensável, pelo conhecimento que têm da situação, que o cordão seja imediatamente suprimido e que se estabeleça, em harmonia com as decisões da conferência de Veneza, uma visita sanitária rigorosa, à saída da cidade, com desinfeção dos objetos desinfetáveis e proibição de se exportar cereais ou qualquer outra substância que possa servir de refúgio aos ratos, ratazanas, insetos, etc.” A notícia acrescenta ainda: “O Sr. Conde de Samodães publicou um artigo no Diário da Tarde demonstrando que o país deve indemnizar o Porto dos sacrifícios que lhe infligiu”389. Segundo um telegrama dos médicos franceses publicado no Le Temps e traduzido pelo Diário de Notícias: “Os casos de peste são muito mais numerosos do que indicam as estatísticas. Fizemos em dois dias quatro autópsias de indivíduos encontrados mortos ao abandono. O micróbio da peste isolado do sangue é muito virulento e mata um rato injetado. Há no hospital três doentes gravemente afetados que se tratam pelo soro Yersin. A experiência corre bem. Consideramos agora o cordão sanitário como perigoso. O mais que pode é trazer a fome à população pobre a aumentar a peste. Lisboa exige o cordão de modo a ficar interdita a cidade do Porto, e isto por considerações de interesse comercial, de ciúme entre as duas cidades”390.

Como se fez referência, em 17 de agosto já estavam no Porto dois médicos espanhóis, Carlos Vicente e António Mendoza391. Logo no início de setembro começaram a chegar os já referidos Drs. Calmette e Salimbeni, pioneiros no estudo da doença e na produção do soro Yersin: “Porto, 3 – Os médicos franceses chegados hoje estiveram na repartição de higiene municipal, declarando que não têm dúvida em confirmar que é peste bubónica. Consta que chegam amanhã os médicos alemães. (…) Os médicos italianos Drs. Ivo Bandi, Francesco Stagnitta Bolisteri e Gosio Bartolomeo, este último encarregado pelo ministro do reino italiano de ir ao Porto estudar a epidemia reinante, visitaram anteontem os enfermos que se acham em tratamento no Hospital Geral de Santo António e observaram os trabalhos bacteriológicos feitos pelo Sr. Dr. Ricardo Jorge, os quais elogiaram muitíssimo. Disseram a um jornalista que iam fazer observações microscópicas sobre os bacilos”392. 389 Diário de Notícias, 10/09/1899, p. 1. 390 Diário de Notícias, 22/09/1899, p. 1. 391 O Comércio do Porto, 17/8/1899, p. 1. 392 Diário de Notícias, 04/09/1899, p. 1.

117 Estes médicos também realizaram visitas sanitárias, confirmando assim a necessidade de obras profundas nos bairros operários. Por exemplo: “Chegaram ontem a esta cidade os médicos Srs. Drs. Theodor Rumpel e Franz Reiche, que vêm de Hamburgo verificar o bacilo da moléstia infeciosa que reina no Porto. Já ontem estiveram no Laboratório de Higiene. Também está no Porto o Sr. D. António de Serar, diretor do Instituto Provincial de Sevilha. Vem incumbido pelo seu governo de proceder a culturas do bacilo e seguir depois para Madrid e preparar o soro anti pestífero e a vacina Haffkine. Alguns médicos estrangeiros andaram ontem visitando o imundo bairro do Barredo, indo em seguida para a rua da Fonte Taurina, onde se conservaram algum tempo. Eram acompanhados por vários facultativos desta cidade”393.

Em resumo, estes foram os médicos estrangeiros que visitaram o Porto durante a epidemia, segundo os relatos dos jornais: De Espanha: Carlos Vicente, António Mendoza, António de Serar, Lopez Castro, Jaime Ferrán y Clua, Federico Viñas y Cusí, Rosendo de Grau, Federico Montaldo (subdelegado de saúde de Madrid, que já conhecia Ricardo Jorge porque tinha estado com ele no Porto a estudar a epidemia de cólera de 1894394), Amálio Jimeno (professor da Faculdade de Medicina de Madrid, inspetor geral dos serviços de sanidade), Malo (inspetor chefe da estação sanitária de Tui)395 e Francisco Belenguer, médico militar agregado à legação de Espanha em Tânger. De França: o “ilustre bacteriologista” Calmette e Salimbeni, “preparador ajudante do Dr. Roux” no Instituto Pasteur de Paris396

