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Ocorrência de Diagnóstico Tardio da Infecção pelo H

N (%) Era pré-HAART

5.5 Ocorrência de Diagnóstico Tardio da Infecção pelo H

Essa pesquisa trouxe a primeira evidência de base populacional no Brasil, indicando o diagnóstico tardio da infecção pelo HIV em uma grande proporção (42%) de crianças diagnosticadas com aids entre 1983 e 2002, apesar do sucesso da política nacional para o controle da aids 10, 11. Este fato é representativo mesmo se considerando que as crianças com diagnóstico da infecção e ano de nascimento no período 1996-2002 tenham tido um risco significativamente menor de diagnóstico tardio. A tendência sustentada de alta proporção de crianças na categoria C após 1988, na série temporal de ano de nascimento, reforça a necessidade de qualificar o diagnóstico da infecção pelo HIV em mulheres e crianças. Esses achados são reforçados por outros estudos realizados na população de crianças 327, mas também na adulta 328; 329.

Estudo analisando 84.694 pessoas com mais de quinze anos de idade revelou que a contagem inicial de linfócitos T CD4+ de um terço dos pacientes apresentava menos de 200 células/mm3. Quando essa informação foi combinada ao número de indivíduos sintomáticos, 41% já tinham indicação para início imediato de TARV. Apesar do acesso universal à TARV, no Brasil, os resultados mostraram que uma alta proporção de pacientes inicia a TARV em um estágio avançado da doença, apontando a necessidade de desenvolvimento de estratégias para promover o diagnóstico precoce da infecção pelo HIV 328. Outro estudo mais recente, baseado em 115.369 pessoas adultas, indicou uma proporção de 43,6% com início tardio do manejo da infecção pelo HIV com uma probabilidade de 16,5% de morte nos primeiros doze meses (IC 95%: 16,3-16,7). Ao comparar estes casos com aqueles que tiveram acesso oportuno, verificou-se que a razão de risco para óbito foi de 49,5 (IC 95%: 45,1-54,2) 329.

Nesse último estudo em adultos, o percentual de risco de morte atribuível ao início tardio do manejo foi de 95,5%, traduzindo-se em 17.189 óbitos potencialmente evitáveis. Por sua vez, a prevenção dessas mortes teria reduzido o coeficiente de mortalidade por aids em 39,5% no período de 2003 a 2006. Incluindo os pacientes assintomáticos com contagens de linfócitos T CD4+ > 200 e ≤ 350 células/mm3 no grupo que iniciou tardiamente o manejo da infecção, essa proporção aumentou em 1,8% 329.

No presente estudo em crianças, o atraso do diagnóstico da infecção pelo HIV esteve associado de forma significativa à maior probabilidade de evolução para óbito. A fração de óbitos que poderia ter sido evitada na população de crianças analisada se o diagnóstico da infecção pelo HIV tivesse sido oportuno seria de aproximadamente 69%. Para

tanto, é fundamental a qualificação da assistência materno-infantil, com ênfase no desenvolvimento das ações para prevenção da TV do HIV. Este dado, analisado de forma conjunta com os dados anteriormente discutidos, reforça a relevância do diagnóstico oportuno para as crianças 205.

No Brasil, as ações direcionadas para a redução da TV do HIV foram operacionalizadas de forma mais consistente após 1999 75; 83. Nos primeiros anos da epidemia (1988 a 1993), a taxa de TV do HIV foi estimada em 16% 82. Outro estudo nacional estimou taxas de 8,6% em 2000 e de 7,1% em 2001 81. Estudo mais recente realizado no estado de São Paulo indicou uma taxa de 2,7% em 2006 266. Mas, em um país com cerca de 190 milhões de habitantes e dimensões continentais, em associação a grandes desigualdades sociais, econômicas e culturais, observam-se diferentes padrões operacionais 78; 79; 81; 263; 264; 267; 309. Essa situação determina em grande parte o não alcance de um nível mais avançado de controle da TV do HIV no país bem como o manejo inadequado das crianças expostas, com ou sem infecção definida posteriormente.

