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08 são MAus condutOres de de veÍculos?

2.5 Interação Intercultural: a relação entre língua, identidade e cultura

2.5.2 Obstáculos da comunicação intercultural

A presença de experiências semelhantes de valores, conceitos e ideias compartilhadas em interações interculturais facilita e adequa as inferências em relação ao que o interlocutor quer comunicar. Entretanto, quanto maiores forem as diferenças culturais entre os interlocutores, maiores os ajustes necessários para que uma enunciação verbal ou não-verbal possa ser entendida. Assim, existem diversos complicadores nessa interação considerados como obstáculos que se apresentam na CI. Por mais semelhanças que haja, uma cultura jamais será igual a outra, existirão sempre diferenças nas crenças e nos valores socioculturais. O problema decorrente desse fenômeno é que, pela existência de diferentes conhecimentos culturais, podem ocorrer fracassos comunicativos e conflitos interculturais. O vocabulário, as gírias, os jargões, os dialetos, entre outros elementos linguísticos, causam dificuldades, e o aprendiz de PLE deve estar consciente de que poderá ter dificuldades no contexto com a língua.

Se alguma situação é apresentada como nova, o aprendiz provavelmente irá se valer de um estereótipo conhecido para explicar essa nova situação. Por exemplo, na sequência, quando a aluna americana, no passado, teve uma experiência negativa com os chineses dirigindo em seu país, a aluna categoriza esse grupo de pessoas descrevendo-os como sendo todas as pessoas desse grupo étnico passam a ser provavelmente mal condutores de veículos no seu conceito. Os estereótipos são uma complexa forma de categorização, que organiza mentalmente as experiências e guia o comportamento em direção a um grupo específico de indivíduos.

Lars Fant afirma que “uma vez que uma categoria é estabelecida, ela se transformará em uma ‘caixa’ que preencheremos com conteúdo por meio da atribuição de propriedades a ela” (FANT, 2012, p. 274).28 Inserido na metáfora da ‘caixa’, os estereótipos podem ser

entendidos como categorias, envelopes ou caixas, no qual suas características são carregadas

28“once a category is established it will turn into a ‘box’ which we fill with content by means of attributing properties to it” (FANT, 2012, p. 274)

de valores, sendo consideradas, então, como uma construção socialmente compartilhada. A metáfora da ‘caixa’ descrita acima nos remete a representações esquemáticas denominadas de

CONTÊINERS (SCHRÖDER e CARNEIRO, 2015). Schröder e Carneiro Mendes (2015)

mostraram que a metáfora conceptual CULTURA É UM CONTÊINER29 continua exercendo uma

função ampla na estruturação da experiência intercultural apesar do discurso teórico sobre transculturalidade.

Os indivíduos tendem a conceitualizar culturas como contêiners, nos quais interações com o meio social conferem coerência com as experiências e percepções das pessoas ao se interagirem em encontros interculturais. De acordo com a fenomenologia de Schütz (1979), o modo de orientação social do indivíduo é estimulado por concepções oferecidas e expostas em interações sociais. Schütz afirma que:

Todo o nosso conhecimento do mundo, no senso comum, bem como no pensamento científico, envolve construtos, ou seja, um conjunto de abstrações, generalizações, formalizações, idealizações específicas para o respectivo nível de organização do pensamento. Estritamente falando, não há coisas como fatos, pura e simples. Todos os fatos são desde o início fatos selecionados a partir de um contexto universal pelas atividades da nossa mente. São, portanto, fatos sempre interpretados. (SCHÜTZ, 1973, p. 5 apud SCHRÖDER, 2005, p. 3)30

A este respeito, Schütz observa que grupos sociais estabelecem seus próprios domínios de relevância para tipificar ou estereotipar grupos separados, ou seja, os estereótipos são uma forma de categorização que organiza mentalmente as experiências dos indivíduos e guia seus comportamentos em direção a um grupo específico de pessoas. Wolf (2015) pondera que a consciência de uma pessoa não é suficiente para a mudança de um conceito cultural, sendo necessários contatos culturais com ciclos de interpretação para que essa consciência cultural ocorra. Em um encontro intercultural, a consciência dos (pre)conceitos culturais é provocada quando se encontram conceitos culturais diferentes. Enquanto o entendimento cultural do outro participante não for possível, não há uma superação de limitações culturais, e também não há a “fusão de horizontes” (WOLF, 2015, p. 450). Só quando o indivíduo se torna consciente dele mesmo e dos (pre)conceitos dos outros é que a “fusão de horizontes” pode se tornar possível.

29 A expressão se encontra em caixa alta por se tratar de uma metáfora conceptual como abordado na Semântica Cognitiva (LAKOFF; JOHNSON, 1980).

30 All our knowledge of the world, in common-sense as well as in scientific thinking, involves constructs, i.e. a set of abstractions, generalizations, formalizations, idealizations specific to the respective level of thought organization. Strictly speaking, there are no such things as facts, pure and simple. All facts are from the outset facts selected from a universal context by the activities of our mind. They are, therefore, always interpreted facts [...].(SCHÜTZ, 1973, p. 5 apud SCHRÖDER, 2005, p. 3)

Outro fator importante a ser considerado na comunicação intercultural é a linguagem. A linguagem nas interações interculturais é vista como um fator de construção da realidade social e segue um estilo conversacional típico de grupos distintos, tornando um indivíduo capaz de julgar pressupostos sociais a partir de situações de interação. Entretanto, o entendimento de como a língua portuguesa deve ser usada pelo aprendiz pode se transformar como um efeito de desentendimentos na comunicação, já que:

sempre que iniciamos uma interação linguística, utilizamos inconscientemente os padrões de estilo conversacional que adquirimos em nossa cultural. No entanto, tais expectativas podem não ser consideradas totalmente válidas quando nos defrontamos com interlocutores de grupos culturais diferentes do nosso (ou daqueles com os quais estamos acostumados a interagir) (MEIRELES, 2005, p. 314).

Esses obstáculos acima citados podem se configurar como mecanismos que comprometem a competência comunicativa em sala de aula, dessa forma, não basta que os aprendizes se exponham a outras culturas, mas eles devem ser orientados pelos professores que alcancem a competência intercultural para entender os outros indivíduos e interagir com seus interlocutores de forma compartilhada. O falante competente necessita estar apto para reconhecer aquilo que faz sentido para o grupo com o qual interage, fazendo o uso da língua dentre muitas possibilidades e muitos modos de combinação.

3. METODOLOGIA

“Ela [a língua] é mesmo por excelência o índice das mudanças que se operam na sociedade e nesta expressão privilegiada da sociedade que se chama a cultura.”

Émile Benveniste (1974)