, que trouxeram tubos do soro Yersin. Da Alemanha: Theodor Rumpel, Franz Reisch, Paul Frosch e Albrecht Kossel, da imperial repartição de saúde pública; o último viria a ganhar o prémio Nobel da Medicina em 1910. Do Reino Unido: Shadwell, membro da junta de saúde de Londres e delegado do governo. Da Suécia e da Noruega: P. Asser e Magnus Geirsvold, delegados dos respetivos governos. Da Itália: B. Goelo, Ivo Bandi, Francesco Stagnitta Bolisteri, clínicos assistentes do Laboratório Municipal de Messina397, e Gosio Bartolomeo, comissário do governo. Dos Estados Unidos da América: Fairfax Irwin398.

393

O Comércio do Porto, 19/09/1899, p. 2. 394

Jorge, Ricardo. A epidemia de Lisboa de 1894. Porto: Typ. Occidental, 1895. Montaldo y Peró, Federico. Op. cit.

395

O Comércio do Porto, 24/09/1899, p. 2. 396

Diário de Notícias, 03/09/1899, p. 1. Com eles voltou de França para o Porto o “distinto clínico” Dr. Eduardo de Avelar “que fez os seus estudos em França onde foi discípulo de Pasteur, Calmette e ajudante de Chautene. O Dr. Eduardo Avelar, antes de vir para Portugal, foi inoculado com o soro anti pestífero pelo Dr. Calmette, que, como se sabe, o acompanhou ao Porto. Nas escolas que frequentou, obteve sempre o Dr. Avelar as melhores classificações sendo laureado pela Escola de Medicina de Paris”,

idem, 27/09/1899, p. 1.

397 “os quais são portadores de uma vacina anti pestífera que a si próprios aplicaram antes de partir para Portugal, tencionando vacinar-se agora novamente. Vieram recomendados ao cônsul italiano nesta cidade, Sr. João Eduardo de Brito e Cunha, que ontem mesmo os apresentou ao Sr. Governador Civil do distrito e ao médico municipal Sr. Dr. Ricardo Jorge”, O Comércio do Porto, 02/09/1899, p. 2.

398 “No comboio da noite foi ontem para o Porto o médico americano Sr. Fairfax Irwin, que há dias se achava na capital, tendo vindo ao nosso país expressamente para fixar o seu governo sobre o carácter e

118 Da Rússia: Heppener399. Além destes, “estiveram e estão ainda no Porto alguns médicos espanhóis e italianos, mas que não vieram com carácter oficial”400.

Além destes, também de Lisboa se deslocaram alguns médicos para realizarem visitas de estudo ao Porto: “Os Srs. Conselheiro Silva Amado, Drs. Alfredo Costa e Virgílio Poiares, que faziam parte da comissão médica oficial, que veio a esta cidade estudar a doença, partiram anteontem para a capital. Os Srs. Drs. Câmara Pestana e Daniel de Matos ainda se acham nesta cidade, a fim de concluírem uns trabalhos bacteriológicos a que estão procedendo na repartição de saúde pública”401. Também foi o caso do delegado de saúde, Drs. Eduardo Burnay, e do seu adjunto, o “distinto clínico” Silva Carvalho402. Depois de visitarem o Hospital da Misericórdia e os serviços de desinfeção na estação da Campanhã, os dois médicos foram ao Laboratório Municipal de Higiene, “onde o Dr. Calmette os vacinou com o soro Yersin, indo seguidamente visitar os enfermos recolhidos no Hospital do Senhor do Bonfim, que examinaram detidamente, colhendo importantes subsídios para os seus estudos. (...) foram assistir a duas autópsias no necrotério do cemitério do Prado do Repouso...”403. E o subdelegado de saúde de Avis, “Dr. Pedro d'Almeida d'Eça, solicitou da câmara municipal licença para ir ao Porto estudar a epidemia que grassa naquela cidade, para onde parte brevemente. Por despacho do ministério das obras públicas foi cedido à câmara municipal temporariamente o edifício do Estado junto à Barragem da Ribeira de Seda para, sendo necessário, ser aplicado a hospital para doentes da moléstia suspeita”404.