A análise, incluindo as coortes de ano de nascimento, revelou uma situação pior para crianças menores de um ano de idade, com um risco 1,7 vezes maior de diagnóstico tardio, representando um fator significativamente associado ao diagnóstico tardio. Este achado corrobora a menor sobrevida verificada nessa população. Os dados disponíveis na literatura mostram que essas crianças apresentam maiores taxas de progressão da doença e de mortalidade, quando comparadas com crianças maiores 13; 205; 208; 330. A maior probabilidade de progressão clínica e de morte também é observada mesmo para aquelas que apresentam elevada contagem de linfócitos T CD4+ 113. Assim, considerando-se o elevado risco de progressão rápida nessa população de crianças, todas devem necessariamente receber TARV, independente da condição clínica, da contagem de linfócitos T CD4+ e da carga viral 331. Tal recomendação também é explicitada nas diretrizes brasileiras mais recentes (2009) para o tratamento de crianças infectadas pelo HIV 178.

A contagem de linfócitos T CD4+ representa um marco significativo para a análise do estado imunológico e para a tomada de decisão sobre o momento de início da TARV das crianças infetadas 331. Neste estudo, verificaram-se, para todas as faixas etárias e

status atual, graves alterações imunológicas no momento da classificação clínica inicial da

infecção pelo HIV, aumentando o risco de progressão para a morte sem a adoção de ARV. Por outro lado, a disponibilidade e realização mais significativa do exame de contagem de linfócitos T CD4+, no período de 1999 a 2002, amplia a possibilidade de diagnóstico oportuno da infecção pelo HIV e de seu manejo mais qualificado 178.

Outros fatores associados ao diagnóstico tardio foram: coortes de nascimento de 1989 a 1995 e de 1996 a 2002 e ano de diagnóstico da infecção pelo HIV, no período de 1996 a 2002. Esses achados reforçam a necessidade de ampliar o controle da TV do HIV, o tratamento da infecção pelo HIV frente às necessidades específicas de cada faixa etária, bem como o tratamento das doenças oportunistas em crianças 18; 83.

A redução do diagnóstico tardio após HAART demonstra os resultados dos esforços da política brasileira para garantir o acesso universal após 1996 e pode justificar de forma adicional o grande aumento da sobrevida observada quando os dois estudos nacionais são comparados 314. Além disso, no Segundo Estudo Nacional de Sobrevida em Crianças com Aids, foi observada melhora significativa no quadro clínico das crianças, provavelmente acompanhada por uma melhora similar na qualidade de vida delas 314. Neste estudo, mesmo se considerando o diagnóstico tardio, uma proporção cada vez maior de crianças inicia a TARV mais precocemente desde 1996.

O diagnóstico precoce da infecção pelo HIV e o início oportuno da TARV potencialmente reduzem a mortalidade e aumentam a qualidade de vida das crianças, garantindo o adequado crescimento e desenvolvimento 66; 178; 183; 332. Neste estudo, a diferença entre o momento do diagnóstico da infecção e o do nascimento indica melhor desempenho na coorte nascida de 1996 a 2002, a maioria ainda já no primeiro ano de vida. Em relação à série histórica relativa ao ano de diagnóstico da infecção pelo HIV, observa-se tendência de redução sustentada ao longo dos anos do diagnóstico tardio, apesar dos níveis superiores ao esperado. O pior desempenho se deu nas crianças nascidas antes de 1988: 75% das crianças foram diagnosticadas em até sete anos.

Diagnóstico e intervenção precoces adicionalmente preservam, restauram e melhoram o funcionamento do sistema imune, reduzindo a probabilidade de infecções oportunistas e possibilitando supressão máxima da replicação do HIV, por meio da redução do risco de resistência e toxicidade aos fármacos 67; 144; 205; 206. Estudo baseado em coorte italiana composta por 1.402 crianças expostas ao HIV por TV, representativa dos períodos pré-HAART (1985 a 1995) e HAART (1996 a 2000 e 2001 a 2005) indicou redução progressiva na progressão para aids 182. No Brasil, estudo realizado no estado de Minas Gerais, com uma coorte de 371 crianças acompanhadas de 1989 a 2003 em um serviço de referência evidenciou que a eficácia de HAART esteve associada a uma redução significativa na incidência de infecções oportunistas 187.

Desde 2006, para fortalecer as ações de controle da infecção pelo HIV, a política nacional de saúde expressa no “Pacto pela Vida” definiu como objetivos a redução da

mortalidade infantil como também a materna. Essas metas serviram de base para a estruturação do Plano Nacional para a Redução da Transmissão Vertical do HIV e da Sífilis no país em 2007 70; 71; 85; 231. Além disso, considerando as muitas conquistas na política nacional de saúde no Brasil após 2002, especialmente na ampliação da estratégia de saúde da família e dos serviços de atenção especializada para a população pediátrica, esses cenários podem ter sido modificados 333, apesar das evidências anteriores, durante o período desses dois estudos 334.