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Ocorrência de Doenças Oportunistas Definidoras de Aids

N (%) Era pré-HAART

5.6 Ocorrência de Doenças Oportunistas Definidoras de Aids

Esta análise representa a primeira evidência de base populacional sobre a ocorrência e as tendências de doenças oportunistas definidoras de aids em crianças brasileiras, expostas ao HIV por TV. A segunda coorte nacional do Estudo Nacional de Sobrevida em Crianças com Aids indica maior proporção de crianças expostas à TARV, em comparação com a coorte do primeiro estudo (65% versus 35%). Apesar da redução significativa da ocorrência de condições oportunistas, essas doenças ainda representam eventos importantes para a morbidade relacionada à aids, verificando-se mais da metade das crianças com pelo menos um evento na coorte de crianças mais recente, com uma ocorrência significativamente menor na segunda coorte nacional.

O impacto da HAART na redução em crianças da progressão para aids foi descrita previamente em vários estudos 18; 66; 143; 182; 183; 192; 204; 206; 208; 335, mesmo em países em desenvolvimento 181; 204; 332. Porém, poucos estudos de base populacional avaliaram claramente as mudanças no padrão de ocorrência de doenças associadas à infecção pelo HIV/aids 110; 182; 185; 187. A presente análise indica redução significativa na ocorrência de todas as doenças oportunistas na era HAART: crianças que nasceram e tiveram o diagnóstico da infecção HIV ou iniciaram TARV após 1996 apresentaram chance significativamente menor de desenvolver doenças oportunistas. No entanto, foi identificada manutenção da importância de alguns eventos específicos, como doenças bacterianas invasivas.

Em uma coorte representativa de crianças expostas ao HIV por meio de TV nas eras pré-HAART e HAART, evidenciou-se redução gradual da taxa de ocorrência de eventos clínicos específicos, de forma semelhante a esta análise, com persistência de elevada proporção de infecções bacterianas graves, particularmente pneumonia 182. No Brasil, estudo

conduzido em centro de referência comprovou a eficácia da HAART em crianças observadas no período de 1989 a 2003, com a evidência de associação a uma redução significativa na incidência de infecções oportunistas 187.

As principais condições oportunistas identificadas nos dois períodos foram: infecção bacteriana (excluindo-se meningite e sepse), pneumonia por P. jirovecii e meningite/sepse bacteriana. As análises comparativas indicam redução estatisticamente significante para infecção bacteriana invasiva (exceto meningite e sepse), pneumonia por P.

jirovecii, meningite ou sepse bacteriana, criptosporidiose e criptococose.

Em contraste com os estudos citados anteriormente, observou-se nesta análise que 13% das crianças ainda apresentavam pneumonia por P. jirovecii na era HAART, refletindo o diagnóstico e o tratamento não oportunos da infecção pelo HIV, apesar da redução significativa na incidência deste evento. De forma adicional, a proporção de crianças com criptosporidiose foi significativamente reduzida (mais de cinco vezes), como observado em outros estudos 146; 149. Para outras doenças (excluindo-se criptococose), apesar da indicação de redução na proporção de casos na era HAART, não houve diferença significativa entre os períodos analisados, indicando a necessidade de qualificar a atenção a essas crianças.

Uso de TARV em geral, uso de TARV na era HAART, diagnóstico de aids no período 1999 a 2002 e diagnóstico da infecção após a disponibilidade de HAART estiveram relacionados à menor frequência de condições oportunistas. Aproximadamente 70% das crianças infectadas em ambos os grupos foram diagnosticadas na era HAART. As crianças com infecção pelo HIV diagnosticada entre 1996 e 2002 têm uma chance três vezes menor de apresentar infecções oportunistas, em comparação com aquelas que nasceram antes da disponibilidade de qualquer ARV. Assim, elas tiveram a chance de ser diagnosticadas, acompanhadas laboratorialmente (contagem de linfócitos T CD4+ e carga viral do HIV-1) e tratadas, mesmo em estágios avançados, considerando as condições estruturais no Brasil 71; 86.

Questões operacionais relativas aos serviços de saúde analisadas neste estudo, como atenção pré-natal e adoção do aleitamento materno, não estiveram significativamente associadas à ocorrência de doenças oportunistas. Apesar dos avanços 80

, há indicativos consistentes de falhas operacionais no desenvolvimento dessas ações 80; 266. A presente análise aponta para uma associação expressiva entre a não aplicação de qualquer medida que vise à prevenção da TV (pré-natal, parto ou manejo da criança) e a ocorrência desses eventos clínicos. Uma pequena proporção de crianças teve a oportunidade de realizar tais ações, com grande possibilidade de terem sido incluídas no monitoramento de rotina de crianças expostas

ao HIV por TV, aumentando a chance de desenvolver doenças oportunistas prevenidas pela adoção de intervenções oportunas.

Crianças com menos de um ano de idade apresentaram uma chance significativa de ocorrência de doenças oportunistas em comparação com crianças de 1 a 5 anos e de 6 a 12 anos. Como discutido anteriormente, essa população de crianças é conhecida como a que tem a progressão mais rápida para a aids, indicando fortes evidências da eficácia do tratamento introduzido precocemente 205; 208; 330, o que indica a necessidade de intervenções precoces para o manejo adequado da infecção pelo HIV. Com base nessas evidências, desde 2009, o Brasil adota medidas em suas diretrizes terapêuticas definindo o tratamento a todas as crianças menores de um ano, independentemente da clínica, da classificação imunológica ou da carga viral do HIV 178. Reforçando as evidências anteriores, a presente análise mostra uma associação negativa com a ocorrência de infecções oportunistas nas crianças nascidas nos anos mais recentes e naquelas que permaneceram vivas durante o acompanhamento definido nas duas coortes.

Considerando o período desta análise (1983 a 2007) e o avanço da política brasileira para o controle e manejo da infecção pelo HIV/aids, os anos mais recentes (após 2002) podem ter, possivelmente, um padrão diferente de ocorrência de doenças oportunistas, indicando a necessidade de estudos adicionais. Ressalta-se novamente que, em um cenário com redução da incidência da infecção pelo HIV em crianças, existe uma clara necessidade de manter um nível de sensibilidade da rede de atenção no que se refere à abordagem delas.