3. Poder Regulamentar
3.4. Omissão regulamentar
Quanto a omissão regulamentar no Brasil necessário observar, primeiramente, o descumprimento de dever jurídico previsto no art. 5º, LXXI CRFB. Ora:
―Art. 5º LXXI CRFB - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;‖
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Pedro GONÇALVES, Funções e Valores do Direito Administrativo, pág. 451. Disponível em: https://www.fd.uc.pt/~pgon/PDF/FuncoesValoresDA.pdf
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Vanessa Vieira de MELLO, Regime Jurídico da Competência Regulamentar, Dialética, 2001, pág. 45.
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No decorrer da dissertação, todavia, adotamos ora poder regulamentar ora competência regulamentar propositalmente e por meras razões práticas de se criar uma atmosfera mais próxima e verossímil com a utilização doutrinária habitual tanto no cenário jurídico português quanto no brasileiro. Embora estejamos, de fato, imbuídos a concordar que mais apropriado seria utilizar-se tão-somente da expressão ―competência regulamentar‖.
E depois, o art. 85, VII84, também da Constituição brasileira, considera, além disso, "crime de responsabilidade" os atos do Presidente que atentem "contra o
cumprimento das leis (...)".
Assim, frustrar a execução de uma lei no Brasil é descumpri-la por omissão.85 No Brasil, aliás, a autorização dada ao Executivo para regulamentar a lei deve necessariamente prever também um prazo para que seja expedido o ato de regulamentação.
O ato regulamentar seja na figura do decreto regulamentar ou do regulamento, configura uma espécie de condição suspensiva para que a lei se torne exequível. O desrespeito ao respectivo prazo exarado tem como consequência a chamada omissão regulamentar.
O mesmo acontece nesse aspecto com o caso português, que no art. 137º do seu Código de Procedimento Administrativo prevê prazo expresso de 90 dias para a regulamentação da lei. Constituindo principal expressão da reação administrativa contra a inércia regulamentar no país.86
Segundo as palavras do estudioso brasileiro Alexandre Magno Fernandes Moreira:
―[Aceitar] a omissão em regulamentar (...) em última análise, seria o mesmo que atribuir ao Executivo o poder de legislação negativa, ou seja, de permitir que a inércia tivesse o condão de estancar a aplicação da lei, o que, obviamente, ofenderia a separação de poderes.‖
Felizmente a questão não se limita a simplesmente deixar ao alvedrio do administrador a exequibilidade da lei, tampouco aquiesce a uma furtiva delegação de poderes entre Legislativo e Executivo. Pois caso o prazo seja superado sem a edição da regulamentação necessária para a adequada aplicação da lei, ainda
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Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
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Celso Antônio Bandeira de MELLO, Curso de Direito..., 2014, pág. 362.
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Quanto a Declaração de ilegalidade por omissão ver Ana Raquel Gonçalves MONIZ,
Estudos sobre os regulamentos administrativos, 2ª ed., Edições Almedina, Coimbra, 2016, pág. 242 e
ss. Quanto a Omissão regulamentar ver Ana Raquel Gonçalves MONIZ, Estudos sobre os
assim existirá a possibilidade de que os direitos nela contidos sejam garantidos no caso concreto.
Isso é possível tendo em conta que os titulares dos direitos em pauta poderão se utilizar do Judiciário a fim de obter decisão favorável que de certa forma ―supra a ausência do regulamento‖. Decisão que lhes propicie os direitos que teriam sido garantidos caso a respectiva lei tivesse sido regulamentada.
Também o direito português, com a recente modificação do CPA, traz notável aperfeiçoamento em matéria de regulamentos administrativos a partir da previsão da figura da omissão regulamentar.
Mas antes mesmo das indeléveis modernizações trazidas pelo CPA, é bem verdade que já a partir da redação do artigo 77º do CPTA se tratava de impugnação judicial a omissão de normas regulamentares em Portugal. Justamente a partir de uma decisão14 proferida tendo em conta os pressupostos deste artigi se consagrou a declaração de ilegalidade por omissão de normas regulamentares15.
Aliás, a omissão regulamentar do artigo 77º do CPTA deve se referir a uma ausência de regulamentação cujo conteúdo seja imprescindível a execução da lei.
Esse pressuposto é tido a partir de duas perspectivas. Quais sejam: a da ―necessidade de regulamento‖, que em suma seria a obrigação de compor os elementos faltantes para a aplicação adequada da lei e dos respectivos desígnios do legislador para aquela norma; e a da ―autorização regulamentar‖, que, por sua vez, consistiria na exigência de regulamentar em virtude do prazo decorrido para tal.
Ora, à primeira vista pode parecer que a questão da omissão regulamentar já estava mais do que assente e definida no direito português. Mas é somente com a recente edição do novo CPA que se passa a deliberar a prevenção da omissão regulamentar e da outrora inevitável via contenciosa. Através da previsão da possibilidade de peticionamento por parte dos particulares interessados à Administração.
É assim que o novo instituto permite o que se designa como uma espécie de reação pré-contenciosa à falta de regulamentação da lei.
No que tange ao que propriamente afirma o art. 137º do CPA, a previsão vai no sentido de que na falta de fixação legal, em regra, os regulamentos do tipo execução18 deverão ser emitidos no prazo equivalente a 90 dias a contar do ato legislativo.
A visão de Ana Raquel Gonçalves Moniz87 consiste em que este artigo constitui ao mesmo tempo um complemento e uma alternativa a declaração de ilegalidade por omissão disposta no art. 77 do CPTA.
Todavia a autora afirma que deve se proceder a uma interpretação extensiva para ampliar o conceito de omissão ilegal as hipóteses em que o regulamento é indispensável a aplicação de uma norma de direito da União Europeia.
A nosso ver, é preciso ademais observar o que preceitua os artigos 178º e ss. do CPA, especialmente quanto aos princípios ali expressos.88