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Observando a arquitetura universitária e utilizando a fotografia como elemento metodológico

3. UM PERCURSO METODOLÓGICO CRIATIVO E SEUS DADOS 1 Compreendendo o campo: o questionário como bússola

3.3. Observando a arquitetura universitária e utilizando a fotografia como elemento metodológico

Durante as experiências de observação participante, a possibilidade de ter contato com diferentes estruturas arquitetônicas nas universidades me despertou uma maior curiosidade sobre os espaços físicos nesse nível educacional. O olhar mais atento a isso me gerou novas ideias de como abordar essa questão a partir do uso da fotografia como elemento metodológico.

Neste sétimo relato impressionista narro, portanto, o exato momento, durante meu intercâmbio francês, em que me saltou à consciência a importância da implicação com os espaços físicos para a socialização.

Antes do professor Saeed Paivandi sair em viagem já ao fim do meu estágio, fui para uma última orientação presencial com ele em Paris. No meio de algumas explicações sobre a história da universidade, ele me perguntou se eu já havia ido à Sorbonne. Disse que não e ele com uma indignação engraçada disse pra eu ir lá assim que acabasse a orientação. Assim fiz. Peguei aquele metrô, mais complexo do que as ideias de Edgar Morin, em pleno horário de pico e fui. Chegando lá, acabei não podendo entrar, mas resolvi olhar ao redor, tentar outras entradas talvez… enquanto isso, observava aquele prédio monocolor, robusto, que parecia mais um museu. Encontrei algumas salas com a luz acesa e janelas de vidro. Olhando para o alto, só pude ver o teto e me parecia muito mais um teto de algum palácio. Parei uns instantes, apreciei e (provavelmente de boca aberta e expressão curiosa) me perguntei… “como que seria um estudante que mora lá em Mãe Luiza passar no vestibular e ir estudar numa universidade como essa?”! Mãe Luiza é um bairro tradicionalmente popular de Natal, próximo ao mar, onde sempre que passo os meninos a brincar no morro me remetem ao cenário de “Capitães da Areia”, de Jorge Amado. Como seria, então, para um jovem de realidade semelhante a essa, chegar para estudar num prédio como o da Sorbonne? Como devem se sentir os estudantes nesse ambiente? Será que um espaço assim conduz as posturas e relações que os estudantes estabelecem? Sei que o meu questionamento inicial parece mais um “anacronismo espacial” absurdo, mas, de fato, talvez tenha me sentido um pouco incomodada e/ou intimidada por aquele ambiente e isso só fez meu “instinto pesquisador” atentar para o fato de que os espaços físicos das universidades também se relacionam comigo em minha trajetória universitária.

Depois do retorno da experiência na França, dei continuidade com o andamento dos próximos passos da pesquisa, tendo reestruturado o instrumento guia da realização das entrevistas, diferente do que havia pensado anteriormente. As marcas intensas das experiências que tive ao longo do intercâmbio reconduziram algumas estratégias e até mesmo aprofundaram a minha maturidade para condução das entrevistas.

Decidi sobre a estratégia da entrevista por coerência a todo o arcabouço metodológico já apresentado e, exatamente, por entender que a fala dos estudantes é um instrumento poderoso de compreensão das estratégias estudantis e das interpretações da realidade feitas por esse grupo. Afinal, os sujeitos, quando falam sozinhos, apesar de acreditarem estarem revelando apenas a sua individualidade, eles carregam e expressam, mesmo sem perceber, uma essência coletiva que existe em cada um de nós, mesmo dentro das nossas mais profundas individualidades (KAUFMANN, 2013).

Assim sendo, escolhi o instrumento da entrevista semiestruturada, pois se considera que esse tipo de entrevista permite uma maior liberdade de fala aos entrevistados, ao mesmo tempo em que ainda fornece um norte importante para atingir os objetivos da pesquisa (MAY, 2004). Junto disso, acrescentamos algumas noções da estratégia metodológica da entrevista compreensiva de Kaufmann (2013), de construção de um roteiro de entrevista a partir de blocos temáticos (SILVA, 2006).

No nosso roteiro tivemos 4 blocos temáticos: histórias de si, relacionadas à escolha do curso e aos interesses individuais de conhecimento; memórias e relações, referente às relações estabelecidas nos diferentes espaços físicos da universidade; histórias com os outros, concernente às interações que se estabeleceram com pessoas de outros cursos; e da experiência à consciência, pertinente às interpretações acerca da influência do que foi relatado no bloco

anterior para o percurso universitário.

