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Ofício enviado ao IPHAN

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CAPÍTULO 3 O MANIFESTO DO IAHGP: SOBRE O VALOR HISTÓRICO E

3.3 Ofício enviado ao IPHAN

No mesmo dia do envio do ofício destinado ao governador do Estado Eraldo Gueiros, o IAHGP envia um ofício ao diretor do IPHAN, Renato Soeiro, solicitando o tombamento da área do Cabo de Santo Agostinho e da baía de Suape. O conteúdo deste ofício foi transcrito pelo Diário de Pernambuco, no dia 02 de julho de 1973.

No ofício, o IAHGP retoma os argumentos apresentados no ofício enviado ao governador. Ou seja, expressa a necessidade da proteção do meio ambiente e dos monumentos históricos presentes na região que será afetada pelo Projeto Suape. Contudo, vimos uma preocupação maior na descrição dos monumentos para dar maiores subsídios para o IPHAN aceitar a solicitação de tombamento.

O IAHGP inicia o ofício ressaltando os princípios de preservação dos dois Institutos e o compromisso de proteção aos monumentos históricos e artísticos do estado. Como estratégia de arguição para a preservação de Suape, o IAHGP cita outros casos que passaram pelo processo de tombamento como forma de preservar a história local.

Não faz muitos anos dirigiu memorial ao Exmo. Sr. Presidente da República, do qual resultou o tombamento do campo das batalhas dos Guararapes – no justo momento em que a comunidade Beneditina de Olinda, no ano de Tricentenário da Restauração Pernambucana em 1954, dava entrada na Prefeitura Municipal de Jaboatão, a um pedido do loteamento daquela área. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 02/07/1973).

Neste trecho, entendemos que o IAHGP recorre à ameaça da perda como argumento central para a preservação do Cabo do Santo Agostinho, a baía de Suape e do conjunto de monumentos históricos e paisagísticos. Mostrando que os estudos para construção do CIPS estão em fase inicial e que poderiam ser revertidos caso o IPHAN aceitasse o pedido de tombamento.

[…] uma concepção moderna de História, em que esta aparece como um processo inexorável de destruição, em que valores, instituições e objetos associados a uma “cultura”, “tradição”, “identidade” ou “memória” nacional tendem a se perder. Os remanescentes do passado, assim como as diferenças entre culturas, tenderiam a ser apagadas e substituídas por um espaço marcado pela uniformidade. […] Na medida em que esse processo é tomado como um dado, e que o presente é narrado como uma situação de perda progressiva, estruturam-se e legitimam-se aquelas práticas de colecionamento, restauração e preservação de ‘patrimônios culturais’ representativos de categorias e grupos sociais diversos. (GONÇALVES, 1996, p. 22).

Os discursos sobre o patrimônio no Brasil estão permeados pela retórica da perda, um recurso narrativo que evidencia a ameaça do desaparecimento de um objeto, monumento ou prática que teria um valor afetivo para uma parcela da sociedade. No caso específico, o IAHGP utilizou desse recurso linguístico como forma de expressar a importância do tombamento da região de Suape.

Para justificar o processo de tombamento da região, o IAHGP recorre à história do Cabo de Santo Agostinho para endossar seu argumento de preservação. O primeiro documento apresentado foi a descrição do piloto e cosmógrafo-mor do Reino de Portugal, Manuel de Figueiredo, em 1614, no qual descreve geograficamente o Cabo de Santo Agostinho e tendo como referencial central a ermita de Nossa Senhora de Nazaré que se localiza no ponto mais alto do Cabo de Santo Agostinho.

O segundo documento histórico apresentado pelo IAHGP foi o desenho de Frans Post que ilustrou o livro Barlaeus que narrava o Governo de Maurício de Nassau (1637-44). A obra retrata a perspectiva do artista sobre a Ilha de Borges olhando a encosta sul do Cabo de Santo Agostinho.

O último documento histórico apresentado pelo IAHGP foi o Roteiro da Costa do Brasil - do Rio Mossoró ao Rio de São Francisco do Norte, escrito por Manuel Antonio Vital de Oliveira, que descreveu a beleza paisagística do Cabo de Santo Agostinho, em 1864.

Nesta parte do ofício, o IAHGP faz uma descrição densa sobre a história de cada monumento histórico presente na região do Cabo de Santo Agostinho dando destaque ao Porto do Cabo ou de Nazaré, o Forte de Nazaré, o Castelo do Mar, o Forte do Pontal, a Ermita de Nossa Senhora de Nazaré e o Convento Carmelita. Contudo, irei me atear aos argumentos que o IAHGP utilizou referente à paisagem do Cabo de Santo Agostinho.