De Macau chegou em outubro o Dr. José Gomes da Silva, “o talentoso médico portuense”, correspondente d’O Comércio do Porto e “distinto ornamento da medicina”405, que aprovou as “desinfeções rigorosas” como único meio de atenuar a epidemia. “Um colega do Jornal de Notícias teve em Espinho uma interview com o Sr. Dr. Gomes da Silva, bacteriologista mui distinto e há pouco vindo de Macau”, na qual ele descreveu as suas experiências: “foi-me autorizada essa análise, que eu farei com os meus limitados recursos de bacteriologista e especialmente porque o micróbio

a gravidade da epidemia manifestada no Porto. Aquele homem de ciência já por vezes tem desempenhado missão idêntica noutros países vitimados por doenças igualmente infeciosas, como a cólera e a febre-amarela”, Diário de Notícias, 07/09/1899, p. 1.

399 “O Sr. Mouraview Apostol, encarregado de negócios da legação da Rússia, procurou ontem o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros a fim de lhe comunicar que o Dr. Heppener fora encarregado pela comissão estabelecida na Rússia para combater a propagação da peste de vir ao Porto”, Diário de

Notícias, 24/08/1899, p. 1. 400 Diário de Notícias, 19/09/1899, p. 1. 401 O Comércio do Porto, 05/09/1899, p. 1. 402 Diário de Notícias, 24/09/1899, p. 1. 403 O Comércio do Porto, 24/09/1899, p. 2. 404 Diário de Notícias, 14/10/1899, p. 1. 405 O Comércio do Porto, 05/09/1899, p. 1.

119 Kitasato é um velho conhecido meu. (...) No hospital, com todos os sintomas de peste bubónica, encontrei, pelo menos, seis enfermos; mas pela sua benignidade continuo a acreditar na peste ‘típica’, com carácter de endémica e, portanto, sem os estragos devastadores que costuma fazer na China”406.

Entretanto, e apesar da confiança dos médicos franceses no soro Yersin, Ricardo Jorge, que já tinha manifestado a suas dúvidas sobre os seus “resultados lisonjeiros”, propôs o estudo científico do soro para verificar a sua verdadeira eficácia: “Tem levantado muitas dúvidas na classe médica a aplicação do soro anti pestífero. No público surgiu também um acentuado movimento de protesto. O Sr. Dr. Ricardo Jorge oficiou ao Sr. Governador Civil opinando porque não deve ser consentida a injeção de qualquer soro ou vacina que trouxerem para esta cidade alguns médicos estrangeiros. O ilustre clínico alvitrou mais que fossem nomeadas uma comissão de médicos estrangeiros e portugueses, a fim de fazer experiências em animais com as vacinas e soros, para se apurar da eficácia dos mesmos preservativos”407. O soro não estava a ser bem recebido no Porto: “Os médicos italianos quiseram vacinar com soro anti pestífero os empregados do hospital Senhor do Bonfim, mas eles recusaram-se, dizendo que, apesar de terem de tratar empestados, não tinham receio algum”408. E mesmo internacionalmente foi reconhecida a sua fraca eficácia: “La Revue

Scientifique, tratando da peste em um artigo que intitula ‘La leçon de la peste’, diz: ‘No

Porto não tem o soro dado resultados apreciáveis’”409 .

O facto de os doentes e os ratos transmissores da peste serem portadores do bacilo Yersin não era suficiente para afirmar que o soro produzido pelo Instituto Pasteur em Paris, e logo em agosto encomendado por Ricardo Jorge, estivesse a ter os resultados desejáveis para o tratamento dos doentes. Aliás, já vimos que a produção local do soro era mais aconselhada, assim como a da vacina Haffkine. Além disso a eficácia do soro dependia da rapidez da aplicação, de preferência nos primeiros dias da doença, e funcionava melhor ainda como “preservativo”, como foi usado pelos Drs. Calmette e Salimbeni, que “declararam que estão imunes do contágio de peste por 15 dias, por isso que se vacinaram em Paris”410.