Para o segundo bloco, utilizei fotografias da UFRN para chegar a essas relações estabelecidas pelos estudantes nos diferentes espaços da universidade. Decidimos utilizar imagens de prédio dos diferentes centros presentes no campus central e uma imagem de um campus do interior. Os espaços selecionados foram:

Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), Centro de Tecnologias (CT), Centro de Biociências (CB), Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), Centro de Ciências Exatas e da Terra (CCET), Escola da Ciência e Tecnologia (ECT), Departamento de Artes (DARTE), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES) campus Currais Novos, e o Centro de Educação (CE). Cada uma das imagens representa um ou mais espaços dos 8 centros elencados no site da própria UFRN10.

Inicialmente, havia selecionado todas as imagens para esse bloco da internet, mas depois de que pude ter um contato, mesmo que mínimo, com o espaço de duas universidades com diferentes arquiteturas e histórias e percebi como a relação com o espaço físico poderia também ter um papel relevante na trajetória universitária dos indivíduos, passei a olhar para este bloco da entrevista a partir de outro ângulo.

As duas universidades visitadas que me despertaram esse insight foram a Sorbonne Université, em Paris e a Humboldt-Universität, em Berlim. A Sorbonne tem raízes ainda na idade média, na então Université de Paris do século XII11. Já a

universidade de Humboldt, que inaugura um modelo de universidade moderna (PAIVANDI, 2015), nasceu no século XIX e integrou ao que antes era apenas ensino, a pesquisa, buscando uma unidade entre ensino e pesquisa12.

10Disponível em: https://www.ufrn.br/institucional/unidades-institucionais. Acesso em 05/05/2019. 11Informações disponíveis em: https://www.sorbonne-universite.fr/universite/histoire-et-patrimoine. Acesso em 14/10/2019.

FOTOGRAFIA 01 SORBONNE UNIVERSITÉ

Fonte: Marília do Vale, Paris, fev. 2019.

FOTOGRAFIA 02

Apesar de ambas as universidades terem uma arquitetura robusta e um estilo neoclássico, que recupera elementos da arquitetura grega e romana, é possível ver algumas diferenças entre elas. Se comparada à Sorbonne, a Humboldt nos trás um estilo mais “leve” e não carrega consigo a marca da presença da Igreja; as suas esculturas que trazem o nu e a leveza de tecidos, lembram muito mais esculturas greco-romanas do que católicas. Essas distinções arquitetônicas refletem também as diferenças de origem e modelo, já citadas. Mas para além de refletir as raízes históricas, a arquitetura dos espaços de escolarização também afeta a interação em seus padrões e comportamentos sociais (FOUAD, 2017). Ahamed Fouad (2017) salienta-nos ainda que o comportamento social e a aprendizagem, influenciados pelo meio ambiente físico, não acontecem apenas na sala de aula, mas em qualquer espaço onde a interação social é experienciada.

Nesse prisma, fortalecemos e ancoramos a nossa escolha na exploração do uso de fotografias dos espaços físicos da UFRN. Não obstante, toda essa reflexão arquitetônica acerca da relação do físico e do sensível nos levou a pensar também sobre a própria fotografia, em si, que seria empregada na entrevista.

Já que o visual torna-se cada vez mais indispensável na atual sociedade contemporânea, tão imagética, e na leitura sociológica, e que “[...] a fotografia, por ser flagrante, revelou as insuficiências da palavra como documento da consciência social e como matéria prima do conhecimento” (MARTINS, 2014, p. 11), nos foi importante reconhecer que o quanto seria mais rico e genuíno a nossa participação na produção das fotografias.

Sendo assim, por que não vivenciar esse momento sociológico, antropológico e artístico para produção e seleção das imagens? Resolvi, então, produzir as fotografias dos prédios já selecionados que ficassem no campus central13. Com uma

câmera Nikon D5200, um tripé e a anotação dos lugares a ir na palma da mão, eu, apaixonada por fotografia desde a infância, sai pela universidade a fotografar. A mesma universidade tão familiar para mim, desde a infância, distanciou-se um pouco e se expressou em fotografia.

13Das fotografias do campus central, selecionadas, apenas a do Centro de Biociências foi mantida a da internet, pois desejávamos que as placas com os nomes dos centros pudessem aparecer, quando possível. Nos dias da ida a campo para fotografar, porém, a placa estava danificada e ilegível, bem como a poda das árvores não atualizada.