Após os argumentos de valor históricos apresentados no ofício é feita a transcrição geográfica da baía de Suape. O IAHGP reforça a ideia de beleza paisagística descrita no ofício enviado ao governador do Estado. Contudo, neste ofício o IAHGP amplia sua discussão elencando os elementos naturais que eles consideram de grande beleza:

A paisagem que dessa baía se descortina da encosta sul do Cabo é considerada, por todos que têm tido a oportunidade de a conhecer, a mais bela paisagem em amplidão da área costeira de Pernambuco, e uma das mais belas paisagens dos trópicos brasileiros. Do alto, a vista alcança vasta perspectiva, com elementos característicos da zona litorânea nordestina: praias de areia branca, coqueiros, mar verde-azul, rios, arrecifes, espuma branca a chocar-se contra as pedras. Cena de uma beleza sem par (DIARIO DE PERNAMBUCO, 02/07/1973).

Como podemos perceber desta transcrição, o argumento referente à preservação do meio ambiente tem fortes conotações contemplativas, no qual o meio ambiente deve ser admirado e seria uma “ofensa” algo tão belo ser destruído. O argumento paisagístico torna-se elemento fundamental para preservação do meio ambiente, para isso devemos compreender um pouco sobre o que seria uma paisagem?

Segundo Ulpiano Meneses (2002, p. 29), o termo paisagem é extremamente amplo e polissêmico dificultando traçar uma historicidade do conceito. O autor afirma que: “certamente tal flexibilidade traz vantagens, mas também banaliza e pode fazer perder o fio da meada, o risco maior sobretudo, é a desistoricização do conceito.”

Como Meneses nos informa, existe uma dificuldade em determinar o que seria uma paisagem, mas ele nos alerta que seu significado possui elementos temporais que ajudam a conceituá-lo. Outro ponto importante a ser apresentado sobre a paisagem é a sua leitura. Para isso James Duncan (1990, p. 64) argumenta que:

[…] as paisagens nunca têm um único significado; sempre há a possibilidade de diferentes leituras. Nem a produção, nem a leitura de paisagens são inocentes. Ambas são políticas no sentido mais amplo do termo, uma vez que estão inextricavelmente ligadas aos interesses materiais das várias classes e posições de poder da sociedade.

Podemos perceber através do pensamento do Duncan que a qualificação de uma paisagem depende diretamente do interesse político de uma sociedade em reconhecer aquele determinado ambiente como paisagem. Por isso a resistência do Governo de Pernambuco em recolher a área de Suape como sendo uma paisagem notável, já que existia um interesse político-econômico na região que sobrepunha a visão paisagística.

Sobre a questão da observação, é importante ressaltar a construção da subjetividade humana, em que as percepções de mundo estão influenciadas por determinações sociais, culturais e históricas. Neste sentido, não basta compreender morfologicamente os componentes de um determinado ambiente para qualificá-lo como paisagem (BERQUE, 1994).

Todos os que se iniciam no conhecimento das ciências da natureza – mais cedo ou mais tarde, por um caminho ou outro – atingem a ideia de que a paisagem é sempre uma herança. Na verdade, ela é uma herança em todo o sentido da palavra: herança de processos fisiográficos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação de suas comunidades. (AB’SABER, 2003, p. 9).

Então a demanda levantada pelo IAHGP com relação à preservação da área de Suape seria válida já que ela se configura como uma paisagem. Suape atende todos os princípios expostos referentes a ter uma história que é compartilhada pelos seus habitantes que foi exposta no ofício do IAHGP. “A paisagem é um conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações entre o homem e a natureza” (SANTOS, 2006, p. 66). E os processos fisiográficos e biológicos foram evidenciados ao se referir a beleza paisagista da região elencando elementos naturais como as praias de areia branca, coqueiros, mar verde-azul, rios, arrecifes, entre outros.

Por fim, o IAHGP utiliza o argumento jurídico apresentando novamente o parágrafo único do artigo 180 da Constituição Federal de 1967 como base jurídica para o pedido de tombamento. O IAHGP quer incluir o Cabo de Santo Agostinho ao programa de reconstrução dos monumentos históricos do Nordeste que tinha como objetivo a utilização para fins turísticos.

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