Assim, logo no início de setembro reuniu-se então no Porto uma comissão internacional de médicos para estudar experimentalmente os valores profilático e terapêutico dos soros e vacinas preconizadas contra a peste. “Pelo ministério do reino 406 Diário de Notícias, 16/10/1899, p. 1. 407 O Comércio do Porto, 05/09/1899, p. 1. 408 Diário de Notícias, 07/09/1899, p. 1. 409 O Comércio do Porto, 14/09/1899, p. 2. 410 Diário de Notícias, 03/09/1899, p. 1.

120 é hoje publicada na folha oficial a seguinte portaria: Sua majestade el rei, conformando-se com a proposta do governador civil do distrito do Porto, há por bem nomear os professores Luís da Câmara Pestana, diretor do Real Instituto Bacteriológico de Lisboa, e Ricardo de Almeida Jorge, diretor do posto municipal de desinfeção pública do Porto, delegados do governo para, juntamente com os médicos estrangeiros encarregados pelos respetivos governos do estudo da epidemia que se tem manifestado na cidade do Porto, constituírem uma comissão extraordinária para experiência do valor preventivo e terapêutico dos diversos soros e vacinas contra a peste bubónica, de cujo resultado farão minucioso relatório, que oportunamente será publicado”411.

Ao longo do mês fizeram-se experiências com o soro em ratos e macacos, as quais produziram resultados positivos, mas apenas como vacina412. O relatório dos trabalhos da comissão apresentou as seguintes conclusões: “No Laboratório Municipal de Higiene reuniu anteontem, sob a presidência do Sr. Dr. Ricardo Jorge, a comissão internacional nomeada pelo ministério do reino, a fim de estudar o valor preventivo e terapêutico dos soros e vacinas recomendados contra a peste bubónica. Além do Sr. Dr. Câmara Pestana, estiveram presentes os Srs. Drs. Calmette, Salimbeni, Geirsvold, Heppener, Asser, Ferrán, Viñas e Grau, os quais apreciaram o relatório elaborado pelo Sr. Dr. Calmette. Adotadas algumas modificações propostas por diferentes membros da comissão, foi o mencionado relatório aprovado por unanimidade. Eis as suas principais conclusões: 1º O soro antipestoso do Instituto Pasteur, aplicado em injeções subcutâneas, não produz acidente algum (...) 2º O soro experimentado nos ratos e nos macacos possui uma ação preventiva, incontestável contra a peste; e manifesta também uma assinalada ação terapêutica (...) 3º A imunidade conferida pela injeção de 5 cm cúbicos de soro antipestoso é eficaz e imediata; embora se não conheça ainda a duração dessa imunidade, calcula-se que ela não possa exceder 25 dias. 4º A vacinação por culturas vacínicas preparada segundo o método Ferrán-Haffkine, confere, conforme as experiências feitas na Índia, uma imunidade mais duradoura, mas leva 8 a 12 dias a estabelecer-se; o emprego pode ser perigoso em quadra epidémica, quando as pessoas habitem em lugares infetados. (...) 7º O emprego da vacinação preventiva facilitaria a circulação de passageiros para fora da zona contaminada (...) 8º Generalização da vacinação preventiva, acrescentada às medidas de profilaxia individual e urbana (desinfeção e isolamento das casas contaminadas) poderia em pouco tempo suspender a propaganda da epidemia. (…) o Sr. Dr.

411

Diário de Notícias, 07/09/1899, p. 1. 412

Ver descrição da experiência de um dos médicos participantes nesta comissão em Montaldo y Peró, Federico. Op. cit., p. 77.

121 Calmette ofereceu ao Sr. Dr. Ricardo Jorge 11 frascos com soro antiestreptocócico do Dr. Marmorek, que é empregado em febres puerperais, erisipela, etc.”413.

Face às recomendações da vacinação preventiva, Ricardo Jorge e os seus filhos foram vacinados pelo Dr. Calmette com o soro Yersin, assim como os médicos que com eles trabalhavam, os empregados do Laboratório Municipal de Higiene e “alguns comerciantes desta praça”414.

Os médicos estrangeiros regressaram aos seus países no final de setembro. O

Diário de Notícias publicou ainda uma interview com o Dr. Calmette sobre a sua

experiência no Porto: durante a sua estadia de um mês chegou a vacinar com o soro Yersin 470 pessoas por dia. Deixou então os seguintes comentários e conselhos: