• Nenhum resultado encontrado

BURTON E SEUS MÚLTIPLOS

B) as posturas apologética e analógica dos tradutores; C) as inquietações morais que os seus versos suscitam.

4.1 OMAR KHAYYÁM

Ninguém sabe muito acerca de Omar Khayyám. Porém, sobram alguns registros importantes dos seus contemporâneos. Há uma porção de teorias sobre quem teria escrito as Rubáiyát: ou teria sido o próprio Omar ou teriam sido outro Omar Khayyám, o que acho pouco provável.

Além disso, há quem atribua os versos a outros poetas persas do período. Sigo esta seção, ilustrando a belíssima e completa reconstitui- ção da vida do filósofo, astrônomo, matemático e poeta persa, que fez Aminrazavi (2005) em The wine of Wisdom.

Seu nome completo foi Abu‘l Fath Omar ibn Ibrāhīm Khayyám e nasceu por volta de 1048 em Nayshābūr, na parte oriental do Irã. Exis- te alguma controvérsia acerca do ano de seu nascimento e morte que teria ocorrido por volta de 1124 ou 1129. Todavia, suas datas não vão além destas.

Seus pais eram mulçumanos conversos, que vinham duma longa tradição do zoroastrismo. A despeito da origem humilde, Khayyám foi entregue pelo pai como estudante a um erudito chamado Mawlānā Qādī Muhāmmad, surpreso com a habilidade mnemônica do jovem, que já havia decorado, aos sete anos, quase todo o Corão. Há certa lenda que diz que a criança Khayyám perguntou ao mestre porque todo capítulo do Corão começava com a célebre invocação: ―Em nome de Alá, o mais misericordioso e compassivo‖. O mestre respondeu-lhe que isto ocorria porque o livro eram as palavras de Deus. Então Khayyám teria dito: ―Por que Alá precisa começar cada capítulo lembrando o próprio nome? Isto não implica em dualidade?‖. Seja como for, o menino foi uma cri- ança prodígio que passou de mestre a mestre, aprendendo também cos- mologia, filosofia, e estudando, principalmente, o Almagesto de Ptolo- meu.

Khayyám sempre teve um gênio quieto e reservado; sua instro- pescção e dedicação tornanram-se conhecidos por todo o Islã e não tar- dou para que, ainda jovem, fosse estudar com um erudito que ensinava os filhos do sultão, Nayshābūrī, um celebérrimo e importante filósofo mulçumano. Para terminar, Khayyám estudou também com um discípu- lo de Avicena, Mansūr, que o introduziu nas obras do Grande Mestre. Em alguns trechos da própria obra, Khayyám refere que teria estudado também com o próprio Avicena. Por exemplo, em Ser e Necessidade, de data incerta, um dos seus ensaios filosóficos mais famosos, Khayyám

descreve que esteve em Isfahan, lugar em que teria encontrado com Avicena. Seja como for, o jovem prodígio tornou-se um dos mais impor- tantes sábios e eruditos do seu tempo e foi professor de outros célebres filósofos, como Al-Ghazzālī.

Existem algumas boas histórias sobre Khayyám; diz-se que foi amigo de Hasan Sabbāh, o fundador duma ordem muito famosa de as- sassinos em tempos da Pérsia medieval. Vemos, por aí, que as relações de Khayyám com bandidos e revoltosos se parecem às de Burton; este último se encontrava com e tinha verdadeira amizade e admiração pelo líder árabe rebelde, enquanto que o mesmo acontecia com o velho poeta persa.

De acordo com Aminrazavi (2005) um dos acontecimentos mais importantes na vida de Khayyám foi sua viagem a Isfahan, que já men- cionei, mas detalho a seguir. O estudioso afirma que durante esta via- gem, o poeta persa estudou Euclides, Apolônio e outros mestres gregos. Nesta viagem conheceu alguns discípulos de Avicena. Chamou este último de mestre de forma dúbia em seus escritos, não permitindo que tenhamos certeza de que encontrou o famoso filósofo. Além disso, im- pressionou o sultão local que mandou construir-lhe um observatório. De lá, Khayyám decidiu ir à Meca fazer a peregrinação que, séculos depois, Burton faria disfarçado de árabe.

Então, ele voltou a sua terra natal e depois de muitas outras jor- nadas, já envelhecido e com a fama consolidada e, provavelmente, so- frendo do mal de Alzheimer, Khayyám viveu o último dia de sua vida, que seu genro relatou:

Ele estava estudando enquanto usava um marca- dor de ouro para marcar a seção sobre a ―unidade e a multiplicidade‖. (...) Então Khayyám orou e recusou-se a comer e beber até que performasse suas orações noturnas. Ele prostrou-se, pôs sua cabeça no solo e disse: ―Ó senhor, eu o conheci o melhor que pude, perdoe-me por meu conheci- mento e que meu caminho me leve até o senhor‖. E então, morreu (citado em Guasch, 2005: 155).

Os dias de Khayyám foram de muita viagem e filosofia. Curiosamente, não há quase ninguém que mencione seus poemas. Na verdade, apenas alguns anos após sua morte, começou-se a atribuir a autoria dos Rubái- yát a Omar Khayyám.

Seus trabalhos costumam estar ligados à filosofia. Entre eles, podemos destacar, todas produzidas em data incerta:

a) Sobre a elaboração dos problemas concernentes aos livros de Euclides, que é um trato em três partes em que o filósofo conclama os pensadores a investigar, depois de oferecer provas matemáticas, a incompletude de muitos aforismos e conclusões de Euclides.

b) Sobre o ser e a necessidade, em que Khayyám discute acer- ca da sabedoria, da criação do homem e das obrigações re- ligiosas. Neste trabalho, argui que as discussões filosóficas são de três tipos: primeiro, as ontológicas, que começam pela pergunta ―o que é?‖; segundo, as questões que tem a ver com essência e substância, que procuram responder ―o que é isto?‖; por fim, as últimas questões são aquelas elabo- radas desta forma: ―por que isto é assim?‖, e que tem a ver com a causa das coisas.

c) Sobre o conhecimento dos princípios da existência, em que o filósofo persa discute conceitos aristotélicos de substância e os universais. Existe toda uma gama de discussões com respeito à geração e corrupção, as sucessões infinitas e as categorias aristotélicas. É quase que uma suma de todas as ideias de Khayyám, porque foi o último texto filósofico que escreveu, já em idade bastante avançada.

Para uma listagem completa e um resumo adequado de todas as obras de Khayyám, sugiro a leitura de Aminrazavi em The wine of wis- dom (2005).Além destas obras, existem as Rubáiyát, que o poeta teria escrito perto do fim da vida. Seu número varia de acordo com a edição consultada, porque há muitas quadras que são atribuídas duvidosamente ao persa. Assim, vão de centenas a quase 1200 quadras, de forma que carecemos de uma edição que dê conta de estabelecer, de uma vez por todas, quantos são os poemas que Omar Khayyám escreveu.

Além das Rubáiyát, que foram escritas em persa, existem sete poemas escritos em árabe que são, com alguma certeza, atribuídos ao poeta e que Aminrazavi (2005) traduziu. Curiosamente, seu conteúdo tem muito a ver com o das Rubáiyát (que descrevo adiante), o que serve como prova de que Omar Khayyám tinha, de fato, estes pensamentos e, muito provavelmente, é o autor das quadras que FitzGerald traduziu.

Antes de prosseguir, porém, pela interpretação dos versos que o poeta inglês verteu, faço uma breve apresentação da sua biografia.