Tentei seguir, em alguns momentos, a mesma lógica das fotos mais institucionais selecionadas na internet, mas depois fui percebendo que o que fazia mais sentido e talvez despertasse mais memórias das experiências concretas e emoções, fossem fotos que registrassem o que os olhos dos estudantes costumam ver ao chegarem nos respectivos prédios. Imagens que relembrem os caminhos traçados a pé, de carro, de circular14; os caminhos que só são feitos por quem vive

alguma proximidade com aqueles prédios.

E assim, fomos descobrindo também que os melhores ângulos para isso eram os que davam acesso aos espaços de convivência de cada centro ou aqueles que mostrava um percurso muito comum. E fui a esses pontos, olhar com os olhos dos alunos, sem deixar de olhar com os meus olhos. Consideramos que, nas fotos que fiz, então, existe mais gente e movimento do que nas fotos institucionais. Existe muito mais da Universidade que se vive e que se faz nos momentos reais, de convivência, de fome, de cansaço, entusiasmos e angústias, do que nas fotos institucionais saudosas e estáticas de uma "sobra" de uma estrutura organizacional cuja permanência não é tão permanente assim. Os espaços são os espaços reais e completos quando são recheados pelos movimentos sociais de todos aqueles que fazem a universidade acontecer.

Talvez essas fotografias apenas expressam uma visão de universidade que vem sendo lapidada ao longo deste mestrado; ao mesmo tempo, porém, expressam também o inevitável de surgir numa câmera à altura dos olhos de um estudante.

O mais interessante no processo foi ver como no espaço universitário as marcas da vida cotidiana eclodem e compõem o meio ambiente de estudos. Gente fumando maconha, gente deitada nos bancos, gente lendo a bíblia, gente comendo, gente esperando o ônibus com rostos cansados, desejosos, gente. Que com toda objetividade e subjetividade ocupa, das mais diversas formas, esse espaço de expansão do “ser gente” que é a universidade.

As fotografias selecionadas não buscam retratar esses momentos, pois têm foco nos prédios, mas buscam, “[...] como representação social e memória do fragmentário, que é o modo próprio de ser da sociedade contemporânea”

(MARTINS, 2014, p. 36), ser elementos que abrem portas para essas memórias da vida universitária.

FOTOGRAFIA 03 CERES CURRAIS NOVOS

Fonte: autor desconhecido, disponível em:http://denisesantos.blog.br/?p=546Currais Novos, acesso em: maio, 2019.

FOTOGRAFIA 04

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

Fonte: Matheus Marciano (Google Maps local guide), Natal, fev. 201815 15Disponível em:

https://www.google.com/maps/place/CCS%2FUFRN+-+Centro+De+Ci%C3%AAncias+da+Sa%C3%B Ade/@-5.7812787,-35.1969846,3a,154.4y,90t/data=!3m8!1e2!3m6!1sAF1QipMqxLvn3qGtHl671Huwf

FOTOGRAFIA 05 CENTRO DE BIOCIÊNCIAS

Fonte: autor desconhecido, disponível em:

https://nossaciencia.com.br/noticias/psicologa-nao-referenciada-por-seus-pares-e-convidada -para-palestra-na-ufrn/Natal, acesso em: maio, 2019.

FOTOGRAFIA 06 ESCOLA DE MÚSICA

FOTOGRAFIA 07

DEPARTAMENTO DE ARTES

Fonte: Marília do Vale, Natal, maio, 2019. FOTOGRAFIA 08

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

FOTOGRAFIA 09

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

Fonte: Marília do Vale, Natal, maio, 2019. FOTOGRAFIA 10

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

FOTOGRAFIA 11

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

Fonte: Marília do Vale, Natal, maio, 2019. FOTOGRAFIA 12

CENTRO DE TECNOLOGIAS

FOTOGRAFIA 13 CENTRO DE EDUCAÇÃO

Fonte: Marília do Vale, Natal, maio, 2019.

Ao serem postos diante das fotografias, os estudantes não tinham de fazer nenhuma análise arquitetônica, mas puderam exprimir suas relações com os espaços, relatando as lembranças de momentos vivenciados neles e, com isso, demonstrando, em alguns momentos, como as relações com os estudantes de outros cursos aconteciam dentro do espaço da UFRN.

Foi durante esse momento da entrevista que os estudantes sorriram, expressaram emoções de forma espontânea, choraram, se emocionaram e lembraram de momentos corriqueiros do dia a dia, de algum dia ou fato marcante, do quanto esses espaços foram palco para diversas experiências e afetos.